A CORPORAÇÃO,

O documentário de Mark Achbar e Jennifer Abbot baseado no livro de Joel Bakan muito bem produzido e didaticamente organizado nos leva a perscrutar o misterioso mundo da corporação. É bem verdade que alguns poderão entender que houve exacerbação do mal praticado pelas corporações, como se nada de bom ou construtivo nelas pudessem ser destacadas e que a parcialidade flagrante tem as suas próprias razões de denunciar.

Se colocarmos os princípios propugnados pela Doutrina Social da Igreja, perceberemos a total ausência dos mesmos nas práticas corporativas. Vejamos:

a) Bem comum é o bem de todos, jamais o bem de poucos privilegiados que por usufruírem do poder econômico montam estruturas visando a, primordialmente, obtenção de lucros como comprovam os fatos e relatos do documentário. Bem comum, em verdade, deveria ser o objeto último da Política bem vivenciada. Política que, conforme definia Paulo VI, é a forma privilegiada de fazer caridade. Em destinação universal dos bens que se tentou burlá-la, citaremos trechos e episódios do documentário que demonstram a oposição vitoriosa a algumas atitudes que feriam o bem comum. Um pensamento extraído de trecho do documentário em que Jeremy Rifkin rememorava o passado para criticar o presente: A vida medieval era coletiva, exigia responsabilidade coletiva. As pessoas pertenciam à terra, a terra não pertencia ao povo. Tudo era visto como bem comum, pertencente a Deus.

b) Destinação Universal dos Bens é bem o contrário do que se pratica no mundo em que as corporações dominam. Em todos os campos e nos vários modos de produção percebe-se a destinação particular aos acionistas e dirigentes, seja de uma indústria de veículos automotores, de vestuário, de produtos esportivos ou de agros-negócios onde os grandes latifundiários dominam e se apresentam corporativamente como benfeitores do campo. Há uma “reflexão” feita por um grande empresário Ray Anderson no documentário: “Saqueando algo que não era meu, que pertencia a todos na terra”. Sobre esse aspecto A Corporação traz depoimentos importantes, como o de Oscar Olivera relatando o que ocorreu em Cochabamba, Bolívia, em relação à água – bem natural que se pretendia por ela cobrar impostos. O povo unido e organizado se revoltou e impediu o intento criminoso. A Dra. Vandana Shiva apontou conquistas importantes derrotando a maior potência e grande corporação em relação a bens naturais (nim); o sal na índia com Mahatma Ghandi à frente, a anulação de 99% da patente do arroz basmati da Rice Tec e outros episódios que comprovam o poder da conscientização e luta! E o documentário inclui muitos bens naturais que, nesse mundo habitado pelos cidadãos corporativistas, são visados e, se a sociedade não cuidar, serão considerados privatizados. Referimo-nos ao mar, oxigênio e a tudo que a imaginação indicar. Uma questão doméstica: Reforma agrária, por exemplo, no Brasil só com uma decisão firme de governo que contasse com o apoio integral da sociedade que, por sua vez, fosse bem politizada e verdadeiramente cristã.

c) Subsidiariedade só é respeitada nesse contexto quando existe possibilidade de influência corporativa, no fundo, visando a minar qualquer objetivo nobre de fortalecimento de legítima promoção e reivindicações justas. De novo, há presença de dolo em todas as ações sociais e corporativas. Há a destacar, no entanto, no filme as firmes iniciativas populares visando a impedir a cobrança pela água que é um bem natural e de todos, bem como outras organizações populares que obtiveram êxito em suas lutas.

d) Solidariedade, então, nessa sociedade dominada pelas corporações só se pode observar raramente nos momentos de comoção social em que há a divulgação intensiva de desastres naturais (enchentes, desmoronamento, furacão, tsunami, incêndios, atos de terror com derrubada de prédios ou coisas afins) cujas imagens persistentes na mídia chocam e fazem sofrer. E é episódico, portanto. Depois, tudo volta ao normal, sem contar que mesmo nessas horas, pode ocorrer o aproveitamento da desgraça para um marketing da boa imagem institucional ou alguma oportunidade de auferir lucro. Depoimento marcante apresentado é o de Carlton Brown revelando que até na derrubada das torres gêmeas do World Trade Center, houve quem se alegrasse em vista do lucro obtido com a alta do preço do ouro. Sem contar que quando da invasão americana ao Iraque na caça desenfreada ao Saddam Hussein, poços de petróleo ardiam em chamas e as corporações e empresários que tinham estoques de petróleo riam a mais não poder, ante o estrondoso lucro com a alta do preço do barril, de 13 para 40 dólares. É trágico, mas é real nesse mundo onde o lucro é o “deus” absoluto e o restante é desprezível. O documentário é farto de exemplos que comprovam o “preço” do mundo que construímos. No dia-a-dia, em vez de solidariedade e partilha tem-se a exploração institucionalizada entre os que detêm o poder econômico e os desfavorecidos ante o sistema e regime político-econômico. Mesmo nessas horas de prática de solidariedade, ainda temos ocorrências de desvio de roupas e mantimentos sob o comando de alguns poderosos ou agentes políticos disfarçados de altruístas.

e) Participação na sociedade. Essa participação é totalmente inibida e há impedimento de toda ordem advindo dos poderes políticos, institucionais, corporativos. Essa inanição é fruto de uma educação que não forma cidadãos conscientes dos direitos e dos deveres das pessoas em face da sociedade e do Estado ao qual pertencem. Existe um aniquilamento da consciência desde o início da atividade escolar, começando essa política pelos professores que também não foram devidamente formados, não tendo eles, consciência dos aspectos imprescindíveis à dignidade humana. Não se sensibilizam com a defesa intransigente da vida, relativizam quase todas as manifestações, abafaram o espírito crítico e buscam, tão somente, a prosperidade financeira. Vive-se a “filosofia da futilidade”, conforme citado no documentário. As grandes empresas e os seus métodos de persuasão transformam as pessoas em “consumidores inconscientes”. Os valores mais cobiçados são: muito dinheiro no bolso, uma boa casa, um bom carro, status e os prazeres que a vida pode propiciar. Ser rico é ser feliz!

f) Valores fundamentais da vida social: verdade, liberdade, justiça. Não vou me alongar. Os valores fundamentais dessa vida social tal qual apresenta o documentário são, respectivamente: mentira, escravidão – prisão e injustiça. Se as práticas corporativas levassem em conta a justiça, toda a crítica que se faz no documentário, deixaria de ter sentido. Ressaltem-se os exemplos já comentados em que iniciativas do povo sustentando-se na verdade, fazendo uso consciente da liberdade buscaram justiça e a encontraram por causa da organização, idealismo, vontade de fazer acontecer. São valores fundamentais que se praticados mostram-se eficazes como comprovam as cenas específicas de organização e movimentação das pessoas com obtenção de êxito nos objetivos. Aquele exemplo do povo de Arcata que conseguiu a proibição das redes de alimentação e não se deixou seduzir é significativo e suscita profunda reflexão acerca da postura social. Um sueco, ao ser indagado como um país com quase 85% de pessoas se dizem ateus ou agnósticos, conseguiu uma sociedade próspera com uma das menores taxas de pobreza e de violência do mundo, um dos melhores sistemas de educação e saúde do mundo e um dos melhores índices de desenvolvimento do mundo (IDH, 7º), respondeu: É que nós entendemos que não é preciso crer em Deus para crer na Justiça e nela nós cremos e consideramos em nossas relações sociais. Está explicado! É Deus agindo, mesmo sob o manto do ateísmo dominante.

A participação do polêmico Michael Moore um cineasta, documentarista e escritor americano conhecido pela sua postura crítica em relação às grandes corporações, à violência armada, à invasão do Iraque é estratégica e conduz à reflexão: “Como indivíduos temos que aceitar responsabilidades por nossos atos coletivos e o mal maior que isso causa no mundo”.

Também o empresário Ray Anderson que confessou a atividade industrial como criminosa e que a comunidade de negócios precisa realizar uma revolução industrial que escale a montanha “sustentabilidade”, que faça certo dessa vez e não fazer o mal, criando sistemas que alimentem a terra e os homens e não o contrário. Isso tudo pode ser possível exercitando a criatividade para o aproveitamento dos recursos naturais e matéria-prima sem que degrade ainda mais o mundo em que vivemos. No fundo, há possibilidade de se implantar em todos os setores projetos de manejo sustentável em que a preservação seja priorizada e o desenvolvimento natural possível.

Para finalizar, uma provocação a nós católicos: Não será também uma condenação à corporação “Cúria Romana” os gestos e atitudes do Pontífice Francisco quando diante de qualquer fato desabonador? A parte carismática da Igreja é santa e perfeita, mas existe a face institucional que tende ao corporativismo, haja vista, os últimos acontecimentos e escândalos. Há quem afirme que nada fica a dever ao “profano” mundo das corporações. Lutemos para o seu aperfeiçoamento a cada dia, orando e trabalhando sem cessar. A messe é grande!

(Professora solicitante: Rosana Manzini, Disciplina: Moral, Curso: Teologia PUC – São Paulo)

IRINEU UEBARA
Enviado por IRINEU UEBARA em 12/10/2014
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