007 - Operação Skyfall

007 – Operação Skyfall

Sam Mendes, 2012

Minha avaliação: Filme muito interessante, muito bem feito e cheio de méritos, não vai decepcionar os fãs do gênero. Mas sou cheio de críticas a ele.

Pontos Fortes: Primeiro as várias menções de que Bond está enfrentando alguém como ele mesmo (outro agente britânico que também foi o melhor em sua época). Segundo ponto forte foi a apresentação de fraquezas do 007, o que torna seus feitos ainda mais poderosos. O terceiro ponto forte é o vilão muito bem interpretado por Javier Barden (e muito bem construído no roteiro).

Pontos fracos: O profundo desrespeito pela vida humana é de longe maior defeito do filme – não me refiro à violência. Não são assassinatos, estupros, humilhações que fazem de um filme desrespeitoso, mas sim como são mostrados. Outro ponto fraco é o excesso de cenas de perseguição e de ação. Elas acabaram me entediando.

O filme já começa com Bond dentro de um hotel segurando uma arma. Ao entrar ele percebe que seus colegas foram alvo de um ataque e se detém para estancar a ferida de um deles. Este comecinho (ainda não passaram nem dois minutos de filme) é muito interessante e já tem um ponto nevrálgico do filme que será explorado à exaustão: Sua chefe mostra que se importa mais com a missão (e pode-se dizer, com o Império Britânico e seus aliados) do que se importa com as pessoas que trabalham com ela. M. manda Bond abandonar o colega baleado e passar a perseguir o bandido. A perseguição segue frenética pelas ruas cheias, eles pegam motos de policiais e passam a fazer parte de uma perseguição através dos telhados das casas. Tudo no rico cenário Instambul, Turquia. Gente, o filme mal começou, ainda estamos antes da famosa sequência de abertura característica da série. Mas já tenho que tergiversar um pouquinho.

Provavelmente alguns de vocês conhecem o mal afamado teórico de cinema Syd Field. Até pouquíssimo tempo ele era a principal referência em Holywood e ainda ouvimos menção às suas dicas em entrevistas de roteiristas. Sua má fama vem do pragmatismo de suas dicas “certeiras”, coisas como: “O roteiro tem que prender o leitor antes da décima página”, ou “o ponto de virada tem que vir na página tal”. Pois bem, ele tem um livro muito bom chamado ‘4 Roteiros’. Um dos roteiros analisados é o do Hannibal – aquele clássico em que a personagem de Anthony Hopkins tem gosto por comer carne humana. Syd Field observa que este roteiro tem falhas e que as vezes uma ou outra pessoa falava delas após verem o filme algumas vezes. Mas que ao sair da sala de cinema ninguém as comentava. A lição que tiramos daí é que as vezes o expectador fica tão envolvido com o filme que um errinho ou outro passa sem que ninguém o note. Em outros casos o filme toma uma liberdade. Faz algo extremamente improvável, alguma grande coincidência ou mesmo algo impossível. Mas faz com a anuência do expectador. É o caso, por exemplo, quando um herói sai voando ou fica super forte. Se o expectador não compactuar com elementos do mundo do filme ele simplesmente achará o filme ruim.

Trouxe esta divagação porque fiquei incomodado com a primeira sequência de perseguição. É uma sequência impossível na nossa vida e nunca vi nada parecido nos jornais. Não me refiro às habilidades quase sobre humanas das personagens (com isto eu, como expectador, compactuo). No filme as personagens dirigem em alta velocidade quase atropelando as pessoas, em seguida dirigem dentro de estabelecimentos , depois destroem os telhados de um monte de gente dirigindo sobre eles. A polícia turca aparece, mas sua única função no filme é darem suas motos às personagens. Se o filme se passasse em Nova Iorque a quantidade de viaturas de polícia seria suficiente para cercar um bairro inteiro e com certeza não faltariam helicópteros. Por favor guardem este meu incomodo, falarei sobre ele com mais propriedade no fim do texto. Agora voltemos ao filme.

Um trem está passando por uma ponte, em cima dele Bond está tentando recuperar à força um HD roubado das mãos de um inimigo. Ambos, Bond e o inimigo, estão na mira de uma agente especial. A chefe, M., manda atirar no inimigo. A agente diz que tem muita chance de atingir Bond. M. insiste na ordem de atirar. Infelizmente o tiro pega em Bond. Baleado ele cai inconsciente de uma altura absurda dentro de um rio. É claro que fiquei me perguntando como ele faria para sair desta e o filme dá uma solução muito poética. Começa a apresentar a abertura típica da série. Nela Bond aparece atirando em sua própria sombra... Umhhh... atirando na própria sombra... as aberturas de Bond sempre tem elementos do filme. Ela me deu a impressão de que haveria uma traição, achava que seria um agente duplo. O filme não explicou porque Bond não morreu afogado, mas achei ok a mão gigantesca (só possível na animação de abertura) resgatá-lo. Uma bela licença poética.

O resultado disso é um Bond um pouco ressentido com sua chefe, um Bond com cara de rebelde e um pouco mais sombrio. Ele está um pouco mais velho (ao menos é o que diz um superior) e não se recuperou bem nem fisicamente nem psicologicamente do tiro que tomou. Embora em momentos de ação suas deficiências não prejudicarem nem um pouco. Nisto tudo lembrou muito ‘Batmam, o cavaleiro das trevas’.

No meio do filme Bond encontra sua Bond Girl (os filmes da série tem vários elementos em comum, um deles é que em todos os filmes há uma Bond Girl). No caso é uma mulher muito bonita e especialmente sensual. A cena em que ambos têm uma conversa sobre o medo é muito boa. Fiquei impressionado como a atriz interpreta uma mulher que finge não ter medo. A partir dela Bond chega no vilão do filme (Silva), um homem extremamente poderoso e inteligente. Ele é capturado (na verdade se deixa capturar) e Bond o leva a M.– a ex-chefe a quem Silva chama de mãe. Quando a encontra fica claro que ele também era agente do MI6 e que foi entregue pela própria M. aos inimigos. Tudo na mais nobre intenção e plenamente justificado, claro. O filme claramente se constrói de modo a traçar um paralelo entre o Silva (vilão de Javier Barden) e Bond. Ambos foram os melhores agentes de sua época. Tanto um quanto o outro foram vítimas dos frios cálculos de sua chefe M., Silva foi entregue a seus torturadores, Bond levou tiro que poderia ter tirado sua vida.

Para mim este é um ponto de inflexão do filme para mim. Depois da fuga de Silva o filme força a barra de diversas maneiras. Não vou entrar em detalhes, mas às vezes o vilão é inacreditavelmente poderoso (em um momento joga um trem no 007, como ele sabia que o Bond está ali bem na hora em que o trem passa?), as vezes os bandidos são burros demais (estão procurando M. , passam por um carro estacionado e não o revistam), as vezes até os mocinhos foram burros demais (andam no escuro segurando lanternas, o que faz com que os vilões os encontrem muito facilmente). Isto no meio de muita, muita ação. Gostei de uma vez em que Silva observa Bond atirar com uma metralhadora no chão de gelo. O vilão olha Bond com o mesmo tédio que eu sentia.

Para concluir gostaria de falar sobre o desrespeito com a vida humana. Eu vi o filme no fim de semana de estreia, a sala estava completamente lotada e duvido que uma só pessoa tenha feito este questionamento. Fomos educados por centenas de filmes a aceitar estas coisas. Posso estar parecendo um ativista chato, mas me leia com atenção, aposto que te persuado. Vou dar três exemplos. O primeiro é aquele do começo do filme. Bond passa vandalizando Instambul, quase atropela um monte de gente, rouba uma moto de policiais, propositadamente esmaga um monte de carros e destrói um vagão de trem. Tudo por um bom motivo, mas estes filmes sempre trazem bons motivos para as maiores barbaridades! Sou contra a tortura, mas será que em alguma circunstância eu torturaria? Provavelmente sim, mas os filmes sempre trazem bons motivos e as violências não são problematizadas, são banais.

Segundo: M. manda Bond achar e matar um cara (para vingar o agente que ele matou). Eu mataria o assassino de um colega? Talvez. Mas M. é uma funcionária de Estado. Será que ela não deveria esperar o trâmite judicial do seu país ou do país onde Bond se encontra? Se ela faz tudo por amor ao Império Britânico um pouco de pudor diplomático faria bem? Terceiro: Bond conversa com a mulher que trabalha no cassino e a convence a levá-lo ao seu chefe. Ela o espera em um barco com uma garrafa de champagne e dois copos. Ao invés de Bond aparecer de modo convencional ele espera ela tomar banho e invade o banheiro nu. Se você fosse uma mocinha tomando banho e aparecesse um assassino em série que pesa 120 quilos de músculos absolutamente nu o que você faria? Diria, “Desculpe, não me sinto muito a vontade com um brutamontes invadindo meu banho sem convite, sem preliminares...” ou apenas fingiria que está a fim? Ou você é destas pessoas que fica com tesão instantâneo em circunstâncias estranhas? Nós, o público, sabemos as regras deste tipo de filme e as aceitamos. A gente sabe pelo trailer, por ter visto um monte de filmes da série, por termos visto um monte de filmes do nosso tempo. Mas as vezes simplesmente não quero fazer todas as concessões que o filme pede. Eu me entusiasmaria muito mais se o filme exagerasse muito menos.