Dossiê Rebordosa (Curta Metragem)

Cesar Cabral – 2008

Minha Avaliação: Muito bom.

Pontos Fortes: Animação em Stop Motion muito bem feita. Resgate histórico da 'Chiclete com Banana', revista que marcou época.

A primeira literatura de que fiquei fã na minha vida foi Asterix. Lia todos que encontrava na casa da minha vó (e ela comprou todos, alguns mais de uma vez) . Em seguida me ocupei de uma revista estranha da qual eu só lia a parte que tinham os quadrinhos. Era Chiclete com Banana. Uma revista super ousada com foto novela, uns textos bizarros.... na verdade não lembro de muita coisa exceto os quadrinhos. O fato é que nela conheci grandes personagens os quais – se você andasse nos locais certos com certeza encontraria pelas ruas. O Bob Cuspe foi uma figura marcante, um punk revolucionário sem causa que tinha um cuspe estrondoso e caminhava pelos esgotos, o Bibelô era o cara que queria comer todas as mulheres que encontrava. Extremamente machista e grosso. O meu favorito era o Ralah Ricota – um guru de um tipo oriental que tinha gosto por desfrutar os prazeres carnais e as vantagens de sua posição (quando ela dava alguma).

 

E é claro a Rebordosa.... Você que nasceu na década de 90 talvez não saiba, mas a palavra ‘rebordosa’ designa algo parecido com uma ressaca. Se refere ao impacto fisiológico da bebida como também refere à ressaca moral que frequentemente está associada a estes exageros.  Para mim todos estes personagens ainda podem ser encontrados, são como o resquício de um tempo passado. O tipo machista (como o Bibelô) sempre vai ser achado. Mas aquele machista, aquele tipo que se posiciona daquele modo acho que vai ser mais raro. Ok.... talvez o Bibelô seja um mal exemplo. Os machistas não estão em vias de extinção em nenhuma de suas variações... O que eu quero dizer vai ficar mais claro em relação ao Ralah Ricota. Vejam, o seu tipo não está em vias de extinção. Mas na década de oitenta o tipo guru – especialmente do modo que Angeli pinta – estavam no seu auge. O que o Angeli fez foi a personificação de tipos que povoavam um “submundo”. Não um submundo distante em terras esquecidas... mas um submundo acessível a todos que frequentavam um bar mais grosseiro. Aquele tempo passou e com isto aqueles tipos deixaram de ser tão representativos. Talvez adolescentes que passam o dia em mídias sociais e usam franjas coloridas mais representativos da década de 2010.

Se eu fosse fazer um film sobre a morte de uma personagem a primeira coisa que me passaria pela cabeça seria fazer um filme investigativo e no 'gran finale' descobriríamos que o assassino foi o próprio autor! Mas o 'Dossiê Rebordosa' segue um caminho diferente. Já na primeira cena ele mostra um monte de manchetes de jornais famosos mostrando não apenas a morte de Rebordosa, mas o seu assassino. O filme não é a investigação da autoria do assassinato, mas de seus motivos. E reparem esta palavra, 'assassinato'. É correto falar de um assassinato de uma personagem? Em que consiste um assassinato assim? Em uma entrevista o Laerte – outro excelente quadrinista – indaga sobre os outros personagens que o Angeli deixou de fazer. Eu pergunto, eles também foram assassinados? O caso é que o assassinato da Rê foi feita por Angeli com testemunha e requintes de crueldade. O próprio Bob Cuspe testemunhou Angeli brincando de bem-me-quer arrancando um a um os pentelhos da Rebordosa.

Por um lado 'Dossiê Rebordosa' mostra o próprio criador jogando com as mãos uma de suas personagens do alto de uma ponte. De modo que o real (ou algum real, afinal realidade é um conceito complicadíssimo) entra nos quadrinhos. No sentido inverso todas as entrevistas de pessoas reais são refeitos em forma de animação, de modo que o “real” é invadido pelos quadrinhos. Percebo alguns críticos e fãs do cinema muito entusiasmados com qualquer meta linguagem. Da minha parte acho um recurso como qualquer outro – e muito batido, diga-se de passagem. Neste filme gosto muito da meta linguagem primeiro porque é muito bem feita (a animação em stop motion parece muito com os desenhos do Angeli), segundo porque tem tudo a ver com o tema do filme.

O filme cumpre o que promete: de uma maneira lúdica e divertida faz o resgate de uma personagem. Ao fazê-lo faz também o resgate histórico de uma revista que marcou época.

Chico Acioli Gollo
Enviado por Chico Acioli Gollo em 16/11/2012
Reeditado em 16/11/2012
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