O que achei de Na Estrada

Adaptar para o cinema um livro que não possui apenas leitores, mas sim seguidores – o rótulo de "bíblia de uma geração" não pode ser mais adequado aqui – é um desafio que tem tudo pra dar errado. E para muitos que já foram ao cinema assistir Na estrada, adaptação do livro On the road, de Jack Kerouac, deu mesmo. A versão dirigida por Walter Salles tem dividido opiniões de espectadores e críticos, provocando discordâncias inevitáveis sempre que uma obra sagrada é maculada.

Publicado em 1957, On the road é bíblia por eternizar a trajetória de uma geração de jovens norte-americanos que, no fim dos anos 40, de mochila nas costas, buscou um caminho às margens da sociedade de consumo, vivendo sem regras e sem rumo, de carona em carona, apenas vivendo, loucos apenas por isso: viver. Essa turma, que nomeou a si mesma geração beat (a hipótese mais consistente do porquê do nome é ser o radical da palavra beatitude – alusão a uma certa iluminação mística oriental contida no pensamento dos beatniks, os integrantes daquele grupo de escritores e poetas), ditou novos caminhos para toda uma geração, e depois outra e nunca mais parou. Sempre vai haver um pouco de Kerouac em cada hippie de qualquer época. As viagens de Sal Paradise (alterego do autor) e Dean Moriarty (inspirado em Neal Cassady, amigo de Kerouac) viraram roteiro de peregrinações de apaixonados pelo livro de todo o mundo e o livro, publicado em 1957, foi decisivo para Bob Dylan e Jim Morrison, por exemplo, se tornasem os artistas contestadores e livres que foram.

Os temas que tornam universal a saga de Sal Paradise – a jornada do herói em busca de um sentido para viver e a dramática busca pelo pai (vivida por Dean, o verdadeiro protagonista) – o que fascina o leitor de On the road há mais de meio século (no Brasil, trata-se do livro mais vendido da coleção pocket da editora L&PM). Na estrada, o filme, é fiel do início ao fim. Tudo o que os fãs do livro (entre os quais me incluo fortemente) idolatram está lá: a estrada, o jazz, as drogas e o sexo, seja ele a dois, a três ou apenas uma dupla masturbação no carro. Mas há também o drama e a melancolia que dá início e fim à geração beat, que talvez por não saber para onde ir, não tenha mesmo ido a lugar algum. Vale citar que Jack Kerouac, o papa dos beats, morreu afundado em depressão profunda, transformado em um reacionário e negando a importância de tudo o que realizou.

Não dá para exigir que o expectador deixe o cinema com a mesma empolgação daqueles que terminaram a última página de On the road, decididos a mudar algo em suas vidas. São experiências totalmente diferentes, a começar pelo tempo: comparar duas horas numa sala em frente a uma tela com alguns dias e noites mergulhados em mais de 300 páginas parece inadequado. Finalmente, não sei que impacto pode ter o filme para quem não teve contato com a obra original. Talvez seja chato, maçante e sem sentido (o roteiro poderia contextualizar melhor o cenário em que se dão as loucuras daquela turma). Para este leigo em cinema, mas fã dos beats, valeu a pena. Se você já leu o livro, corra para o cinema. Se não leu, ainda é melhor correr para a livraria.