Traumas precisam ser desvelados

Um dos preceitos básicos de qualquer terapia que se proponha a tratar (ou mesmo a curar) alguém com algum tipo de trauma psicológico é fazer com que ele o entenda conscientemente, que o aceite e o supere. Obviamente, o caminho terapêutico de um tratamento com tal característica é sempre muito demorado e doloroso, com consequências às vezes imprevisíveis.

A mente humana é, para mim, tão fascinante que até mesmo as histórias trágicas com resquícios traumáticos me instigam a tentar entender este micro-universo que habita cada um dos nossos corpos. Livros e filmes que tratam do tema são sempre objetos do meu interesse. Citaria vários deles aqui, mas um, em especial, chamou a minha atenção no último fim de semana. O filme “Reine Sobre Mim” (de 2007, mas só assistido agora!) é uma daquelas histórias simples e verossímeis, como o cotidiano de qualquer pessoa.

Embora normalmente associado a enredos cômicos, como um dia foi Jim Carey, o ator Adam Sandler mostra nessa obra a elasticidade do seu talento. No drama dirigido por Mike Binder, ele encarna Charlie Fineman, um dentista que viu sua vida ruir após o ataque terrorista de 11 de setembro nos Estados Unidos.

Tudo começa quando Fineman é reconhecido na rua por um ex-colega de faculdade, o bem sucedido dentista Alan Johnson (interpretado por Don Cheadle). Este último, que soube da tragédia de Fineman através da imprensa, começa a ver a sua própria vida certinha se transformar em meio à tentativa de se reaproximar do antigo companheiro de alojamento universitário.

A belíssima história é um contínuo processo de resgate de uma pessoa vítima do chamado Transtorno de Estresse Pós-Traumático. A Psiquiatria e a Psicanálise o definem como sendo “uma exposição a evento traumático em que uma pessoa foi confrontada com a morte ou grave ferimento real ou ameaçado, em si ou em pessoas próximas, com resposta envolvendo intenso medo, impotência ou horror”.

Em “Reine Sobre Mim” Charlie Fineman se nega a aceitar a tragédia que lhe tirou, de uma só vez, a esposa e as três filhas. Para se defender ele cria um novo mundo no qual praticamente ninguém entra. Com uma trilha sonora recheada de baladas lindas, este filme é um excelente mote para debates sobre traumas e maneiras de superá-los.

É sabido na literatura psicanalítica que é comum, após um trauma, “a vítima começar a revivê-lo através de sonhos e de pensamentos; evitar fatos, objetos ou quaisquer situações que lembrem o trauma; ter medo de que a situação venha a se repetir e apresente sensações físicas de desconforto e ansiedade, que podem ser desencadeados pela simples recordação mental do trauma”.

Nesse contexto também é comum o surgimento de um grande sofrimento psicológico com as lembranças de algum aspecto do trauma. Há, então, uma intensa necessidade de se evitarem sentimentos, pensamentos, conversas, pessoas ou lugares que ativem recordações dele. Normalmente há dificuldade em se recordar algum aspecto importante do trauma, em conciliar e manter o sono, irritabilidade ou surtos de raiva e baixa concentração. Esta teoria pode ser facilmente percebida no comportamento da personagem de Adam Sandler.

O tratamento do Transtorno de Estresse Pós-Traumático requer ajuda profissional, devido à extensão e profundidade da dor que o envolve. Algo, no entanto, é consenso: os traumas precisam ser desvelados, precisam vir à tona para que deixem de ser fantasmas no sótão e passem para o plano das dores reais que precisam ser encaradas como tais. Aí entram familiares, amigos ou mesmo ex-colegas que possam criar situações favoráveis à busca por alguma terapia.

Roberto Darte
Enviado por Roberto Darte em 18/09/2009
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