A Força Subliminar da Literatura

Com relação ao filme “Narradores de Javé”, podemos colher tantas informações para discussão literária, lingüística, histórica, geográfica... que seria impossível discorrer sobre todos estes temas em um só texto.

Ao se trabalhar com a literatura, reforçamos traços que julgamos essenciais, como: o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor, enfim, a literatura serve para dar prazer e satisfação a todos.

Em Narradores de Javé, as ironias, as sutilezas e os sarcasmos, constantes no filme, nos remetem a uma interpretação, ímpar, capaz de transpor o óbvio, além de darem às cenas um tom peculiar de humor, tão presente nos filmes brasileiros. O dialeto torna tudo muito simples e quando associamos a fala às personagens, ganhamos um rico e farto conhecimento da cultura popular.

O que mais chama a atenção no filme é a importância da alfabetização. A população “javélica” é iletrada, e, por esta razão, fica à mercê de Antônio Biá, morador pobre da cidade, de educação rudimentar, mas que sabe escrever razoavelmente e supera todas estas deficiências através de sua criatividade e inspiração poética.

A grande proeza de se trabalhar com a literatura surge da capacidade de compreender e contemplar a transformação de fatos do cotidiano em obras-primas de grande valor histórico e cultural. Por esta razão, é importante destacar a irrelevante participação e os infinitos níveis de interferência que os narradores podem ter na História. No filme, nosso amigo Biá diz: “uma coisa é o fato acontecido, outra coisa é o fato escrito”. É impossível para um historiador relatar o fato de forma insensível e imparcial, sem deixar de fazer inserções. De forma sintética, todo o filme fala de uma disputa entre a história oficial e os excluídos desta história, assim como uma disputa entre a oralidade e a escrita. Com o contexto apresentado, podemos perceber o quão importante é a escrita para a memória de um povo, a oralidade é importante, mas ela se perde.

Um outro aspecto importante é a capacidade que temos em formular idéias quando escrevemos, o que não ocorre quando falamos. Diante do livro aberto de Antônio Biá, os “narradores de Javé” ornamentavam suas histórias, sempre tendenciosas. Há um tempo longo de formulação de situações, devido ao descompromisso com o imediato. Já diante da câmera de vídeo, todas estas preparações orais desaparecem, dando lugar ao protesto vivo, a certa indignação e transparência nas opiniões, à emoção incontrolada.

Vale destacar também, a riqueza de vocabulário utilizado, o dilúvio de relatos sobrepostos, o dialeto das personagens dá certa energia à oralidade, além da farta enciclopédia de expressões hilárias ditas por Antônio Biá, como: clone de miolo de pão, piaba de silicone, tapioca de Exu, manicure de lacraia, pokémon de Jesus, omelete de cupim, abelha menstruada, desinteria de tinta, dilúvio bovino...

Em suma, o filme é um emaranhado de pequenos acontecimentos que, com algumas pitadas de ironia e várias pitadas de humor, nos remete a uma extensa reflexão. Os narradores de Javé nos mostram o quão importante é a cultura e a história de um povo e, mais importante ainda, a maneira como as mantemos vivas.

SÔNIA OLIVEIRA
Enviado por SÔNIA OLIVEIRA em 22/11/2006
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