"quanto vale, ou é por quilo?" Sérgio Bianchi
Não pude, imediatamente, levantar-me da cadeira do cinema. Precisava elaborar ali mesmo o que acabara de assistir.
A primeira associação que fiz, ao término do filme de Sérgio Bianchi, fora algo relacionado ao inconsciente coletivo do brasileiro.
O arquétipo do escravo, a exploração do outro que tal protótipo implica, a relação dúbia entre o escravo e seu algoz.
E, em última análise, a transformação do escravo em algoz, ou em seu cúmplice.
Não há saída possível. É a recorrência do “Cronicamente Inviável”.
Por alguns segundos lembrei-me de Dogville, talvez pelo cinismo que permeia qualquer opressão e abuso.
Nada escapa à lente metralha e crítica de Bianchi. Certeira, a cada tiro ao Álvaro.
Nem os “Santo Daime” ou os “Unidos do Vegetal”, se é que entendi bem a alusão nas obscenas cenas de vômitos que resgatam em minha memória outro filme seu, o curta “A Segunda Besta”, adaptação de um conto do “Bestiário” de Júlio Cortazar.(O “Quanto vale...” é uma leitura livre e, ao mesmo tempo, pontual, de “Pai contra a Mãe” de Machado de Assis).
Tampouco o sistema de cotas, se é que entendi a alusão na cena em que os garotos seriam pintados de preto, para atender à necessidade de crianças negras, para o marketing da moça mulata que, no passado, havia sido escrava grávida, fugidia, e recapturada.
As crônicas de Nireu Cavalcanti, intercaladas no alinhavo do enredo, são geniais, e apontam para um contexto que extrapola o universo do terceiro setor, priorizado nos comentários sobre o filme, mas que pode ser interpretado como uma metáfora da “boa intenção”. Afinal, “o que é uma orelha perto de milhões de...”?
Em “Quanto Vale, ou É Por Quilo?” todos os “bem intencionados” e, mais ainda, os “não tão...”, visam lucro.
Por vezes o único lucro é a própria sobrevivência. Por vezes o lucro é muita grana. Por vezes, é o irônico alívio da consciência. Mas sempre é lucro.
Para o qual, não há imunidade, ou, “ops”, humanidade, possível.
Neste sentido é coerente com a visão pessimista de Freud sobre o homem. Não mais o inconsciente coletivo do brasileiro, mas o “Mal Estar na Civilização”.
Coerente também com a máxima marxista da “mais valia”.
Aqui, a “mais valia” do desejo, seja ele qual for, desde que gere lucro ou, “mais valia”...
“Quanto Vale, ou é Por Quilo?”
Valeu!
Para pensar, no escurinho do cinema.