"Os Banshees de Inisherin" questiona o que você faz nas suas horas vagas

O ótimo drama psicoexistencial "Os Banshees de Inisherin" (Irlanda/Reino Unido, 2022), filme do diretor britânico Martin McDonagh, coloca aqui, como foco de conflito, não o amor romântico, mas a amizade. E, como consequência, uma questão com a qual alguns filósofos (e intelectuais de forma geral) podem se identificar.

O que você faz nas suas horas vagas? Vai jogar conversa fora no bar da esquina ou faz algo que define seu nível cultural como, por exemplo, assistir a este filme?

Questão corolária: Será possível uma amizade real se manter quando dois amigos são culturalmente discrepantes, já que os assuntos preferenciais sobre os quais conversar também o seriam na mesma medida? Para ser emblemático, será possível conciliar, numa mesma conversa, alguém que quer falar sobre o programa "Big Brother Brasil" (na Rede Globo) com alguém que quer falar sobre o "Linhas Cruzadas" (na TV Cultura)?

Na modorrenta e isolada ilha fictícia de Inisherin, no litoral da Irlanda, ouvem-se de vez em quando os tiros e bombas da guerra civil que se desenrola no lado continental do país, no início do século XX.

Pádraic Súilleabháin (ator Colin Farrell) e Colm Doherty (ator Brendan Gleeson) são dois melhores amigos que se reúnem periodicamente no bar do Jonjo, único local onde os habitantes da pequena ilha podem se divertir, bebendo, jogando conversa fora e, eventualmente, tocando música. O problema crucial entre os dois é que Pádraic é um sujeito simplório e iletrado, enquanto Colm é mais culto, compositor amador de música nas horas vagas.

De repente, sem mais nem menos e inexplicavelmente, Colm, o mais velho dos dois, decide romper com Pádraic, passando a repelir o mais novo. Este, sem entender nada, fica perplexo porque a amizade dos dois significava tudo o que lhe dava mais prazer na vida, e, portanto, tudo o que dava sentido para ela. Inconformado, passa a perseguir o amigo para que lhe explique o que acontecera. Mas Colm está tão determinado na sua decisão que é capaz de tomar uma atitude drástica para mantê-la, diante da resistência extrema do amigo em aceitar o fato.

"Banshee" quer dizer "alma penada ou ave de mau agouro", representada no filme por uma velha senhora solitária que perambula pela ilha fazendo vaticínios sobre seus habitantes.

PS: O filme coloca uma questão que já coloquei aqui, no Recanto das Letras, na crônica "A Última Dança do Cisne": no que estamos utilizando o nosso tempo para deixar para a posteridade? O filósofo alemão Arthur Schopenhauer já antecipara o problema que a história do filme levanta, quando reclamava que os amigos com quem conversava não o entendiam, que, quando conversava com um, era como se ele fosse uma menina conversando com sua boneca. A menina sabe que a boneca é um brinquedo, que não a entende de verdade, mas, mesmo assim, mantém uma ilusória relação com ela (fato com Schopenhauer narrado por Alain de Botton em "As Consolações da Filosofia").

Se você não conhece o programa "Linhas Cruzadas", ele passa na TV Cultura, nas quintas-feiras, às 22h00.

Paulo Tadao Nagata
Enviado por Paulo Tadao Nagata em 01/07/2023
Reeditado em 10/07/2023
Código do texto: T7826573
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.