O MAL DO SÉCULO – DELÍRIOS DE UMA SOCIEDADE CONSUMISTA

A sociedade pós-moderna vive uma época que, para muitos, já se tornou um mal- estar. Dentre os seus sintomas, é possível identificar a questão do consumismo desenfreado. Em virtude da ideologia dominante, que sustenta perversamente a lógica do “ter para ser”, a aquisição de bens de consumo não é mais vista como algo utilitário à vida social do homem, e sim como uma questão cultural necessária à sua autoafirmação no mundo. No filme “Os delírios consumistas de Becky Bloom” percebe-se claramente um dos maiores problemas da contemporaneidade: o consumismo como vício que atinge muitas mulheres.

A ideia de consumo já começa a se desenvolver logo no estagio da adolescência, quando o adolescente tenta identificar referências para singularizar-se dos demais, ao mesmo tempo em que busca incluir-se perante ou outros. No filme, observa-se a criança Becky deslumbrada com o mundo sedutor e atrativo dos bens de consumo. A personagem encanta-se com a diversidade de cores, texturas, modelos de todos os vestuários, sapatos, bolsas e acessórios das lojas varejistas, e até com a “mágica” dos cartões de crédito. Realmente, o público jovem é o mais vulnerável a cair nas “garras” ideológicas e sedutoras da mídia, posto que para eles, essa é uma forma mais rápida de o sujeito poder se colocar no mundo. Se por um lado o consumo, na perspectiva do exagero, pode ser visto como algo maléfico, por outro, o consumo é uma das formas de constituição do sujeito e de sua identidade, o que você compra faz parte daquilo que você é.

O consumo desenfreado, e certos casos, pode transmutar-se em transtorno compulsivo, degradando psicologicamente o indivíduo. Isso fica bem nítido na cena em que Becky procura um grupo de auto-ajuda para consumidores compulsivos, a fim de se “curar” desse desejo obsessivo de compra. O grupo de dependentes mais parece uma reunião dos alcoólicos anônimos, não à toa revelando a ideia de que o consumo desregrado torna-se vício. Em vez de tentar abster-se do desejo de compra e controlar seus impulsos, ela acaba por deixar os membros ainda mais sedentos para usarem seus cartões de plástico. O foco do filme não é moda em si, mas como o exagero em comprar atrapalha imensamente a vida de alguém. A compulsão por compras, nesse caso, pode ser considerada como transtorno grave, visto que o descontrole de Blecky em comprar atinge não só sua vida particular, mas também todos com quem convive.

Mesmo sabendo das conseqüências “caras” do consumismo obsessivo, as pessoas se satisfazem com tal tipo de vida. Comprar um produto é uma forma de satisfação, como que se preenchesse um vazio interior. O fato é que essa sensação de prazer é fugidia, instantânea. Por isso, o ato repetitivo de compra. A compra de um objeto, automaticamente, instiga a vontade de aquisição de outro. A sensação de conquista de um produto leva a ter outro produto para se ter a mesma satisfação. Esse desejo de saciedade que a compra proporciona é declarado pela própria Becky ao Derecky, logo após o cobrador-perseguidor “desmascará-la” no programa de auditório: “Quando eu compro, o mundo parece que fica melhor. E ele fica melhor. Mas, logo passa.

Os efeitos da crise econômica na vida dos consumidores comuns são claros. Na verdade, o consumo não valoriza a essência do sujeito, é preciso que este saiba lhe dá com o consumo. A “coisificação” do ser humano em decorrência da progressiva inversão de valores, na qual o “ter” torna-se mais importante que o “ser”, é uma das principais características dessa sociedade que gira em torno do consumismo. Parodiando René Descartes: “Compro, logo existo”. O filme Os Delírios de Consumo de Becky Bloom é uma crítica à sociedade de consumo, encarnada nos devaneios consumista de Becky. Essa sociedade consumista ao extremo e , por vezes perversa em seus ditames de conduta social.

O homem comum é frequentemente influenciado pelo poder persuasivo da mídia. No filme, isso é apresentado por meio de vitrines luxuosas das lojas, e manequins que ganham vida própria e seduzem os passantes por ali a entrarem e comprarem as roupas e acessórios que exibem. Sem falar nos anúncios da revista Alette, uma das revistas mais cohecidas de moda voltada para o público feminino, sob comando de Alette Naylor. Outra tentação são as propagandas e anúncios disseminados pela televisão, além da queima de estoque, na qual se vê um mar de consumidores, quase todos mulheres, que se descabelam e se estapeiam para garantir a compra de certo produto, ainda que não lhe faça falta; a compra proporciona apenas a satisfação em consumir. Como na cena da queima de estaque, onde Becky entra em confronto com outra compradora por um par de botas. O apelo emotivo nas propagandas e anúncios são fatais, irresistíveis, afinal “a propaganda é a alma do negócio”.

É preciso que passemos a observar as pessoas sob uma nova ótica, esquecendo os juízos de valores em relação à compra de produtos. E, mesmo com os estereótipos de beleza que a mídia tanto apregoa, é interessante observar as pessoas pelo que elas demonstram de melhor, e não julgá-las por sua imagem. Para Becky, Alice mereceu a vaga de emprego na revista Arlette, vaga tão almejada por aquela, simplesmente pelo fato de estar bem vestido e se enquadra no “padrão” de beleza: bonita e magra. E isso nem sempre conduz com a realidade. Observar apenas o superficial não garante o desenvolvimento de boas relações sociais, tão pouco de laços afetivos consistentes. Felizmente, Becky soube reconhecer isso a tempo, e no final, despojada do montante supérfluo de mercadorias que queimara numa liquidação, conseguiu quitar sua dívida exorbitante e, ainda, engatar o romance já esperado com o editor de revista financeira Derecky.

O mal do século, nesse caso, não se refere a uma geração do Romantismo que caiu em depressão ao se ver diante da impossibilidade de realização de um sonho. Pelo contrario, refere-se ao consumismo de uma sociedade conformada, individualista e submissa.

Saulo Sozza
Enviado por Saulo Sozza em 26/08/2011
Código do texto: T3182565
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