“Erin Brockovich, uma mulher de talento” (Erin Brockovich)
“Erin Brockovich, uma mulher de talento” (Erin Brockovich)
Como se trata de uma história verídica, começamos dizendo que o Cromo Hexavalente é capaz de transformar o corpo humano, no todo ou em suas partes, sobretudo as afetadas, em poeira sideral, se tanto.
É também verídico que Julia Roberts cobrou mais de 20 milhões de dólares pelo papel que, para o caso de você não ter assistido, vale dizer que vale cada centavo.
Pouco tempo depois de “ganhar” o emprego de assistente de secretária para o advogado Albert Finney, e vale a pena ver como ela “ganhou” o emprego, para o caso de você não ter assistido, ele gentilmente propõe que ela repense o guarda roupa.
A verídica Erin retruca:
- Enquanto eu tiver um traseiro que se pareça com um traseiro, e não com dois, continuarei com meu guarda roupa.
Julia Roberts vive, revive e inspira através dessa vida quaisquer outras vivências. A vida de Erin Brockovich, descasada, mãe de três filhos pequenos, inapta perante o mundo oficial para serviços de vendas, computação, atendimento, etc., que descobre graças a sua vivacidade que uma pequena comunidade tem sua água contaminada por Cromo Hexavalente, e devido a isso sérias baixas ocorrem na região. Quanto mais ela caça, mais o filme entra na tarja do drama e este toma conta de um dos lados do show – o lado que pensa depois.
O roteiro dinâmico de Susannah Grant funciona como uma moeda que exibe os dois lados ao mesmo tempo. Ao longo dos seus 130 minutos, o filme na verdade é uma biografia parcial da ex- Miss Wichita e uma amostragem da dura realidade dos moradores de Hinkley, fustigados pela exposição exacerbada ao Cromo-6 desde os anos 60. Famílias inteiras adoeciam ininterruptamente, membros desencarnavam por doenças/degenerações horripilantes e tudo teria ficado na mesma, não fosse a intervenção de uma leiga em direito, cutucando seu chefe, um doutor em direito, para que “o certo arrume o que está errado”.
Peter Coyote, Conchata Ferrell, a Berta do “Two and a Half Man” e Marg Helgenberger, a CSI mor do CSI Vegas, enfeitam o confeito.
O filme brinca com os estereótipos e como eles podem induzir a falsas idéias. A própria Erin, sempre com um visual, digamos assim, esportivo, contradiz a indumentária padrão das pessoas jurídicas, que não a levam a sério. Seu namorado, o motoqueiro paramentado de motoqueiro Aaron Eckhart, pode ser tudo menos um dedicado babysiter embora isso é o que ele faz de melhor. O decadente confederado Tracey Walter, que a espreita em várias ocasiões, estampado da cabeça aos pés como um possível malfeitor, será seu inusitado aliado.
Erin é despachada, prática, tem a motivação abençoada pelos 30 e poucos anos ao passo que o advogado vivido por
Albert Finney diz que já deu o que tinha que dar, que nasceu com diabetes e um rim de menos, que a duras penas conseguiu juntar um pecúlio e que a duras penas mantém um modesto escritório de advocacia e que não vai se lançar num litígio interminável com uma corporação bilionária. Nem que seja para trazer a verdade à tona. Mas a verdade se faz pelos seus eleitos.
O acordo entre os 634 querelantes de Hinkley, Califórnia, e a mega empresa PG&E foi o maior feito numa ação direta na história dos EUA.
Brockovich tinha 16 dólares no banco quando começou a trabalhar na firma de advocacia. Dois anos depois a ação lhe trouxe 2 milhões inteirinhos como recompensa, não por recitar a lei e tampouco trata-se de uma narrativa circunscrita a tribunais. Seu mérito estava justamente na mais banal ação da jurisprudência, ainda que tal ação nem sempre aconteça à contento: ouvir as pessoas.
Lançado no Brasil em 20 de abril de 2000 e dirigido pelo aparentemente à prova de erros Steven Soderbergh, “Erin...” mostra que o verídico retratado pelo bom cinema surpreende a lógica e repara injustiças.
(www.bernardgontier.com)