BELO MONTE – UMA HISTÓRIA DA GUERRA DE CANUDOS (José Rivair Macedo e Mário Maestri)

"Há sempre uma razão e prazer no bom combate" (p. 13). Com esse aforismo bojudo, José Rivair Macedo e Mário Maestri, os dois autores deste livro soberbo, "Belo Monte – Uma História da Guerra de Canudos", posicionam-se de cara ao lado dos "vencidos"(vencidos, mas não derrotados). E a riqueza fabular da frase, logo, por conseqüência, pode ser aplicada ao embate deles também, em trazer à luz o universo dessa guerra detestável, uma mácula na história do Brasil republicano, fazendo coro àqueles todos que têm prazer e razão na defesa de suas idéias.

A partir de uma pesquisa bibliográfica ampla e descritiva, esta obra, escrita no transcurso dos 100 anos que nos separa dos fatos acontecidos no sertão baiano, faz um relato pormenorizado dos acontecimentos. Tomamos conhecimento de todas as situações que levaram Antônio Maciel(o Conselheiro), a formar sua comuna, fazer suas longas peregrinações místicas, e, por fim, estabelecer-se com seus súditos no paupérrimo Arraial de Canudos, no agreste baiano. Ali, prossegue o livro, ele ousou afrontar a ordem social estabelecida, e com um discurso e atitudes calcados na ortodoxia católica e em honras à monarquia, criou a cidade de Belo Monte. Seus sermões barrocos, apegados à tradição cristã, e sua fidelidade ao antigo regime, derivavam em muito da crença peculiar de que a figura de um rei era a representação da vontade divina na Terra.

Nascido em Quixeramobim, interior do Ceará, Antônio Maciel era filho de um pequeno comerciante. O pai o queria sacerdote – meio de ascensão social muito comum entre as classes mais baixas – mas o filho recusou essa orientação. De qualquer maneira, foi alfabetizado, feito notável para quem não era rico. Depois que os pais morreram, assumiu o negócio da família – um "secos e molhados" – que viria a falir por causa da seca que se agravou no sertão, e também muito provavelmente por falta de tato gerencial de Antônio.

Casou-se duas vezes, e só após o fracasso da segunda união embrenhou-se no sertão, exercendo diversas funções, umas mais degradantes, outras nem tanto. O estudo deduz que sua peregrinação religiosa iniciou-se aí, e pela sua formação secular atípica: um pobre, mas que sabia ler e escrever, com robustez intelectual e ainda por cima iniciado em conhecimentos eclesiásticos. Adveio daí, e orientado pela procura por melhores condições de trabalho, muito da futura formatação alquímica que iria criar o beato sertanejo, e, após isso, o Conselheiro. Na raiz de suas andanças, consta que primeiro seguiu os passos de outro beato, amealhando uns poucos fiéis que o acompanhavam em seu trabalho informal junto às sociedades locais, seja reformando igrejas ou cemitérios, ou então ajudando em pequenos serviços sacerdotais, como aconselhar, pregar e dirigir ladainhas. O seu rebanho aumentou. Para acomodar essa massa crescente de crentes, fez-se necessário estacar em algum lugar, e Antônio Maciel encontrou essa pousada no terreno ressequido de Canudos, um lugar esquecido pela distância, pelo clima uniformemente quente e a falta constante de água. Começou ali a edificação da terra santa nordestina: Belo Monte.

José Rivair Macedo e Mário Maestri esmiuçam então os motivos da lenta ruptura iniciada entre as autoridades e Antônio Maciel: a) a prática de um comunismo real(20 anos antes da Revolução Russa), criava uma onda de fartura antes nunca vivida pela massa camponesa nordestina, “esvaziando” as fazendas adjacentes de sua mão-de-obra semi-escrava; b) a (nova)cultura de uma vida social justa, também essa uma prática pouco comum aos sertanejos, acostumados ao jugo dos coronéis do interior; c) as prédicas coercitivas de Conselheiro, que pregava(e vivia) uma vida simples, mas com justiça, equidade, a divisão do bem comum e o simbolismo religioso profundo; d) as primeiras vitórias contra as tropas do governo enviadas para matá-lo, e que, vencidas, criaram em torno dele uma aura mítica. Esse carisma ajudou a difundir uma divinização em torno de Antônio Maciel, que foi aumentando gradativamente, à medida em que ele e seu grupo fiel foram repelindo as milícias oficiais.

O livro trata Belo Monte(não Canudos!), assim batizada por Antônio Maciel(não Conselheiro!), com um respeito ímpar. Chega a esbarrar num deferimento passional exarcebado, sem, contudo, perder a força dos princípios que o norteiam. Rompe primeiro com o status quo de “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, discutindo-o, inquirindo-o e diagnosticando seus erros nevrálgicos, entre eles, o racismo científico, herança do iluminismo francês com a leitura tangencial de Nina Rodrigues – médico maranhense muito popular à época, quase uma sumidade sociológica de seu tempo. “Belo Monte – Uma História da Guerra de Canudos” traz também um alentado apêndice de Mário Maestri, que faz um rastreamento das principais obras que decuparam Canudos nesse século de vida(ou de morte), além de uma rica bibliografia para iniciantes, iniciados e apostolados dessa história que o Brasil(e o mundo) ainda está por desvelar.

Este livro é uma excelente introdução.

(Ed. Expressão Popular – 200 p. – ISBN: 85-85-87394-62-2)