Iluminação e Magia VI : FANNY E ALEXANDER

Para o Dr. Renato Ienny e esposa.

“Ela sorriu e, após breve hesitação, respondeu: _ Agradecer ao destino, penso eu, por termos escapado incólumes de todas as aventuras - as reais e as sonhadas.

_ Você tem certeza de que é o que você quer também?

_ Estou tão certa quanto suspeito que a realidade de uma noite ou mesmo de toda uma vida não significa sua verdade mais íntima.

_ Nem sonho algum - suspirou Fridolin baixinho - é totalmente sonho...”

(Arthur SCHNITZLER. Breve Romance de Sonho. RJ;SP: Biblioteca Folha,2003)

O filme “Fanny e Alexander”, do genial cineasta sueco Ingmar Bergman, é considerado uma obra-prima e uma de suas mais brilhantes produções cinematográficas, pois, num profundo mergulho sobre a alma humana, refletiu, com delicadeza e com perfeccionismo, sobre os enigmas, os prazeres e os terrores do universo infantil. Com 3 horas e 8 minutos de duração, a linha fundamental de “Fanny e Alexander” é auto-biográfica (e isto é flagrante no filme!). As crianças do filme são encantadoras e inseparáveis: Fanny (Pernilla Allwin) e Alexander (Bertil Guve); a casa abastada onde ambas vivem é extraordinariamente burguesa. A avó, uma atriz riquíssima, é uma personagem quase mítica, que habita o apartamento de baixo. Em toda a casa há um mundo feminino que tudo domina. O teatro é um lugar onde as crianças brincam e procuram refúgio. O menino Alexander é, sem dúvida, um alter-ego de Bergman, experienciando o puritanismo hipócrita do pastor Vergerus (Jan Malmsipe), que vem a se tornar padrasto de Alexander, em contraponto aos prazeres mundanos que Alexander encontra nas saborosas refeições, no bom humor, na liberação, enfim, no bem viver da casa da avó. Vale ressaltar que o pai de Ingmar Bergman era pastor luterano, tendo castigado severamente o cineasta na infância.

Vários temas estão presentes no filme: amor, ódio, paixão, ressentimento, religião, angústia, neurose familiar, inveja, morte etc. entrecruzados de forma fulgurante com magia, humor e sensibilidade, celebrando, desse modo, o amor de Bergman pela arte cinematográfica. Para quem a arte, a obra e a vida são uma mesma e única coisa, Bergman resume “Fanny e Alexander” com essas belas palavras: “Penso nos meus tempos de menino com prazer e curiosidade (...) Minhas horas e meus dias viviam repletos de coisas interessantes, cenários inesperados, instantes mágicos. Ainda hoje posso percorrer a paisagem da minha infância e sentir de novo todo aquele passado de luzes, aromas, pessoas, aposentos, instantes, gestos, inflexões, vozes, objetos (...) O privilégio da infância é podermos transitar livremente entre a magia da vida e os mingaus de aveia, entre um medo desmesurado e uma alegria sem limites (...) Eu sentia dificuldade para distinguir entre o que era imaginado e o que era real...”

“Alexander: Quem é está atrás da porta?

Voz: É Deus que está aqui, atrás da porta.

Alexander: E não pode avançar um pouco mais?

Voz: Nenhum ser vivo deve ver o rosto de Deus.

Alexander: E o que é que você quer de mim?

Voz: Quero apenas comprovar que eu existo.

Alexander: Fico-lhe muito agradecido. Obrigadinho.

Voz: Pra mim, você não passa de um grão de poeira sem importância nenhuma. Sabia disso?

Alexander: Não.

Voz: Aliás, você é muito mau para sua irmã e seus pais, descarado diante dos professores e está sempre com pensamento ruins. Na realidade, não entendo por que é que eu deixo que você continue a viver, Alexander!

Alexander: Não?

Voz: O Sagrado! Alexander! (...) Deus é o mundo e o mundo é Deus. É muito simples.

Alexander: Eu peço muitas desculpas, mas se de fato é como você diz, então, eu também sou Deus!

Voz: Você não é Deus, de jeito nenhum. Você é apenas um pedacinho de merda, cheio de impertinência.

Alexander: Posso afirmar que sou menos impertinente que Deus...”

(Ingmar BERGMAN. Fanny e Alexander. RJ: Editorial Nórdica, 1985)

Ingmar Bergman dirigiu, também, “O Sétimo Selo” (1956), “Morangos Silvestres” (1957), “Gritos e Sussurros” (1973), “Cenas de um Casamento” (1974), “Face a Face” (1976) dentre outras obras-primas.

PROF. DR. SÍLVIO MEDEIROS

primavera de 2005