Nossa Irmã Mais Nova

Se você já escreveu um diário sabe como a prática de escrever é legal. Vários filmes que assisti se perderiam nas brumas da memória, mas basta reler uma das sinopses que ele rapidamente volta à mente. Se nós mesmos as escrevemos o efeito de reexperimentar o filme é ainda mais intenso e pessoal. Por isto há uns anos resolvi escrever sobre filmes. Prática que recomendo a todos. Mas, por estas urgências urgentíssimas da vida (que em retrospectiva são bem banais) parei de fazer sinopses até ontem. Ontem assisti a um filme sensível e maravilhoso que me chama de volta à velha prática, “A irmã mais nova”.

No Japão atual três irmãs moram em uma tradicional, bela, grande e velha casa. Eis que surge a notícia da morte do pai delas e o convite de ir ao seu funeral. O pai as abandonou há quinze anos, de modo que a notícia não trouxe grande comoção. De qualquer maneira elas lá foram prestar seu respeito. A grande surpresa é que quem as recebe é uma menina de quinze anos, uma irmã de quem elas sequer conheciam a existência. A menina é muito educada e madura, tanto que no momento em que a viúva deveria falar (a viúva é a terceira esposa do pai, ela não é mãe de nenhuma das personagens) ela se acovarda e chama a menina para cumprir esta importante solenidade. A irmã mais velha intervém, “Isto não é o papel de uma criança”. O filme dá um close na irmã mais nova, mas a cara dela é bem ambígua. Àquela altura eu não sabia dizer se a mais nova se sentiu ofendida por desconfiarem de sua capacidade e me perguntei se o filme levaria a uma disputa entre ambas. Depois percebi que se alguma cena resume o filme é aquela: a irmã mais velha impedindo a irmã mais nova de assumir as obrigações de adulta, na verdade a irmã mais velha estava protegendo a infância da mais nova.

Gostaria aqui de chamar a atenção para uma coisa: este não é um filme americanóide. Em filmes americanoides não há dicas à toa. Se uma câmera filma uma faca sendo deixada em algum lugar aquela faca será usada em algum momento do filme. Não é o caso. Um exemplo, em um momento uma das irmãs traz o namorado mala para sua casa e diz, “Aqui é como uma república de meninas, nós nem trancamos a casa”. Nossa, fiquei esperando o momento do namorado entrar na casa e ou roubar ou abusar de alguém. Entretanto este não é um filme americano e meu medo (felizmente) não se realizou.

Outro ponto. Caso fosse um filme americanoide haveria um conflito sobre o qual tudo giraria. Neste filme percebo dois conflitos, mas certamente nem todas as cenas giram sobre eles. Tem muito do cotidiano e da pessoalidade de cada uma das personagens. O primeiro conflito, o mais importante e intenso: a responsabilidade da vida adulta x a merecida infância das crianças. Tal conflito é mostrado através do paralelo entra a vida da irmã mais nova e a vida da irmã mais velha. A irmã mais nova, até conhecer as irmãs, era a pessoa mais responsável e adulta da casa. A irmã mais velha, desde a morte da avó, cuidou da casa e das irmãs da mesma maneira que uma mãe cuidaria.

O segundo conflito é: conflito entre a responsabilidade perante a família X o auto compromisso consigo próprio. O pai das meninas abandonou a família para viver com outra mulher. A mãe das meninas as abandonou pois não suportava viver próximo à antiga vida com o ex-marido. Já a irmã mais velha vive um caso extraconjugal e em um certo ponto do filme deve decidir entre viver seu amor (ele pede divórcio da esposa) e ir para os EUA ou permanecer com suas irmãs.

Mas, como eu disse o filme não é americanoide e nem tudo gira em torno dos conflitos. Uma boa parte do filme é a recepção da irmã mais nova, é o convívio entre as pessoas, são os laços entre gerações (tema muito bem tratado por filmes japoneses). Filme delicadíssimo, sem grandes tragédias, mas um filme tocante e encantador. Recomendo!