RESENHA "A MISSÃO"

O filme “A Missão” é um contundente recorte histórico dos acontecimentos envolvendo Portugal e Espanha durante a saga do Novo Mundo, nesse caso sob a ótica da religiosidade. O pano de fundo do filme é a conversão do mercenário e traficante de escravos interpretado por Robert De Niro em um padre jesuíta, engajado em promover as missões na América. Mas o objetivo é mostrar as divergências vividas pelas coroas ibéricas no que tangia à divisão do novo continente (era o Tratado de Madrid, de 1750, que redefinia os limites territoriais entre a América espanhola e a portuguesa, fazendo com que as terras das missões passassem ao controle lusitano), escravizar ou não seus habitantes e estabelecer uma ordem específica, fosse ela próxima à Alta Idade Média (século V ao X) ou à Baixa (século X ao XV). Para a Igreja, era interessante instaurar-se como pleno poder ideológico, ao passo que o Estado desejava o absolutismo. Veremos como esses fatores se relacionam conflituosamente.

Os indígenas, a princípio, eram tidos como mão-de-obra gratuita e úteis como escravos no território que corresponde hoje ao Brasil e foi utilizado pela Coroa portuguesa como um importante entreposto de feitorias, que era o modelo de exploração comercial sem habitação que já era usado pelos lusitanos na costa africana. Porém, com a ameaça imperialista francesa sobre o Novo Mundo (uma vez que a França não aceitou o fato de o Tratado de Tordesilhas dividir o Brasil apenas entre espanhóis e portugueses), Portugal resolveu adotar o modelo já em vigência adotado pela Espanha, que era o arrendamento de terras, este sim com conquista e povoamento territorial.

Paralelamente à discussão sobre o Tratado de Tordesilhas, o Novo Mundo vivia outro tipo de colonização: a da Igreja Católica, cujo processo é ilustrado na película “A Missão” através de uma construção erguida por ameríndios e missionários destinada aos cultos. No caso da Igreja, o objetivo era disseminar o catolicismo e provar ao Estado que os índios eram seres humanos e como tal, dotados de alma. Poder-se ia dizer que à Igreja importava estabelecer um sistema semelhante ao da Alta Idade Média, quando exercia uma grande força ideológica: poder descentralizado, terras fragmentadas em partes particulares (feudos), agricultura de subsistência e estamentos. Com o sistema da encomienda, os índios eram cristianizados em troca de seu trabalho.

Contudo, isso não era interessante para as Coroas ibéricas, que viam nisso um impeditivo a seus ideais expansionistas, pois significava entregar o poder à Igreja em uma época de Baixa Idade Média, o que significava centralização dos estados absolutistas. Além disso, o comércio e o urbanismo precisavam prosperar, e isso não seria possível em uma sociedade que começava a se desenhar estamental. Esse choque de opiniões resultou no conflito retratado por “A Missão”, com os índios massacrados e as missões destruídas pelos soldados representantes das monarquias ibero-europeias.

Andre Mengo
Enviado por Andre Mengo em 21/09/2011
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