O Último Tango em Paris

Uma súbita notoriedade, Marlon Brando invade os canais de TV a cabo, e temos filmes e documentários sobre o grande ator quase todos os dias.

Ontem revi “O Último Tango em Paris”, filme que odiei quando o assisti na telona, mas que agora vejo com simpatia. Envelheci eu, e o filme ficou melhor com o tempo. Eu sou mais compreensivo com as “escrotidões burguesas” que Bernardo Bertolucci procurou colocar no seu argumento original de “O Ultimo Tango”, que eu achei que só poderia ser para chamar a atenção sobre o filme e fazer uma espécie de marketing do escândalo, a famosa cena da manteiga, ou o herói pedindo a mulher para cortar as unhas e introduzir os dedos em seu ânus, uma espécie de punição sado-masoquista pelo suicídio da esposa.

Bertolucci fez sucesso com este filme e deslanchou na carreira de diretor internacional. “O Ultimo Tango” foi proibido em vários países, inclusive no Brasil, no ano da produção, 1972, e só liberado em 1980, vivendo os estertores da ditadura figueirediana, povoada de babaquices incomensuráveis, tais como “ gosto mais do cheiro de cavalo do que de gente”.

A história do filme, original de Bertolucci parte de uma fantasia comum naqueles tempos pré-AIDS, o sexo casual exercido sem qualquer proteção, seja física, seja psicológica. A mulher o e o homem se encontram acidentalmente em um apartamento parisiense que está para alugar, e lá o homem (Marlon Brando) a violenta. Seria estupro, se ela não o aceitasse com tanto entusiasmo. Realizam-se as fantasias dos protagonistas, do diretor, do público. O homem está amargurado, como vai se tornando evidente pelo desenrolar do filme, sua esposa havia se suicidado no banheiro de um hotel barato, cortando-se com uma navalha barata de trinta e cinco centavos. O homem, um americano de meia-idade, luta contra a angustia, o desespero e a dor praticando sexo casual com a mulher (Maria Schneider), parisiense típica de 20 anos, cuja motivação parece ser a curiosidade. Fica estabelecido que a única motivação é o sexo pelo sexo, e que os personagens não trocariam informações sobre as suas vidas pessoais. Eis a história.

Como no conto de Joyce, há uma tese implícita. Seria possível um relacionamento sem amor? No final do filme, após o enterro da esposa e a cena do concurso de tango em Paris, o Homem declara o seu amor e a mulher passa a fugir dele, até que o melhor desfecho ocorre: a mulher atira nele e fala mecanicamente: “não o conheço, ele me seguiu, me violentou”, enquanto toca o tango-jazz estilizado do argentino Gato Barbieri.

Revendo, acho que o filme é uma crônica da época, uma crítica ferrenha a uma alienação da burguesia ilhada em seus dramas pessoais, enquanto o mundo explode na guerra-fria, na guerra do Vietnã, nas muitas ditaduras de direita implantadas nos países latino-americanos e na Europa.

O filme representou uma guinada na carreira de Marlon Brando, que no ano seguinte, 1973, participaria de “O Poderoso Chefão”, o que impulsionou a sua carreira já um pouco decadente. Para Bertolucci, o filme representou uma espécie de protesto pela pouca repercussão do seu maravilhoso “O Conformista”, feito em 1970, aquele sim o verdadeiro “Último Tango em Paris”.