“Chamas da Vingança” (Man on fire)
“Chamas da Vingança” (Man on fire)
Pedimos, (gentilmente), aos Universitários do Google, para checarem, (esmiuçadamente), quem foi John Creasy, personagem vivido por Denzel Washington, pois o filme é uma homenagem a esse cidadão, que chegou no planeta em 1956 e desencarnou em 2003.
A película abre com Denzel, barbado, olhando para o vulcão vizinho a Cidade do México e termina com Denzel, solapado, olhando para mesma paisagem (podem pesquisar também o nome do vulcão).
Num mundo dodói, um filme dodói. Todavia, quando o filme é de primeira categoria, a gente assiste com o encanto infantil, aquele que nos hipnotiza e nos conduz alegremente a um carretel de conceitos dodóis, sem que percebamos.
Tony Scott dirige. Essa família Scott nasceu pra coisa.
Nos últimos dois anos Hollywood tem excedido a cota de canastrice com astros, com projetos alucinantemente embasados em conceitos que – e infelizmente – irão embasar cabeças carentes de conceitos, todavia mais uma vez, estamos falando de cinema de décima nona categoria.
Vide “Os Substitutos” (Bruce Willis), “O Fim da Escuridão” (Mel Gibson), “Não sei o que minha filha” (blearg...) (Kevin Costner), “Terrorista” (Samuel L. Jackson), “Os Coletores” (Jude Law & Forest Whitaker), espetáculos de doer, um peor que o outro, termômetro pelando de um organismo convulso.
“Chamas...” é o seguinte: cinema e ponto.
Vingança, se se pensar um pouco, troço extremamente dodói, porém, uma fatia pouco parca da História Global escrita, digamos, nos últimos dois mil anos, possui fartos alicerces nesse, hã, desvio.
Você pisou no pé de fulano numa tarde ensolarada em 1972. Em agosto, digamos. E até hoje fulano nutre uma revolta no próprio seio, remoendo vezes sem conta o episódio. O peor é que, na maioria das vezes, você nem percebeu que pisou no pé de fulano.
Denzel Washington excelente no papel da autoridade decaída em ação na Cidade do México, no entorno de 2002, talvez com a pretensão ao fundo de denunciar o anômalo/familiar fenômeno do seqüestro, as vezes relâmpago.
Scott fornece as cifras, extraídas do romance de
A.J. Quinnell. Nada que assuste um paulistano...
Ainda há interesse no modo como a narrativa, por meio de Christopher Walken (brilhou no brilhante “Franco Atirador”), introduz a personalidade de Denzel no contexto. Através de um oitavo de palavra o bom entendedor percebe que quando o santo baixa em Denzel, não fica pedra sobre pedra.
O bom cinema faz com se assista isso com gosto.
Denzel vai trabalhar no serviço de proteção aos inocentes ricos e, quando se dá conta de que sua protegida foi executada, bem, o título é auto-explicativo.
Quando do reencontro com Walken, ambos a beira da piscina bebericando, Washington indaga:
- Você acha que Deus nos perdoará pelo que fizemos?
Walken acha que não. Repare quanta comunicação numa cena composta por uma frase e um meneio de cabeça:1 – operamos juntos 2. – nossa operação não consistia em produzir biscoitos de baunilha.
O cinema tem deitado e rolado nessa cama e nossa História Global reflete nada mais nada menos que nossa personalidade.
Mickey Rourke aparece aqui e ali como o corporate-lacaio (a segunda palavra é em português), fumando charutos e arquitetando.
Dakota Fanning como a protegida, em mais um papel rumo ao estrelato.
Não seria incomum, em nosso trabalho, comercial, artístico, empresarial, social, nos pegarmos com a indagação:
- Você sente a mão de Deus em suas ações?
É o que a freira indaga para Denzel, no primeiro dia em que ele leva Dakota para o colégio. Suas mãos tem cicatrizes e seu CV assinala os últimos 16 anos com atividades para-militares. Ele reflete um tanto antes de responder: não, há muito tempo isso não ocorre.
Dakota, a criança com sede de vida e de fazer amigos, revolve tanto o emocional do guarda-costas com suas perguntas diretas que ele externa estar ali para proteger e não para criar laços.
Denzel tenta o suicídio numa noite de chuva. Tudo sob o teto dos patrões, a americana Radha Mitchell e o pseudo latino Marc Anthony, mega empresário que acende uma tonelada de velas e arquiteta caraminholas perigosas com Rourke.
Cinéfilo não se incomoda (muito) com conceitos de baixa freqüência vibratória, no caso, a vingança.
Ninguém alugou o filme para se deleitar com a relação Denzel/Dakota, que evoluiu de motorista pero não amigo para tutor-professor de natação-história-coisas da vida.
“Man on fire”, título original e sua indisfarçada intenção venderam bilhetes.
Cinéfilo fica pau da vida quando compra sola de sapato supondo ser chateaubriand au poivre.
“Chamas...” passa longe da sola e Scott sabe que o público está ali para assistir o Coliseu Express, mas Scott tem classe e o caldo só entorna na segunda parte. Durante 50 minutos o filme goteja, clichê digerível por clichê digerível, o tépido cotidiano da família Ramos em México City, um local que convém anotar a placa do carro traseiro.
Na segunda metade, por assim dizer, o filme apresenta novos ângulos não só do ponto de vista estético, tais como as vísceras da Cidade do México expostas (não muito diferentes de logradouros como Cidade do Rio ou Cidade de Sampa), como também nas feições do Denzel vingativo e suas falas perfeitas senão do ponto de vista do verbo, da entonação do mesmo. Pode adicionar a isso as atuações dos torturados e as sessões em si, muito criativas. O nosso Gero Camilo está na dança e a dupla dos a favor da justiça, ela jornalista e ele ex-Interpol (Rachel Ticotin e Giancarlo Giannini) auxiliam na feitura flamejante.
Walken irá dizer para Giannini, lá pelas tantas, e de modo displicente:
- Toda pessoa tem um tipo de arte, como a cozinha, por exemplo – então ele mordisca alguma coisa e lambe os dedos – Crease (Denzel) fará num final de semana mais justiça do que todo o departamento judiciário em 10 anos.
Bobagens assim adornam o dodói da vingança, mas somente num futuro muito distante alguém poderá avaliar a influência deletéria das mensagens incutidas na grande mídia sobre o grande todo. Por hora, por meio de filmes como esse, resta a conjetura de que se por ventura, na nossa nem tão doce História Global, haja um vingador para combater o mal com o mal.2, é bom que ele goste do que faça e faça bem feito. Eis a mensagem e esse cara é o Denzel. Puro mito re-embalado pelo cinema, já que toda a faxina ceifa mais inocentes do que culpados.
Quando a freira botou os olhos no motorista, suspeitou que por baixo daquele paletó houvesse uma arma. Ela partiu para a citação, que ele próprio concluiu em voz alta:
- Combater o mal com o bem...
Evidente que Denzel amava a pequena Dakota, ela pergunta isso para ele, uma vez quebrados os ovos e consumida a omelete.
Para um mundo dodói, o amor não raro se expressa dodói.