O impressionante Coringa de Heath Ledger, no novo filme do Batman.

O impressionante Coringa de Heath Ledger, no novo filme do Batman.

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Heath Ledger levou as premiações do Globo de Ouro e Oscar (este, já póstumo) de melhor ator coadjuvante, pela sua performance como Coringa no filme Batman - O cavaleiro das trevas. Nada li sobre os concorrentes ou da disputa pela premiação, mas como velho fã de quadrinhos, um desses, que não se cansa de se alegrar em ver os heróis de quadrinhos da infância em carne e osso, em filmes de efeitos especiais espantosos, que tornam verossímeis as histórias rocambolescas, confesso que fiquei espantado com a interpretação de Ledger, que, a par do perfil e do roteiro, praticamente recriou o eterno, perigoso e anárquico rival do Cavaleiro da Trevas.

De passagem lembro que esse papel chamou a atenção de muita gente e, como os aficionados recordam, no início das filmagens, algum idiota da imprensa inquiriu a Jack Nicholson sobre a escolha do ator para a reencarnação de Coringa no cinema. Nicholson, com seu humor peculiar e irônico, na altura dos seus muitos anos e gloriosa carreira, declarou que estava "indignado" por não ter sido convocado para o papel, e muita gente o levou a sério (o que ele queria dizer, evidentemente era: "quem é esse tal de Ledger? Porque tenho que opinar sobre isso? Ora, Não me encham o saco!")...

O ator vinha de sua celebrada atuação em "Brubeck Mountain", rumoroso, porém, fraquinho, filme sobre um romance entre dois típicos cowboys americanos e, se credenciava a papeis de grande envergadura. Pois bem, a chance chegou com a oferta do papel de Coringa, que já havia sido muito bem interpretado - de maneiras diferentes - por César Romero, na famosa série de TV dos anos 60 e, por Mr. Nicholson, no cinema, via Tim Burton.

Heath Ledger surpreendeu em sua interpretação - e muito! O seu palhaço do crime difere dos outros, à parte o roteiro, por se constituir num tipo muito mais endiabrado, inconseqüente, conturbado e, muito, muito violento. E ele consegue comunicar tal circunstância logo na primeira cena em que o personagem aparece, de costas, caminhando firme pela rua - em direção de mais um de seus objetivos, disposto a tudo. As costas arquejadas, sugerindo uma fera, prestes a atacar, e os braços soltos indicam a loucura dantesca e, as doses cavalares de violência que estavam por vir.

Mais adiante, depois de mostrar a que veio e, do que eraé capaz, seu rosto é exibido e, a maquiagem borrada do palhaço não esconde o rosto torturado e, o olhar ameaçador, denunciando idéias deturpadas e razões obscuras. Ledger consegue imprimir ao personagem toda uma carga de desejos e emoções violentas e dramáticas, que explodem a cada inflexão, gesto ou fala. De saída, aquela empatia fácil que ocorria em relação à interpretação anterior, não se estabelece, pois o tipo é realmente assustador - psicopata, megalomaníaco, frio, assassino destemido e, piromaníaco.

De fato, o seu Coringa, ao contrário do Coringa do Batman de Tim Burton, que foi magnificamente interpretado por Jack Nicholson, que já tinha experiência com personagens do tipo, como é o caso do louco do filme "O Iluminado", de Stanley Kubrick, difere da linha daquele que normalmente é visto nos quadrinhos, mesmo aqueles retratados por Alan Moore, em "The Killing Joke" - classicão das HQs ou Grant Morrison, em "Arkham Asillum", pois, a par de sua megalomania, ele tem aa certeza que, numa sociedade midiática, só acontecimentos de grandes proporções e a espetaculização do horror e da morte, conseguem chamar à atenção - e niste ponto, existe uma coincidência entre suas ações e as práticas dos grupos terroristas atuantes no mundo*.

Com efeito, ele não se furta à execução pessoal dos atos mais violentos, aí incluídas, evidentemente, a mutilação sistemática do rosto das vítimas visadas ou, circunstanciais e, a explosão de hospitais e prédios inteiros, não se preocupa com refinamento dos atos, o que representaria alguma forma de ordem, se compraz com a tortura física e se delicia com a a tortura psicológica, não se dispõe à convivência social e, não deixa entrever, a razão de seus atos - de modo que não se pode concluir que todos os seus atos sejam devidos à sua loucura, ou se esta é total e dominante de sua personalidade, ou ainda, se ele é apenas um desses tipos que levam o fanatismo insano ´pe levado às últimas conseqüências, já que a suposta origem de seus males mentais é, constantemente manipulada, a cada vez que a ela ekle se reporta.

E o ator consegue explorar e valorizar cada uma dessas nuances. Numa das cenas, transforma a característica mais conhecida do personagem, isto é, sua risada demoníaca, que é transformada numa espécie de fala onomatopaica e sinistra. Numa outra cena, num rápido momento em que aparece sem maquiagem - coisa que surpreendeu muito aos leitores de HQ, onde ele não apareceu assim - disfarçado de policial, sua figura não deixa de parecer uma ameaça iminente.

Como se sabe, nos quadrinhos, a digladiação contínua entre o Cruzado de Capa e o Palhaço Louco leva, paulatinamente, o segundo a se convencer e alegar ao primeiro, supostas semelhanças quanto ao estado mental e personalidades, por conta de suposta razão equivalente - isto é, origem num trauma marcante e, o processo que se segue até a cartase. No final do filme, essa ladainha é repetida, sem convicção pelo bandido, já que os acontecimentos anteriores desmentem tal argumento, pois o que Coringa em verdade enxerga no antagonista talvez seja o perigo que ele representa, como uma peça solta do sistema, que, ao contrário, da polícia, da Promotoria de Justiça, não se constitui numa instituição com nome e endereço fixo, e que se coloca contra seus objetivos absurdos...

Por tudo isso, a interpretação do Coringa de Heath Ledger surpreendeu. Talvez, seja a despedida do personagem na atual série de filmes de Batman, mornamente interpretado por Christian Bale e, no patamar em que a interpretação colocada, produtores e diretores não querer riscar a imagem estabelecida pelo ator e, menos ainda, arriscar no contraste de uma interpretação infeliz.

A despeito das premiações, o espectador foi o primeiro laureado, quando foi ao cinema para ver o novo filme de Batman - muito especialmente aqueles que o acompanha na origem, isto é, nas histórias em quadrinhos...

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Registro, contudo, que apesar de gostar de Batman (trauma de infância, do que decorre a personalidade soturna, a solidão, a desconfiança no sistema jurisdicional e, o desejo autoritário de controlar parte da realidade, fazendo justiça com as próprias mãos...), não sou um decenauta. No conjunto, prefiro os personagens da Marvel - Thor, Homem Aranha, Quarteto Fantástico, os Vingadores, Demolidor, Wolverine, Surfista Prateado... - que parecem menos remendos de super heróis da era de prata, do que indivíduos super poderosos com problemas comuns, como todos os humanos.

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* Tudo começou no evento denominado "setembro negro", quando membros da OLP mataram covardemente sete membros da delegação de atletas israelenses a tiros, durante a Olimpíada de Munique.

Agora, chegamos à época do terrorismo espetacular, que visa à morte não mais de membros representativos da sociedade, mas de símbolos e o mairo número possível de vítimas inocentes e indefesas (e o "11 de setembro", promovido pela Al Qaeda, não deixa dúvida disso).