“Jogada de Gênio” (Flash of Genius)
“Jogada de Gênio” (Flash of Genius)
Inexiste aposentadoria para inventores, (nem para escritores), embora o establishment não viva sem eles, mesmo sem admitir oficialmente.
Flash of Genius foi, antes de se tornar título original de filme, título de um artigo publicado no The New Yorker, escrito por John Seabrook, de onde este filme se origina. Antes disso, o termo surgiu na década de 40, em caso registrado na jurisprudência americana, atestando que um inventor sofre um insight antes de concretizar seu invento. Quem cavou essa pérola foi o próprio Bob Kearns, engenheiro, professor universitário, pai de família e inventor que, nas horas vagas, no porão de sua garagem, desenvolveu o limpador de pára brisa intermitente. O entusiasmo decorrente do invento levou Bob até a montadora Ford, que se encantou com o produto, acenou com a possibilidade dele mesmo produzir o engenho, prometeu mundos e fundos, pediu para dar uma olhadinha no projeto e depois se descartou do autor.
Quinze meses decorridos, numa noite de chuva, ele vê um modelo Ford com o dispositivo. Vem à tona a semente do litígio.
A analogia com o escritor não foi jogada aqui despropositadamente. Durante o julgamento, que ninguém acreditava que fosse acontecer, o professor Kearns é acusado pelos advogados da Ford de não ter inventado nada mas sim de ter pego três elementos (condensador, resistência, transistor), disponíveis em qualquer catálogo de produtos eletrônicos e reorganizá-los de forma diferente. Kearns pega então um livro de Charles Dickens, e lê o primeiro parágrafo:
“Aquele foi o melhor dos tempos, o pior dos tempos, foi a idade da sabedoria, foi a idade da insensatez”.
Daí indaga à corte se o autor havia inventado as palavras: aquele, foi, idade, tempos..... Ele ainda esclarece que elas estão disponíveis em qualquer dicionário. Nada mal, para um sujeito que dispensou advogados e preferiu o temerário caminho de representar a si mesmo num tribunal.
O papel de Robert W. Kearns, (1927-2005), é vivido por Greg Kinnear, rosto competente e não menos conhecido num sem número de películas. Marc Abraham, o responsável pela direção correta desta produção de 2009, conta sem exageros a história real de um homem que, sem se dar conta, passou a representar inúmeros anônimos pela América, inventores de porão, que tiveram seus engenhos açambarcados pelos tubarões.
Kearns passou o miúdo entre o roubo literal da Ford e o julgamento final. Parou de lecionar, dizia no guichê de seguro desemprego, para escárnio geral, que sua profissão era a de inventor, seu perceptômetro entrou em pane, a família o abandonou, seu melhor amigo (Dermot Mulroney), dizia “invente outra coisa”, afinal é só um limpador, Kinnear/Kearns retrucava que para ele era uma Mona Lisa, um advogado (Alan Alda), é contratado e consegue um acordo de 250 mil dólares, a mulher exulta, ele diz não, a menos que a Ford admita que roubou sua invenção. O advogado lhe explica que na América, a honra é ressarcida com um talão de cheques.
Kearns vai conhecer a solidão como poucos, chega até a parar numa clínica psiquiátrica. É quando ele observa para o médico chefe: você escreveu todos esses livros, certo? E se alguém pegasse a sua obra, tirasse o seu nome dela e colocasse outro nome, você gostaria? O professor Kearns não estava louco, estava indignado.
Um mês antes do julgamento a Ford Motor Company lhe oferece 1 milhão de dólares para esquecer o assunto. Ele indaga se a empresa iria se retratar oficialmente. Negativo. Um dias antes do veredicto, a Ford lhe oferece 30 milhões de dólares. Eis aí um momento, mais um, onde fica claro que a genuína convicção desconhece o parâmetro monetário.
É de se pensar nessa questão de um júri passar semanas absorvendo nuances e tecnicidades, além de subjetividades como ética e moral, para finalmente fazer a justiça prevalecer. O professor foi ressarcido em quase 29 milhões de dólares, tanto pela Ford como pela Chrysler, além do devido reconhecimento de seu invento.
“Flash...”, com certeza, está longe de figurar na lista dos candidatos ao Oscar, embora sua mensagem seja extremamente oportuna numa voraz realidade corporativa, que sapateia incessantemente sobre o indivíduo.