REDENÇÃO E UTOPIA: o judaísmo libertário na Europa Central (um estudo de afinidade eletiva), de MICHAEL LÖWY

RESENHA*

Livro:

LÖWY, Michael. "Redenção e Utopia: o judaísmo libertário na Europa central (um estudo de afinidade eletiva)". Tradução Paulo Neves. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

Nascido no Brasil, filho de judeus de Viena, Michael Löwy formou-se no Departamento de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo. Lecionou em várias universidades e é autor de uma obra que reúne mais de uma dezena de livros, a maior parte deles publicada na França, país onde reside, desde 1969. É diretor do “Centre National de Recherches Scientifiques (CNRS) e conferencista da “Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales. Também fez parte de um grupo de paulistas que formou o CEBRAP (“Centro Brasileiro de Análise e Planejamento”), que inclui nomes como Roberto Schwarz e José Arthur Gianotti. As obras mais consagradas de Michael Löwy, no Brasil, são: “O Pensamento de Che Guevara” (Editora Bertrand); “Método Dialético e Teoria Política” (Editora Paz e Terra); “Ideologia e Ciências Sociais: elementos para uma análise marxista”(Editora Cortez Editora); “Por uma Sociologia dos Intelectuais Revolucionários” (Livraria Editora Ciências Humanas Ltda.); “As Aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen” (Editora Cortez). Dentre as obras mais recentes, as quais buscam, sobretudo, relacionar Religião e Política (questão polêmica!), encontramos: “Romantismo e Messianismo” (Editora Perspectiva); (Franz Kafka – Sonhador Insubmisso” (Azougue Editora); “Estrela de Manhã – Surrealismo e Marxismo” (Civilização Brasileira”) e “Walter Benjamin – Aviso de Incêndio” (Editora Boitempo), além d’outros livros, e escritos dispersos em conceituadas revistas de sociologia e áreas afins.

Tendo como preocupação fundamental o combate às concepções positivistas na metodologia das Ciências Sociais, Löwy sempre manifestou um profundo interesse por análises no campo da Sociologia da Cultura, sobretudo em sua obra intitulada “Por uma Sociologia dos Intelectuais Revolucionários” (1976). Autodefinindo-se como “um judeu um tanto errante”, Löwy passou a priorizar, na década de 80, em seus estudos, o campo da religião relacionado com o campo da política, mais especificamente temas que abordam a questão do messianismo judaico, articulada, de uma forma nada mecânica, com os movimentos, tendências e formas – no plano das culturas ou das produções superestruturais, fazendo combinar a sua formação marxista com a experiência riquíssima de sociólogo da cultura.

“Redenção e Utopia: o judaísmo libertário na Europa Central – um estudo de afinidade eletiva” (Companhia das Letras, 1989) é um estudo intrigante entre a religião judaica e o pensamento de alguns “atores” que fizeram parte da trama histórica que se desenvolveu, sobretudo na Alemanha, entre o final do século XIX e a ascensão do nazismo. Destacam-se, no enredo que compõe “Redenção e Utopia...”, Walter Benjamin, George Lukács, Erich Fromm, Gershom Scholem, Martin Buber, Franz Kafka, Leo Lowentahl, dentre outros estudiosos do messianismo judaico, filósofos, literatos etc. Todos pensadores judeus instalados na Europa central, isto é, na “Mitteleuropa”, termo que “... designa uma área geográfica cultural e histórica unificada pela cultura germânica: a Alemanha e o Império Austro-Húngaro.” – nas palavras de Löwy. Traçando uma autêntica arqueologia da intelectualidade judaica, voltada aos movimentos políticos de esquerda – concentrada nos domínios da “Mitteleuropa” –, Löwy anuncia, logo a princípio, que essa “floração cultural” (composta também por Heine, Marx e Freud), essa “cultura alemã”, esse “século de ouro”, produto de uma síntese espiritual única no gênero, jaz, nos dias de hoje, como uma “Atlântida” submersa no oceano, destruída pela maré nazista (Cf. Löwy in “Introdução: os vencidos da história”).

Pronto a romper com a tradição positivista que impregna a linguagem das Ciências Sociais, Michael Löwy, em “Redenção e Utopia...”, criticando o determinismo mecânico, resgata a noção de “afinidades eletivas”, procedente do romantismo alemão, desde o romance homônimo de Goethe (1809) – uma das obras literárias mais aclamadas da literatura universal. O tema da referida obra apresenta o adultério sob o influxo “químico” das “afinidades eletivas” que atraem, com um poder avassalador, os humanos (nesta obra, Goethe reconhece a força demoníaca do amor).

“Este trabalho é um estudo de afinidade eletiva” – declara Löwy nas páginas iniciais de “Redenção e Utopia...”. Contudo, a incursão conceitual de “afinidades eletivas” nos domínios da sociologia não é, exatamente, uma invenção de Löwy. Procurando reconstituir o itinerário do referido termo, Löwy aponta, primeiramente, para a obra do químico sueco Torbern Olof Bergman. O livro deste estudioso sueco, intitulado “De attractionibus electivis” (Uppsala, 1775), possivelmente inspirara a poética goethiana; assim o termo ganhou direito de cidadania alemã. Todavia, a fundamentação do mencionado conceito sociológico adquire impulso numa das obras de Max Weber, esse “grande alquimista da ciência social” – consoante Löwy (Cf. Löwy, p.15). Trata-se do consagrado estudo weberiano “A Ética Protestante o Espírito do Capitalismo”, na qual Weber traça análises das relações existentes entre doutrinas religiosas e formas de ‘ethos’ econômico, em específico, o capitalismo. Contudo, buscando fundar um estatuto metodológico do termo que ultrapasse o mero emprego metafórico, Löwy disseca-o, em diversos níveis de significações, do seguinte modo:

a) de “afinidade” – próxima da “Teoria das Correspondências” do poeta francês Charles Baudelaire (“Tudo é recíproco”);

b) de “eleição” - a atração recíproca, conduzindo a certas formas de interação;

c) de “articulação” – que apresenta diferentes modalidades de união: “simbiose cultural”, “fusão parcial” e “fusão total” (termo procedente dos estudos do alquimista holandês Boerhave);

d) da “figuração nova” – articulação de dois elementos. Um exemplo sugestivo: a corrente de pensamento marxista freudiana.

Acrescente-se que, uma vez favorecida por condições históricas e sociais, a “afinidade eletiva” não é ideológica, não é sinônimo de influência nem tão pouco alguma coisa próxima à “correlação”, pois, consoante Löwy, trata-se de um...

“... conceito que nos permite justificar processos de interação que não dependem nem da causalidade direta, nem da relação ‘expressiva’ entre forma e conteúdo (por exemplo, a forma religiosa como ‘expressão’ de um conteúdo político e social),. Sem querer substituir-se aos outros paradigmas analíticos, explicativos e compreensivos, ele pode constituir um ângulo de abordagem novo, até aqui pouco explorado, no campo da sociologia cultural.” (Löwy 1989, p.18)

Com efeito, apresentada tal rede argumentativa, sem dúvida, o que mais atrai na presente obra do estudioso Michael Löwy é o rastreamento que, muitas vezes, explora minúcias em torno da intelectualidade judaica de esquerda, apresentando-nos detalhes reveladores e luminosos sobre o fenômeno “Mitteleuropa”. Ancorado numa pesquisa historiográfica bastante original, além de rigorosa (Cf. Notas, no final do livro), Löwy produziu uma enigmática obra sobre a corrente subterrânea que povoava e unificava as correntes de pensamentos dos intelectuais judeus na Europa central pré-nazista.

No capítulo II, cujo título é “Messianismo judaico e utopia libertária: das ‘Correspondências’ à ‘attractio electiva’”, Löwy investiga as raízes religiosas judaicas que nutrem tais utopias socialistas. Nesse caso, Löwy aponta para o conceito hebraico “Tikkoun”, que significa o restabelecimento da grande harmonia perdida, o caminho que leva ao fim e ao começo das coisas, a restauração da ordem ideal, enfim, o advento do Messias é o cumprimento do “Tikkoun”, da Redenção; o que sugere, paradoxalmente, a sacralização do profano e a secularização do religioso. Portanto, tal messianismo utópico-libertário implica numa relação estreita entre duas esferas, isto é, religião e utopia, sem, contudo, aboli-las. Tal movimento de pensamento dá lugar ao aparecimento dos mais expressivos “judeus religiosos anarquizantes”, dentre eles, Martin Buber, Gershom Scholem, Franz Rosenzweig, Leo Löwenthal, bem como aos “judeus assimilados (ateu-religioso) libertários”, dentre eles: Ernst Bloch, Walter Benjamin, Eric Fromm, Herbert Marcuse, Theodor Adorno, dentre outros. No núcleo dessa trama, na intersecção de todos os fios desse tecido cultural, contendo em si os pólos mais opostos!, está presente a dimensão fundamental e comum entre os referidos pensadores, isto é, um fundo cultural neo-romântico e uma relação de afinidade eletiva que abrigam, ao mesmo tempo, todos eles, numa dimensão de pensamento messiânico-judaica e numa dimensão utópico-libertária.

No capítulo III, intitulado “Párias, rebeldes e românticos: tentativa de análise sociológica da intelectualidade da Europa central”, Michael Löwy apresenta-nos a reação cultural romântica anti-capitalista promovida pela intelectualidade judaica, em face do surto do capitalismo que envolve a Alemanha a partir de 1910. Se o caminho para conquistar a respeitabilidade e a honra nesse novo estado de coisas, na Alemanha ou em toda a Europa central, eram os centros universitários, é neles então que a juventude judaica de origem burguesa abrigar-se-á contra o crescente anti-semitismo propagado pelo Estado alemão – autoritário e militarista. Fugindo da condição de “párias sociais”, a nova categoria social, isto é, a intelectualidade judaica emergente recusa a tradicional carreira de negócios procedente da própria tradição judaica, revoltando-se contra o meio familiar burguês e aspirando intensamente por um modo de vida intelectual. Por meio de uma “anamnese” cultural e religiosa,

“Na atmosfera impregnada de religiosidade do neo-romantismo, muitos intelectuais judeus vão se revoltar contra a assimilação de seus pais, procurando salvar do esquecimento a cultura religiosa judaica do passado. Opera-se assim uma dessecularização, uma desassimilação (parcial), uma anamnese cultural e religiosa, uma ‘anaculturação’ de que alguns círculos ou cenáculos serão os promotores ativos...”

(Löwy 1989, p.37)

pois, uma vez atraídos pelos movimentos revolucionários de esquerda e pelas idéias socialistas,

“... nesse contexto particular é que se tece a rede complexa de vínculos entre romantismo e anticapitalista, renascimento religioso judaico, messianismo, revolta cultural antiburguesa e anti-Estado, utopia revolucionária, anarquismo, socialismo.” (Löwy 1989, p.40).

Assim, Löwy apresenta-nos, no capítulo IV, a importante reconstituição da visão dos “Judeus Religiosos Anarquizantes”, a exemplo de Martin Buber, Franz Rosenzweig, Gershom Scholem e Leo Löwenthal.

No que se refere a Martin Buber, uma vez atraído pelas correntes neo-românticas e pelo renascimento da espiritualidade religiosa, o referido filósofo professará o fim da organização comunitária fundada no parentesco de sangue, em contraponto à comunidade nova – resultado de afinidades eletivas, ou melhor, enquanto expressão de uma livre escolha, em face da destruição das barreiras religiosas, regionais ou nacionais, as quais delimitavam a antiga organização judaico-comunitária. Buber, na verdade, preconiza a submissão do Estado ao espírito.

Quanto a Franz Rosenzweig, na qualidade de teólogo, apregoa uma ruptura com a filosofia racionalista, isto é, o historicismo e o hegelianismo. Propondo em suas obras um anticapitalismo de cunho profundamente antiestatista, Rosenweig opõe a temporalidade dos Estados e nações à temporalidade messiânica do judaísmo, pois, “para a temporalidade messiânica, a meta ideal ‘poderia e deveria talvez se realizar já no próximo instante e mesmo neste instante’.”

Por outro lado, o historiador Gershom Scholem, recusando a síntese cultural judeu-germânica, confecciona uma extensa historiografia em torno dos textos judaicos (das doutrinas místicas do judaísmo, da Cabala ao Sabatai Savi). Anarquista religioso, Scholem opõe a temporalidade messiânica à temporalidade histórica, sublinhando que o valor da tradição (seja ele negativo ou positivo) “... não pertence à história mundial mas ao Tribunal do Mundo.”

Outro estudioso, Leo Löwenthal, atraído pelo marxismo, propagou em suas obras a aliança entre o proletariado e a Igreja contra a “democracia capitalista burguesa” secularizada. Löwenthal almeja, em seus escritos, a reconciliação do homem com Deus e com a natureza, sinônimo da “verdadeira e grandiosa cultura”.

De outra parte, interessante é estabelecer um paralelo entre o capítulo IV (“Os judeus religiosos anarquizantes...”) e o capítulo VII (“Os judeus assimilados, ateu-religiosos, libertários: Gustav Landauer, Ernest Bloch, György Lukács, Erich Fromm”), pois, em contraponto aos primeiros capítulos, há pouco tematizados - os quais apregoam um “socialismo religioso”, cujo objetivo utópico da corrente socialista libertária, próximo do anarquismo, se articulava com a fé religiosa messiânica -, Löwy apresenta o ponto de convergência messiânico entre o sagrado e o profano, o qual reveste a visão de mundo dos “judeus assimilados”, diferenciando-os dos primeiros. Isto se explica porque não só na produção intelectual dos “judeus assimilados” entrecruza-se, com maior vigor, o ateísmo religioso, como por exemplo, o marxismo, o anarquismo e a espiritualidade messiânica revolucionária visando a utopia social, como também em suas obras palpita, em grande parte, de forma “subterrânea”, o messianismo judeu.

Os representantes mais expressivos desse “acréscimo” ou dessa nova maneira de se formular as questões são:

Gustav Landauer, anarquista convicto, que entende a revolução como irrupção, qual um instante abrupto, um “vivido-do-agora” (TetztErleben). Landauer dirige suas críticas ao progresso, à modernidade, à era industrial – enquanto elementos constituintes do “verdadeiro Anti-Cristo” - e ao Estado moderno. Landauer nutre simpatias pelo cristianismo ocidental e pelo conceito de religião caracterizado por uma visão panteísta, identificando Deus com a “natura naturans”.

Ernest Bloch, pensador romântico-revolucionário, desenvolve suas idéias políticas, carregadas de religiosidade, rumo à utopia marxista-libertária e anarcobolchevista.

Por outro lado, com György Lukács, o messianismo seculariza-se. Na tentativa de “... ‘fazer baixar agora mesmo o Reino de Deus sobre a terra’” (Apud Löwy, 1989 p.128), Lukács reconhece no proletariado a classe-Messias, por excelência, da história do mundo ou como “O portador da redenção social da humanidade.” (Apud Löwy, p.128).

De outra parte, contando com a diversidade dos temas, Erich Fromm ocupou-se em explorar as convergências entre psicanálise e marxismo, envolvidas por uma dimensão messiânica.

Por conseguinte, dois dos capítulos mais originais e polêmicos da obra de Löwy são os que se destinam a nos apresentar as vidas e as obras de Franz Kafka e de Walter Benjamin.

Em se tratando de Kafka, Löwy, relacionando dois aforismos kafkianos, faz cintilar a afinidade eletiva inscrita na escritura poética do consagrado romancista, porta-voz de um mundo em permanente confronto com o absurdo. Desse modo, seguem abaixo os dois aforismos kafkianos bem notados e anotados por Löwy:

“O Messias virá a partir do instante em que o indivíduo mais desregrado for possível na fé (de zügelloseste Individualismus des Glaubens) – quando não houver ninguém para destruir essa possibilidade e ninguém para tolerar essa destruição, ou seja, quando os túmulos se abrirem (...);

O Messias só virá quando não for mais necessário, só virá um dia após sua chegada, não virá no último, mas depois do último dia.”

(Löwy 1989, p72).

Relacionando ambos aforismos, a afinidade, nesse caso, residiria, segundo Löwy, na negatividade radical, isto é, num misto de “teologia negativa” e “utopia negativa”, tanto no plano teológico quanto no plano utópico, redundando, dialeticamente, numa forma inédita de “anarquismo metafísico”, visto que

“... para Kafka a redenção messiânica será obra dos próprios homens, no momento em que, seguindo a lei interna de cada um, fizerem desabar as coerções e autoridades exteriores; a vinda do Messias seria somente a sanção religiosa de uma auto-redenção humana.” (Löwy 1989, p.72).

No que se refere a Walter Benjamin, “Distante de todas as correntes e no cruzamento dos caminhos...” (título do capítulo VI), é junto ao referido pensador que se localiza a dimensão teórica-política privilegiada de todo movimento do judaísmo libertário, pois, segundo Löwy,

“Quem formulou da maneira mais profunda, mais radical e mais subversiva essa concepção herética, esse novo olhar sobre a história e o tempo, foi WALTER BENJAMIN. Por esse motivo, e por conter em si de forma concentrada todas as tensões, dilemas e contradições do universo cultural judeu-alemão, ele ocupa a posição central neste ensaio. Benjamin está efetivamente no núcleo dessa geração messiânico-romântica, e seu pensamento, ligeiramente antiquado, estranhamente anacrônico, é ao mesmo tempo o mais atual e o mais carregado de explosividade utópica. Sua obra ilumina os passos dos outros pensadores do grupo e por eles é iluminada, num jogo de imagens que não é absolutamente o de espelhos refletindo-se ao infinito, mas antes o de olhares que se interrogam reciprocamente” (Löwy 1989, p.11).

Insistindo na articulação entre “Romantik” (Romantismo alemão) e “Aufklarüng” (Iluminismo alemão) no pensamento de Benjamin, Löwy aponta para a vasta profusão de “afinidades eletivas” benjaminianas contidas, sobretudo, num dos primeiros ensaios do referido pensador. Trata-se do ensaio intitulado “A Vida dos Estudantes” (1914), visto que determinados temas abordados neste documento atravessarão toda a obra posterior de Benjamin:

“Utopia, anarquismo, revolução e messianismo estão alquimicamente combinados, e articulados com uma crítica neo-romântica do ‘progresso’ e do conhecimento puramente técnico/científico. O passado (as comunidades monásticas) e o futuro (a utopia anarquista) associam-se diretamente num escorço tipicamente romântico-revolucionário. Esse documento contém ‘in nuce’ várias das futuras ‘iluminações’ de Benjamin, e é possível mostrar de modo preciso e rigoroso as semelhanças com seus últimos escritos. Propõe certos temas que atravessarão toda a sua obra, às vezes abertamente, às vezes como uma corrente subterrânea oculta.” (Löwy 1989, p.87)

Löwy analisa, também, o que se nomeia de “messianismo histórico” em Walter Benjamin. Tal conceito é trabalhado, com transparência, na conclusão dos estudos de Löwy, momento em que são retomadas as já consagradas teses benjaminianas “Sobre o Conceito de História” (1940), colocando-as junto à concepção romântico-messiânica e utópico-racional da história moderna.

Surge, então, uma “figura nova” por meio da atração eletiva entre elementos aparentemente tão díspares?

O messianismo é uma parte importante da teologia judaica e a utopia libertária é a sua transmutação moderna. Nesse caso, Löwy prefere não falar de “influência religiosa”, mas de “afinidades eletivas”, as quais explicariam certas formas de configurações culturais. A “corrente subterrânea” tem como fonte as três tradições, isto é, a romântica, a messiânica e a libertária. Fazendo uso de categorias básicas, isto é, do “messianismo libertário” e da “utopia libertária”, o estudo de Löwy busca rastrear tais elementos nos textos dos autores mencionados, alguns dos quais aderiram ao marxismo, como o próprio Benjamin em certa ocasião, Lukács, Fromm, dentre outros.

Por fim, Michael Löwy neles encontrou todas as referências religiosas explícitas, ainda que, em algumas fases posteriores de suas obras, viriam apenas se manifestarem de forma indireta.

NOTA DO AUTOR: surpreende-me o descaso, por parte do mercado editorial brasileiro, no que se refere à importância da presente obra. A edição que tenho em mãos data de 1989. Dei buscas na internet (inclusive no Portal da Editora “Companhia das Letras”) e, desde a referida data, nenhuma outra reedição de “Redenção e Utopia...” circulou pelo país; nem mesmo consta no histórico ou catálogo das obras até hoje editadas pela “Companhia das Letras”!

O livro de Michael Löwy é esclarecedor no que se refere, repito, às mais criativas articulações entre Política e Religião, em contextos totalmente desfavoráveis a tal aliança quanto a estas duas importantes áreas do saber.

Isso acontece justamente no momento em que o contexto geral da nação brasileira assiste a todo tipo de corrupção no âmbito da Política, além da disseminação de todo tipo de seitas religiosas no âmbito da Religião – seitas que mais se assemelham a um meio de “ganhar a vida”; algumas delas levando as massas a um perigoso fanatismo ou a uma total histeria, aprofundando, com isso, a distopia reinante no país.

Tudo isso me parece profundamente lamentável...

PROF. DR. SÍLVIO MEDEIROS

Campinas, verão de 2006