Resenha Crítica do filme "Sociedade dos Poetas Mortos"

A sociedade está em permanente movimento e a Escola, através da Educação, deve acompanhar as mudanças sociais.

Na primeira metade do século XX, o ideário da Escola Nova, embalado por mudanças sociais, políticas e econômicas, ganhou força. Sendo um movimento de renovação pedagógica do ensino, a Escola Nova surgiu no século XIX, os seus principais expoentes foram Adophe Ferriére (Europa), John Dewey (EUA), Rui Barbosa (Brasil). Os Escolanovista (defensores da Escola Nova) defendiam que “cabia à escola formar o cidadão democrático e confiante no futuro”. Para tanto, “a escola deve se encarregar de criar uma nova mentalidade nas novas gerações” (PATTO, 1999, p. 72). Esses princípios se confrontaram com a concepção de Educação Tradicional que era vigente desde a Idade média e que, por convicções, defendia que “o conhecimento era o único instrumento capaz de dar ao homem o autocontrole necessário para que a parte má da natureza humana fosse controlada” e, também que a “disciplina e regras firmes para que os alunos pudessem ir corrigindo seus desvios” (BOCK, 2003, p. 80). Nesse contexto da Escola Tradicional, o professor é a autoridade detentora do conhecimento e o aluno apresenta-se como uma tábua rasa. Enquanto na perspectiva da Escola Nova, o professor é um facilitador da aprendizagem do aluno. Comparando os princípios e as defesas, infere-se que houve, como corroborado por Bock (2002), que a proposta Pedagógica da Escola Nova é avessa às ideias da Escola Tradicional.

O filme “Sociedade dos Poetas Mortos” se passa no ano de 1959 e dramatiza a relação professor/aluno que se dá no ambiente de uma escola de Educação Tradicional e de internato masculino, cujo objetivo principal é a preparação dos alunos para o ingresso nas mais conceituadas universidades dos EUA. Os conflitos entre uma rígida Educação Tradicional e as perspectivas de uma Educação Escolanovista terão como pano de fundo o conservadorismo da escola e o autoritarismo familiar marcado pela superioridade da figura masculina (pai) sobre a figura feminina (mãe).

O drama tem início com uma cerimônia de abertura das atividades escolares. Nesta cerimônia estão presentes o corpo docente e os dirigentes da Academia Welton, os alunos e seus parentes (pai, mãe e irmãos). É uma solenidade pomposa, onde os alunos veteranos, fardados, ostentam estandartes com os quatro pilares da escola: tradição, honra, disciplina e excelência. O diretor, Sr. Nolan (Norman LLoyd), discursa exaltando o centenário da Academia Welton, enfatizando os quatros pilares da escola, destacando os ingressos de seus ex-alunos nas mais conceituadas universidades dos EUA e apresentando o Professor “John Charles Keating” (Robin Williams) que substitui o professor “Portius” do Departamento de Inglês em função de sua aposentadoria. Na oportunidade, o Diretor Nolan destacou que o professor “John Keating” é diplomado pela Academia Welton e lecionou por vários anos na conceituada Escola Chester em Londres. Ao final da solenidade o Diretoir Nolan foi para a porta de entrada do salão, onde ficou recebendo os cumprimentos dos pais e dos alunos pelas palavras proferidas na cerimônia. Nesse primeiro momento do filme, estão presentes os fundamentos da Educação Tradicional, no qual Bock (2003) faz menção, o nome da escola “Welton” é um exemplo: as escolas tradicionais tinham o nome de um professor, uma pessoa escolhida para dar nome à escola e que deveria ser cultuada e seus feitos deveriam ser divulgados sempre aos alunos para que pudessem conhecer o modelo a seguir, já que era considerado aprimorado pela cultura; os estandartes representam os princípios e códigos morais que deveriam ser construídos, divulgados e repetidos à exaustão. E, a presença do diretor Nolan na porta de entrada do salão, caracteriza intencionalmente a proximidade da Educação Tradicional com os rituais religiosos.

Com os alunos já em seus quartos, o pai de Neil Perry (Robert Sean Leonard), o Sr. Perry (Kurtwood Smith), o aborda para informá-lo que ele terá que deixar de participar do Anuário, devido ao seu excesso de atividade extracurriculares. Neil não acha justo e questiona seu pai. Contudo, seu pai, o repreende por tê-lo contestado em público, dizendo que ele, Neil, irá fazer o que ele, seu pai, mandar. Quando o Sr. Perry vai embora, os outros alunos se aproximam de Neil perguntando, com ironia, por que ele não vai contra o pai dele? Neil responde perguntando aos alunos: - qual de vocês vai contra seus pais? Neil decide, então, deixar o Anuário como ordenou seu pai. Esse episódio demonstra como a sociedade adulta impõe seus modelos, seus valores e suas regras aos jovens (BOCK, 2003).

Em sala de aulas, nas disciplinas de Química, Latim e Trigonometria, os alunos são exigidos em seus conteúdos e aparecem com pilhas imensas de livros em suas mãos. Disciplina, regras, vigilância e muito conteúdo escolar caracterizam a Escola Tradicional (BOCK, 2003).

Os alunos têm o primeiro contato com o professor John Keating. O professor Keating entra na sala de aula assoviando, atravessa a sala e sai por outra porta, volta e diz para os alunos: - Vamos! Os alunos ficam perplexos, mas pegam, cada um, o seu hinário e seguem o professor até a sala de troféus que contém também fotos dos ex-alunos. Nesta sala, o professor Keating pede para ser chamado de “Ó Capitão! Meu Capitão!”. Em seguida, o professor Keating pede para que o aluno “Gerard Pitts” (James Waterston) leia a primeira estrofe do poema “Às virgens que fazem muito caso do tempo”. Neste poema, a frase “Apanha o botão de rosas enquanto podes” tem, segundo o professor Keating, o sentido, em Latim, de Carpe Diem, que significa “aproveite o dia”. Para o professor Keating, o legado dos ex-alunos para seus alunos é Carpe Diem, ou seja, aproveitem o dia rapazes e tornem suas vidas extraordinárias.

Em outra aula, o professor Keating ao defender que “palavras e ideias podem mudar o mundo”, pede a seus alunos que rasguem toda a introdução do hinário intitulada “Compreendendo a poesia”, por considerá-la excremento, uma vez que não se pode medir a poesia como quer J. Evans Pritchard. O professor Keating conclui sua aula dizendo aos alunos: - Em minhas aulas, vocês voltarão a aprender a pensar por vocês próprios e vão aprender a saborear as palavras e a linguagem.

No refeitório, na hora do almoço, o professor George McAllister (Leon Pownall) questiona os métodos de ensino do professor Keating, dizendo que suas aulas são pouco sensatas e desencaminhadoras. O professor Keating responde ao Sr. McAllister, dizendo que está formando pensadores livres. Ainda no refeitório, os alunos têm acesso ao Anuário do curso do professor Keating e ficam sabendo que ele foi editor do Anuário e membro da “Sociedade dos Poetas Mortos”. Os alunos Neil Perry, Todd Anderson (Ethan Hawke), Richard Cameron (Dylan Kussman), Charlie Dalton (Gale Hansen), Steven Meeks (Allelon Ruggiero), Knox Overstreet (Josh Charles) e Gerard Pittis resolvem abordar o professor Keating, chamando-o: - Ó capitão, meu capitão? Estávams vendo o seu antigo Anuário. O que era a Sociedade dos Poetas Mortos? O professor Keating revelou que os poetas mortos era um grupo de alunos românticos que se reunia noturnamente em uma caverna para se revezarem na leitura de grandes poetas, deixando a poesia exercer sua magia até gotejarem das línguas como mel. Os sete alunos decidem reativar a “Sociedade dos Poetas Mortos”. O aluno Neil encontra sobre sua escrivaninha um livro que provavelmente foi deixado lá pelo professor Keating. Este livro, intitulado “Cinco séculos de poesias”, traz, manuscrito em suas páginas iniciais, com o seguinte dizer: para ser lido no início das reuniões da “Sociedade dos Poetas Mortos”.

Numa outra aula, o professor Keating se põe em pé sobre sua mesa para, segundo suas palavras, se lembrar de que devemos constantemente olhar para as coisas de um jeito diferente. Em seguida todos os alunos são convidados a subir na mesa do professor Keating e ver como o mundo parece diferente lá de cima. O professor Keating conclui sua aula dizendo aos alunos que: - "Quando vocês pensam que sabem alguma coisa, precisam olhar para esta mesma coisa de uma forma diferente, ainda que pareça bobagem ou errado, devem tentar. Quando lerem, não tenham apenas em mente o que o autor pensa. Mas, considerem o que vocês pensam, tentando encontrar suas próprias vozes".

Em uma aula ministrada fora da sala de aula, no campo de futebol, o professor Keating diz aos seus alunos que para ele o esporte é uma chance de nos superarmos através da pressão de outras pessoas. Então, o professor Keating pede para que seus alunos recitem uma frase motivacional e/ou libertadora e chutem uma bola. Em outro momento, no pátio da escola, o professor Keating, chama a atenção dos alunos para a questão da “conformidade”, que é a dificuldade de manter suas próprias crenças diante dos outros. O professor completa dizendo que: - Todos nós temos necessidade de aprovação, mas devem acreditar que suas convicções são únicas, só suas; mesmo que os outros as considerem estranhas. Por fim, o Sr. Keating, pede aos alunos que encontrem a sua maneira de caminhar, seu próprio ritmo, para qualquer direção, que façam diferente das outras pessoas.

As práticas pedagógicas do professor John Keating visavam o saber. Keating se colocava em lugar modesto e sem forte influência, organizando as condições de aprendizagem e criando situações para o aprendizado. Nesse contexto, os alunos vivenciavam a satisfação do aprendizado e da descoberta, porque agora o importante são as perguntas e não mais as respostas. Termos como curiosidade, interesse, motivação, espontaneidades, criatividade e experiências foram trabalhados pelo professor Keating, deixando os alunos inquietos e ativos. Tal prática pedagogia tirou os alunos de suas passividades naturalizadas.

O Diretor Nolan fica sabendo da existência da “Sociedade dos Poetas Mortos” e repreende alguns alunos. O Sr. Nolan adverte o professor Keating quanto aos seus métodos de ensino pouco ortodoxos em sua sala, alertando-o que os alunos, em sua faixa de idade, são muito impressionáveis. O Diretor continua suas observações, dizendo que o currículo foi firmado, aprovado e funciona, portanto ele não deve ser questionado. O professor Keating responde, dizendo que ele acredita que a ideia da educação era aprender a pensar por si próprio. Então, O Diretor Nolan diz que a tradição e a disciplina devem ser mantidas e que os alunos devem ser preparados para a universidade.

O Sr. Perry descobre que Neil, seu filho, está ensaiando para uma peça no Henley Hall e o proíbe de continuar no elenco. Angustiado, Neil procura o professor Keating. O Professor orienta Neil a procurar seu pai, o Sr. Perry, e falar de sua convicção e paixão por atuar, sendo esta a única solução para a resolução do impasse. Neil resolve encenar a peça mesmo contra a vontade de seu pai. A apresentação de Neil foi um sucesso, todos aplaudiram de pé. Mas, seu pai, que assistiu parte da peça, levou Nei para casa. Em casa, Neil fica sabendo que seu pai irá tirá-lo da Academia de Welton e o matriculará na escola militar de Braden para poder ir para Harvard e se tornar médico. Decepcionado e sem saída, Neil deixa de acreditar na vida. Desiludido, Neil toma a decisão de tirar a sua própria vida.

O suicídio de Neil chocou toda a comunidade da Academia Welton. O diretor Nolan precisa de um bode expiatório. Após coagir os alunos membros da “Sociedade dos Poetas Mortos” a assinar uma confissão, o diretor decide demitir o professor John Keating.

O professor John Keating recebe duas manifestações de apoio. Uma foi velada e a outra foi mais desafiadora: o primeiro apoio veio do professor George McAllister, o mesmo que havia questionado os métodos de ensino do professor Keating. O professor MacAllister aparece ministrando suas aulas de Latim, junto com seus alunos, fora da sala de aula, no pátio da escola. Cabe destacar que no início do filme o professor McAllister aparece ministrando esta mesma aula dentro da sala de aula; o segundo apoio veio dos alunos da sala de aula do professor Keating. Quando o professor Keating vai saindo da sala de aula, onde teria ido apenas para pegar alguns de seus pertences. Alguns alunos, não só os membros da “Sociedade dos Poetas Mortos”, subiram em cima de suas próprias carteiras bradando “Ó capitão! Meu capitão!”, mesmo sob a repreensão do professor diretor Nolan. Neste momento, só coube ao professor John Keating dizer: - Obrigado, rapazes.

O aprendizado se concretiza quando mudamos nossos comportamentos e nossas atitudes. A passagem do professor John Keating pela Academia Welton foi breve, contudo foi intensa o suficiente para promover transformações. Essas transformações foram percebidas como mudanças que se expressaram através das duas manifestações de apoio em prol do professor John Keating. Nestas duas oportunidades, os manifestantes mudaram seus comportamentos e suas atitudes.

O professor John Keating, como bom Escolanovista, manteve uma relação amigável baseada na afetividade, atuando como facilitador da aprendizagem dos alunos. Para tanto, desenvolveu uma prática que colocava o aluno no centro do processo de ensino-aprendizagem e que se baseava no interesse e na necessidade do aluno, dando atenção às diferenças individuais e enfatizando a relação aluno-aprendizagem.

A dramaticidade desenvolvida no filme deixa transparecer as visões opostas sobre Psicologia e Educação que existem entre a Escola Tradicional e a Escola Nova. Estas diferenças são percebidas por Bock (2002), a Educação da Escola Tradicional não tinha necessidade de uma Psicologia para acompanhar a prática educativa, uma vez que não havia a necessidade de qualquer conhecimento sobre os seres humanos, pois tudo que a Educação irá promover, irá fazê-lo por meio da disciplina, regra, princípios, códigos morais, conteúdo e do conhecimento; por outro lado, a Educação da Escola Nova construiu demandas específicas para a Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem em função de ter transformado a Escola num espaço de liberdade e de comunicação que precisava saber como se dá o desenvolvimento natural da criança, fazendo com que a Psicologia se tornasse uma prática capaz de contribuir, dinamizar e qualificar o processo educacional. Por outra perspectiva, percebe-se que a prática do professor John Keating se caracterizou por uma “falsa neutralidade” (um princípio da Escola Nova).