Qual o filme? Arrisquem-se

Tem um filme infantil que me encanta. Não pelo romantismo ou ingenuidade típica da meninice. Até porque esse filme passa longe, bem longe, dessas características. Mas sim por saber falar de coisas tão vivas no meu dia a dia hoje de uma forma meio que camuflada. Ele trata de drogas, de conflito existencial, de busca pela felicidade, de justiça, de liberdade, de conceitos sociais, de valores. Trata de amor, de solidão, de carência, de confiança, de desprezo. Trata de mil coisas e de uma forma tão obvia, mas ao mesmo tempo tão oculta, que me fogem as palavras para descrevê-lo. Não que ele seja um filme ótimo de "ai, meu Deus, que filme fantástico!", mas acontece que não consigo explicar como ele torna possível prender a atenção das crianças sem despertar nelas nada demais e depois, quando essas crianças crescem, torna possível que elas o vejam de forma tão explicitamente crítica.

É uma história relativamente simples: uma menina sai à procura de um coelho e acaba entrando no mundo dos espelhos, se não me engano. Sei que no decorrer de sua jornada ela encontra quem lhe pergunte “quem és tu?” (acho essa frase o máximo e ainda tenho bem gravada na mente a entonação dada pela lagarta fumante), quem lhe dê cogumelo para crescer, quem lhe critique as idéias, quem lhe faça mil agrados por interesse, quem lhe zombe, quem lhe prejudique, quem lhe mime, quem lhe ameace, quem lhe julgue.

Uma das melhores partes, tirando a do ‘quem és tu?’, é quando o gato dissimulado - hora com rosto, hora sem rosto - lhe confunde as idéias, além de realçar o fato de que, pra quem não sabe onde quer chegar, qualquer lugar é lugar e lhe mostra o caminho para o julgamento injusto com a rainha da Inglaterra, no qual, aliás, ele também a julgará – e como culpada, se não me falha a memória.

Tem também uma cena em que ela, a Alice, vai seguindo uma espécie de tapete pintado no chão. Já é noite e, então, está tudo escuro. Ela tem somente aquela tinta pintada na terra para lhe guiar os passos. Justamente por isso, no meio da caminhada, sente um imenso receio de se perder e, então, tenta voltar por onde veio, seguindo os traços grafados no chão. O problema é que quando ela volta encontra uma vassoura fazendo seu serviço: limpando tudo... A menina, coitada, vê-se, portanto, sem o caminho de volta e sem perspectivas em relação ao que vem pela frente, começando a chorar desesperadamente. Passa a noite inteira chorando sem saber voltar ou seguir em frente.

Outra parte, a das rosas, é uma das mais fodas. No começo, por associarem-na como uma das suas, lhe dão carinho e abrigo. Mas, quando descobrem que ela, na verdade, de rosa não tem nada, só não a matam por não o conseguirem.

Ah... São tantas as cenas que me chamam a atenção que, se eu for falar de todas, vou acabar fazendo todo um trabalho psicológico aqui em cima da coitada da Alice. Portanto, vamos parando por aqui.

Faz tanto tempo que assisti a esse filme... Tanto, tanto, tanto. Eu tinha bem uns oito, nove anos... Acho que vou ver se a fita ainda tá lá por casa...

DATA TEXTO: 17/05/2005