Salò, ou Os 120 dias de Sodoma

Confesso que “Salò” sempre me assustou. Primeiro, esteve proibido, depois a fama que precedeu o filme foi o bastante para espantar os seus possíveis espectadores.

Feito em 1975, após a chamada Trilogia da Vida, que compreendeu filmes sobre temas amenos como o Dacamerão, os contos de Canterbury, os Mil e uma Noites, o autor, num acesso de pessimismo radicalizou e fez uma adaptação de Sade, com toques de Inferno de Dante, atualizado para a época da chamada república de Saló.

Imagine Benito Mussolini, o ditador fascista da Itália por quase vinte anos preso, os guerrilheiros comunistas tomando a Itália, com o apoio dos aliados que invadiram a Sicília. Imagine o outro grão-ditador germânico, Adolfo Hitler planejando a libertação do seu irmão ditador, mandando uma força delta ariana num planador que, de fato, teve bom êxito em seu objetivo. E Mussolini voltou a ser ditador, senão da Itália, da República de Salò, uma cidadezinha do norte, reinando sobre uma corte de notáveis do fascismo durante um curto período, até que fosse recapturado pelos partizans e devidamente fuzilado.

E imagine Pasolini, um poeta e cineasta rebelde, expulso do partido comunista por “ser um homossexual escandaloso”, numa Itália falsamente democrática onde pululam grupos esquerdistas radicais e onde Aldo Moro seria assassinado. Pasolini resolve filmar uma adaptação de 100 dias de Sodoma, do Marques de Sade, tendo como pano de fundo o fascismo em seus últimos dias. Pasolini transforma a ideologia fascista e seu autoritarismo numa possessão total do corpo e espírito pelos algozes nazi-fascistas, que agridem sadicamente pelo prazer que isso pode dar, inclusive o prazer sexual, e cria, segundo alguns uma comédia de que é impossível achar graça.

O espetáculo é grotesco, faz mal, o espectador fica com vontade de dar porrada em alguém ao assistir tais barbaridades. Mas apesar de não se conseguir gostar de tais cenas, não há dúvidas de que estamos diante de um grande filme, um clássico do sado-masoquismo político, feito pelo genial poeta-cineasta- comunista- homossexual, Píer Paolo Pasolini, autor de varias obras primas do cinema universal.

Acaso ou não, o autor foi assassinado meses após terminar o filme, num crime obscuro onde acusaram o seu namorado de ocasião, mas os ferimentos sofridos por ele revelaram que o mesmo foi torturado, como se tivesse sido uma das vítimas de Salò.

Um resumo da obra de Pasolini em:

http://www.bulhorgia.com.br/colunas_pasolini.htm