ENTRE OS MUROS DA ESCOLA

Escolas são todas iguais?

A pequena tela – completamente incompatível com as dimensões do grande e confortável auditório – e as lâmpadas acesas comprometeram a sessão do interessante filme "Entre os Muros da Escola", na Universidade Severino Sombra. Essa deficiência precisa ser corrigida pela instituição. Mas como me sentei bem à frente, apesar de meus óculos que deixaram cair as lentes por duas vezes... É a realidade de um estudante de curso de licenciatura.

Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes, em 2008, o filme é baseado no livro homônimo de François Bégaudeau (lançado no Brasil pela Martins Editora). A direção é de Laurent Cantet. Fato interessante é que o personagem principal - um professor ginasial - é interpretado pelo próprio François, autor do livro.

O filme francês, ainda não sendo empolgante, e tendo, a princípio, um público alvo específico, que são as pessoas envolvidas com o processo pedagógico – o que não significa dizer pouca gente - é bastante original, e não cai no “lugar comum” dos filmes sobre escola onde os professores são normalmente apresentados como super-heróis com soluções espetaculares para problemas aparentemente indissolúveis. Esse aspecto de realismo acabou fazendo do filme um sucesso em todo o mundo, ainda que ele fuja completamente ao padrão hollywoodiano, e não seja, enfim, uma superprodução. O professor retratado no filme é alguém de carne e osso – contraditório e instável emocionalmente. Ele é alguém impotente – apesar de seu otimismo e empenho – para solucionar certos tipos de problema. Nisso está a grande virtude do filme: mostra a realidade, apontando para as reais limitações profissionais.

O personagem central da trama tem em sua frente vários problemas a serem resolvidos, como a falta de interesse dos alunos em sua disciplina, as diferenças sociais e o choque entre culturas africana, árabe, asiática e, obviamente, francesa, no microcosmo de sua sala de aula. Ele tem uma idéia pedagógica interessante, que valoriza a cultura de cada um - propondo que cada aluno escreva algo como o "seu perfil" -, e nisso parece obter sucesso, empolgando os adolescentes. Contudo não é capaz de resolver outros problemas envolvendo o comportamento rebelde dos jovens. Uma tensão é criada, envolvendo um deslize do mestre, ao agredir verbalmente duas alunas. A situação não é resolvida da melhor maneira, e o caos se estabelece, terminando, por fim, com a expulsão de um aluno. E "fica por isso mesmo". As aulas prosseguem. E o filme acaba com professor e alunos jogando bola no pátio.

Um problema, contudo, que pode advir com a exibição de um filme como este é a possibilidade de professores ou graduandos brasileiros acharem que a escola parisiense ali mostrada seja “o retrato” de um padrão de qualidade aceitável. “Vejam só: as escolas da Europa passam por problemas semelhantes aos nossos” ou “as escolas são todas iguais”, alguém que assista ao filme pode concluir. Dentro de uma perspectiva assim, o filme prestaria então um desserviço. É importante não cairmos neste tipo de armadilha, ficando perigosamente conformados como o nosso real estado de coisas, onde situa-se nosso capenga sistema educacional brasileiro. Quando digo que isso pode ser um problema no filme e para quem o assiste, é porque o que conjeturo pode ser uma reação automática do espectador, pensar que aquela escola se parece com uma escola brasileira e que as coisas são assim mesmo. Obviamente o problema não está no filme como obra de arte, pois trata-se de um produto bem resolvido esteticamente, com tom realista, um bom elenco de atores amadores... O problema pode estar na nossa forma de recebê-lo e de como direcionamos nosso olhar à trama mostrada na tela.

É possível que o governo francês não tenha gostado muito do filme, pois é uma produção que aponta para possíveis falhas no sistema de ensino da França. Já o governo brasileiro deve ter gostado muito e achado o filme altamente recomendável para nossos professores. Talvez algum burocrata do Estado diga: “Vejam só como a escola brasileira não é das piores”.

Entre os Muros da Escola é até um bom filme (inovador, etc.), mas tomemos cuidado com ele. Conformismo é tudo o que nós – educadores neste país detentor de um atraso educacional histórico – menos precisamos.

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