DOIDINHO (José Lins do Rego)

“Doidinho”, de José Lins do Rego, é o segundo livro do autor, publicado em 1933, e que faz parte de um período do autor conhecido historicamente por “Ciclo da Cana-de-Açúcar”.

Misturando lembranças da infância e adicionando a isso diversos elementos ficcionais, ele cria o personagem Doidinho, apelido escolar do menino Carlos de Melo, recém-entrado na adolescência, e que é descendente de uma abastada família dona de engenho. O garoto de apenas 12 anos é enviado para estudar no Instituto Nossa Senhora do Carmo, uma escola de Itabaiana, cuja fama do diretor e dono, senhor Maciel, é de usar métodos violentos, via palmatória e castigos, para manter a disciplina entre os alunos, mesmo nos casos daqueles que apresentam dificuldades no aprendizado ou de comportamento. Doidinho vê-se então repentinamente extraído do mundo livre e desimpedido de sua infância, para uma vida totalmente inédita, cheia de novidades para um menino criado dentro de uma fazenda. Logo acostuma-se com o aprendizado tosco e difícil do professor, sente as primeiras pulsações do amor por uma colega de sala, contrai vínculos de amizade sincera, ao mesmo tempo que contempla a sordidez de índole e comportamento com alguns outros colegas de sala. Também sofre com a alimentação rarefeita, os castigos impostos pelo professor, os revezes no aprendizado de algumas lições, as injustiças que vê (e pratica) no cotidiano. Vai tornando-se homem, enfim, através de duras lições proporcionadas no dia-a-dia da escola.

É certo que ele também obtém suas pequenas vitórias, como o aprendizado rápido das matérias e suas leituras. Tanto que quando volta para a fazenda, em suas férias alguns meses depois, já leva dentro de si todos os remendos dessa transformação interior. Observa melhor a disposição do tecido social no qual está inserido. Sem forças para modificar o mundo, vê-se às voltas com os mesmos (e outros) problemas já experimentados antes, na escola. E eles são de toda ordem: mentira, inveja, soberba, opressão e ambição.

Seu retorno à escola, após as férias, já denotam um outro avanço, a vontade de crescer rápido, sair logo dali, ao mesmo tempo que percebe que a morte e a doença estão à espreita, e vem de todo lado. Assim como a compreensão de que somos humanos, e como tais, cheios de falhas, erros, fraquezas e medos.

José Lins do Rego, excelente prosador brasileiro, foi criador de tipos humanos completos, cerzidos na vida e suas circunstâncias. “Doidinho” revela-se uma excelente exemplar dessa manufatura de tipos humanos em formação perfeitamente natural. A grande contribuição de seus textos (principalmente seus três primeiros livros – os do “Ciclo da Cana-de-Açúcar”, Menino de Engenho, “Doidinho” e Bangüê – uma conjuntura de seres, traços, personalidades e sociedades que representam sobriamente o macrocosmo de um Brasil que não é, e nunca foi diferente daquilo que sabemos ser o mundo real. A ficção se vale disso para nos lembrar de que a vida é isso aí. Basta-nos vivê-la, e intensamente.

(154 PG. – JOSÉ OLYMPIO EDITORA – 30ª ED.(1957) – ISBN 85-03-00364-3 - NOTA BIOGRÁFICA WILSON LOUSADA - ILUSTRAÇÕES LUÍS JARDIM)