A modernidade segundo Chaplin

A MODERNIDADE SEGUNDO CHAPLIN
Miguel Carqueija

Ao longo de sua fecunda carreira Charles Chaplin, inglês de nascimento mas que construiu sua obra nos Estados Unidos, ajudou decisivamente a aperfeiçoar a comédia cinematográfica,do simples pastelão — ao qual ele se conformou nos primeiros filmes — à comédia dramática de visão social e humanista que ele desenvolveu como verdadeira arte.
“Tempos modernos”, seu último filme mudo (com alguns laivos de som) é também a despedida do personagem Carlitos, como é conhecido no Brasil. Era comum antigamente que os comediantes atuassem com seus próprios nomes. Harold Lloyd era o Haroldo, Stan Laurel e Oliver hardy eram Stanley e Oliver; Mabel Normand, que trabalhou com Chaplin, era Mabel.
Carlitos era o vagabundo, “a tramp”, como costumava ser apresentado nas fichas técnicas. Desta vez, embora o personagem seja o mesmo, ele trabalha, ainda que seus empregos sejam efêmeros por fatalidade.
Temos aqui uma crítica ácida à trepidante civililização industrial do século 20 e à desumanização do trabalho e da vida nas grandes cidades, nos Estados Unidos. Chaplin mostra situações grotescas como a “máquina de alimentação” onde Carlitos é usado como cobaia e faz lembrar aquela criação de pobres animais em confinamento. Outro lance é quando ele é sugado para o interior da engrenagem da fábrica. Por fim, tomado de cacoetes, ele acaba sendo levado para tratamento psiquiátrico. E existe o controle que o presidente da empresa exerce através de teletelas (isso muito antes de George Orwell escrever “1984”), espionando os operários até no banheiro.
Mas Chaplin desta vez não quis que seu personagem houvesse de afrontar sozinho o mundo cruel, e concedeu-lhe uma companheira fiel: a garota pobre que era, ao que parece, órfã de mãe, e se torna também órfã de pai. A menina é buliçosa, muito mais nova que Carlitos na época, e traz um alívio romântico ao filme. Ela não tem nome, pode-se dizer que ninguém tem. O cinema mudo não se importava muito com os nomes dos personagens.
Todavia, embora um clássico indiscutível, “Tempos modernos” tem uma ponta solta: as irmãs, ainda crianças, da jovem (interpretada por Paulette Goddard, esposa de Chaplin na época), são levadas pela justiça provavelmente para algum orfanato e nada mais se sabe delas — e nem parece que a irmã mais velha se preocupe com isso.
Essas pontas soltas eram muito comuns no cinema mudo.

Rio de Janeiro, 26 e 27 de julho de 2021.



Ficha técnica
“Modern times” (Tempos modernos): Charlie Chaplin Film Corporation, Estados Unidos, 1936. Distribuição: United Artists. Produção, direção, roteiro e música: Charlie Chaplin. Música conduzida por Alfred Newman. Fotografia: Rollie Totheroh e Ira Morgan.
Elenco:
Charlie Chaplin.............................O Vagabundo (Carlitos)
Paulette Goddard.........................a garota
Henry Bergman............................proprietário do café
Tiny Sandford...............................Big Bill
Chester Conklin............................mecânico
Al Ernest Garcia............................presidente da Electro Steel Corp.
Stanley Blystone...........................pai da garota
Murdock Mac Quarrie..................Widdecombe Billows, inventor
Sammy Stein.................................operador de turbina