A Bela e a Fera de 2017: Muita nostalgia e pouca inovação

Uma jovem aldeã inteligente e bonita que mora com o pai, adora livros e está sempre dizendo não aos pedidos de casamento de um conhecido metido a machão; tem sua vida mudada após, em um truque do destino, ir parar num castelo amaldiçoado, guardado por uma besta feroz. Onde foi que eu li essa sinopse antes?

Sim! A Bela e a Fera, Walt Disney, 1991. A mesma estória, contada da mesma forma, mas com atores ao invés de tinta e papel.

A Adaptação

A Bela e a Fera, dirigido por Bill Condon (saga Crepúsculo: Amanhecer parte I e II) é uma adaptação cinematográfica, não do conto clássico de Madame Leprince de Beaumont, mas sim do próprio longa de animação feito pela Disney em 1991 que, além da mesma estória contada, utiliza muitos dos diálogos originais, músicas e até mesmo enquadramentos.

A impressão que tenho é que literalmente, pegaram o roteiro do original, incluíram mais vinte minutos de diálogos mal desenvolvidos e cenas musicais e... shazam! Temos um novo roteiro! Volto a comentar sobre esse assunto a seguir, mas antes, vamos falar dessa nova tendência da Disney, sobre adaptar seus clássicos em versões live-action.

Recentemente, em 2016, tivemos algo parecido feito com Mogli: O Menino Lobo (vencedor do óscar de melhores efeitos visuais) que foi adaptado da animação clássica dos anos 60, com o mesmo título. Daquela vez o estúdio foi feliz no projeto; Mesmo copiando o roteiro original, utilizando os mesmos personagens e apresentando pouca inovação em relação a animação, o filme foi muito assertivo em relação ao tom da trama, trazendo leveza e naturalidade às cenas. Além disso, foi destaque em relação a direção de arte e fotografia, vencendo alguns prêmios nessas categorias.

Não há nenhum mal em recontar histórias em versões diferentes, ou até mesmo com o mesmo enredo já apresentado, desde que se explore novos arcos, personagens, cenários, etc. O que não pode virar padrão é a grande aposta feita em nostalgia, apenas. É bonito ouvir novamente uma música que marcou sua infância, isso trás um sentimento à tona, mas há muito mais a ser explorado. Exemplificando de forma simples, ainda falando sobre o sentimento nostálgico: Ele é falho, porque só vai agradar aos fãs e todos sabemos que uma obra cinematográfica deve oferecer muito mais, e ter sua linguagem entendida pelo maior número de expectadores possíveis.

Estou ansioso e receoso em relação aos próximos longas dessa nova série, sinceramente não sei o que esperar.

O Roteiro

Fiquei realmente animado quando li que um dos roteiristas do filme seria o escritor americano Stephen Chbosky, quem escreveu com maestria o roteiro de As Vantagens de Ser Invisível (Lionsgate, 2012), porém seu desempenho em A Bela e a Fera foi muito questionável, por alguns motivos-chave:

Os personagens do filme são extremamente mal desenvolvidos. Não se sabe sobre seus passados, conflitos ou virtudes, a não ser por palavras ditas por eles mesmos ou por terceiros. Não carregam carga emocional o suficiente para que se suponha algo a seu respeito, tudo tem que ser colocado, cada detalhe de sua personalidade. Esse mau não decorre de falta de tempo de execução, até porque existem cenas que inicialmente teriam esse desenvolvimento como objetivo, porém seus textos são fracos e não contribuem em nada para isso.

Outros aspecto que incomoda em relação aos personagens é a forma de suas evoluções que, de sutis não tem nada. Numa das cenas, por exemplo, a Fera (Dan Stevens) é uma besta selvagem e arrogante; Já na cena seguinte, aparece mansa e compreensível, sem que o motivo dessa mudança tenha sido trabalhado com clareza. O mesmo acontece com a personagem de Emma Watson, Bela, que tem picos muito pontuados entre menina meiga- frágil e mulher independente-corajosa. Não que eu ache essa nuance ruim, mas no filme os intervalos entre os dois polos é muito mal justificado.

O filme tenta expandir um pouco a estória, mostrando algumas cenas sobre o passado dos personagens. Tudo muito rápido, tão rápido que não temos tempo de reparar no cenário, na fotografia, na fisionomia dos atores, nem em nada! Todo o demérito do roteiro, junto com a direção confusa e fotografia escura formam uma tríplice de mau gosto que contribuem muito para o filme ser o que é. Resumindo: As cenas boas são as mesmas da animação, as quais não fazem valer o ingresso, já que todos as conhecem; As novas são mau desenvolvidas e mau dirigidas... Não sobra muita coisa.

A Direção

Não filme takes muito fechados, deixe que o cenário possa ser notado, sentido, dê vida a ele -- ainda mais numa estória onde tudo é vivo.

É exatamente o contrário disso o que acontece na direção de Condon, praticamente todas as cenas mais agitadas do filme tem o angulo muito fechado, ficamos perdidos, sem saber onde se encontram os personagens dentro do cenário e uns para com os outros, realmente não dá pra acompanhar. Se esse fosse o único problema eu não criaria um tópico só pra falar da direção ruim, mas tem mais.

Vou ser chato e falar mais uma vez sobre a nitidez da proposta do filme em apostar na nostalgia dos fãs. A direção não tem criatividade, a maioria dos enquadramentos do filme são idênticos aos do original. Se eu esperava que o roteiro do filme variasse bastante em relação ao de 1991, quanto a direção eu esperava algo totalmente novo, tomando apenas poucos elementos do desenho como referencias. O papel do diretor no filme é praticamente nulo, confortável e insignificante.

...Ah, o CGI do cenário nos takes abertos fora do castelo também é ruim, não te faz acreditar na veracidade da paisagem, fica muito clara a artificialidade dessas cenas.

O acerto ficou por conta das cenas musicais, essas sim tem uma boa distribuição em tela, as coreografias são realmente transmitidas e entendidas pelo expectador, principalmente na famosa cena do baile, com a bela música Beauty and the Beast, composta por Alan Menken em 1991, que trouxe grande emoção a todos na sala de cinema em que assisti.

Mais acertos

Além da trilha sonora, composta pelo mestre Alan Menken, o filme também acerta trazendo inovação em alguns aspectos que fazem toda diferença para a estória. A direção de arte e o figurino são maravilhosos, te imergem na França do século XVIII, seja com itens decorativos e na arquitetura do castelo da Fera, ou nas roupas femininas, típicas da Europa daquela época. Outro detalhe que me chamou muito a atenção é bem sutil: Na início do filme de 1991, Bela vai até uma loja de livros em sua aldeia, o que não faz tanto sentido, visto que ler não era hábito e nem privilégio de muitos naquela época, ainda mais no interior. Nessa nova versão, sua paixão por livros ainda é forte, porém, o local onde ela os busca é numa pequena igreja, junto a um padre, personagem que, por sua vez, tem todo histórico de leitor assíduo, desde o início da igreja católica.

O filme também é bom no quesito representatividade, apresentando personagens negros (mesmo que com papéis com destaque discutível) e gays, além de falar sobre a mulher corajosa, inteligente e independente. Sobre isso, houve uma cena (CUIDADO COM SPOILER) em que Gaston (Luke Evans) diz a bela que toda mulher precisa de um marido, as que não o conseguem acabam como mendigas e pedintes. Isso claramente é uma crítica a cultura machista em que vivem a maioria dos povos, desde sempre; Bela por sua vez, respondeu a essa infeliz colocação de forma esnobe e despreocupada, ignorando mais uma vez seu pedido de casamento e alimentando seu desejo por mais do que a vida simples na aldeia lhe proporcionaria.

Acredito que a maioria das crianças não está preparada para entender a questão delicada que é a orientação sexual das pessoas, unicamente pela forma que são criadas e por toda carga cultural herdada de seus pais. A Disney sabe disso e por isso utiliza de sutileza para apresentar essas características em seus personagens. O personagem de Josh Gad (Jobs), Lefou, é o primeiro personagem gay apresentado nesse filme, e, sutilmente mostra seus traços femininos de forma leve e engraçada, mas ao mesmo tempo natural. Talvez seja o personagem com a personalidade melhor definida no filme, menos falada e mais interpretada.

...Só pegando um gancho no assunto, não quero gerar polêmica barata, mas foi ridículo o que a Rússia fez com o filme, o proibindo para menores de 18 anos. Proibiu as crianças de verem um filme por um motivo preconceituoso, quem o assistiu sabe que não existem cenas apelativas nem motivos para tal classificação. A decisão foi tomada por pura retaliação.

Além de Josh Gad, a atuação de Emma Watson também vale ser destacada, o papel não exige tanto, mas as cenas mais dramáticas foram bem executadas pela atriz, sem falar na autenticidade de sua expressão em qualquer momento da estória. Ela realmente entendeu o tom da personagem e a reproduziu com grande felicidade. Vale lembrar também sua motivação para fazê-lo: Emma Watson é uma líder mundial na defesa da força feminina e com certeza os traços de mulher forte na Bela a fizeram querer esse papel.

Vale a Pena Assistir?

Bom, vou me basear em algo que aconteceu comigo recentemente para responder essa questão:

Nasci em 1994 e cresci vendo Jurassic Park. Sempre foi meu filme favorito. Em 2015 fui ao cinema para ver Jurassic World e não o consegui avaliar de forma imparcial, naquele

momento eu o achei sensacional, toda a nostalgia tomou conta de mim e me deixou incapaz de raciocinar de forma neutra. Mais tarde reconheci suas – muitas – falhas.

Então, esse espírito nostálgico pode salvar sua experiência ao assistir A Bela e a Fera e lhe proporcionar um excelente espetáculo, mas se quer assistir um grande filme e não tem lá grande paixão pelo clássico Disney de 1991, talvez se sinta entediado ao ver a forma como a estória se desenvolve, muito acelerada, porém mal definida. Logo, o filme não tem força suficiente para se fazer valer a pena e depende da sua emoção para isso.

Marco de Souza
Enviado por Marco de Souza em 18/03/2017
Reeditado em 18/03/2017
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