As concepções do belo

“A beleza é a única coisa preciosa na vida. É difícil encontrá-la, mas quem consegue, descobre tudo [...]" A frase de Charles Chaplin indica um pronunciamento concebido por inúmeras razões, fruto da presença do belo, relacionadas ao tipo de vivência do cineasta: um sentimento deleitoso que ele obteve, provavelmente, por ter contemplado lindas paisagens; ter se deslumbrado por uma bela mulher; ter tocado uma nota de seu piano; ter presenciado um ato bondoso; ter encontrado a alegria nas pessoas através da comédia; ter sentido a paz interior; ou, por fim, por sempre ter achado que a beleza provinha de ações humanísticas e não apenas está fixada em determinados objetos, ou não apenas no que é aparente, ao contrário dos que criam como ela surgia, por isso, essa grande valorização.

Afinal, em que se resume a beleza? Qual a natureza do belo?

Constatou-se que a beleza não teria o aspecto virtuoso e digno de preciosidade somente, estaria, também, inserida em uma cultura de sensuais desejos e promíscuos encantos, tal como vista na maioria dos atrativos do século XXI.

Aristóteles outrora afirmou que o primeiro motor do Universo seria constituído pela idéia de um Ser infinito o qual é responsável pela harmonia, fluição e pelas várias permutações ecológicas. Um Ser perfeito que não precisaria ser, pois já era há muito – algo imóvel e pleno de realização. Transportando esse pensamento para o conceito religioso (Deus), torna-se clara a concepção de que Deus governou o mundo: uma máxima que perdurou durante muitos séculos dentro da civilização ocidental. A beleza divina havia conquistado o temor e o deslumbre de muitos povos até que, a partir da renascença, de forma mais efetiva, ela fora mudada em uma beleza vaidosa, longe dos escrúpulos da religião medieval. Pois, em virtude do Humanismo , valorizou-se extremamente o poder da capacidade criadora do homem, bem como o seu corpo.

É certo que a beleza “pagã” desde os gregos era por demais cultuada, todavia não de uma maneira cega e completamente voltada para os próprios interesses ou negligenciadora de crenças, não tão lúdica e não comercial quanto hoje. Ela tinha seus atributos para os deuses, e era apresentada como uma cultura repleta de liberdade. Liberdade buscada pelos epicuristas , por exemplo, igualmente como o bem, tudo por meio do prazer:

“[...] Realmente não sei conceber o bem, se suprimo os prazeres que se apercebem com o gosto, e suprimo o do amor, os do ouvido e os do canto, e ponho também de lado as emoções agradáveis causadas à vista pelas formas belas, ou os outros prazeres que nascem de qualquer outro sentido do homem [...] Antologia de textos, Epicuro.”

(CHALITA. 2004. Pg. 84).

Os termos pronunciados à beleza renascentista de “adoração” à estrutura corporal humana marcam a gênese das características modernas do comportamento das pessoas quanto à visão do que é o belo. Uma notável contribuição dos gregos antigos para o Renascimento fora vivenciada pelos grandes artistas dessa época, os quais se deixavam deleitar pelas medidas simétricas da natureza e passavam a propagar o que seria a referência das feições bonitas, tanto orgânicas, quanto científicas.

Por um ângulo contemporâneo, afirma-se que o mundo é movido pela beleza, sim, pois ela agora monopoliza todas as esferas do pensamento e das atitudes e, francamente, deve-se agir consoante os seus valores agregados, do contrário, a vida estaria incompleta e fora de compreensão. Em virtude da tomada ou monopólio quase geral dos meios de comunicação de massa, o número dos que possuem acesso ao mundo globalizado é o suficiente para se poder afirmar que todos têm um lado sensível coerente e complementar de sentidos; a população ocidental impregnou-se da “epidemia” da vaidade, principalmente na esfera feminina, e está em constante processo de metamorfose, uma vez que não aceita ter um único aspecto ou aparência, esta a qual sempre renova o senso de moda neste mundo dotado pela globalização de idéias.

Exatamente a “aparência” é o termo mais adequado para taxar a sociedade atual quanto ao que é ultra-valorizado nos seus costumes e até mesmo nas mais íntimas das situações. O que contribui com esses artefatos da beleza contemporânea, sem dúvida, é a mídia, mediadora do público, responsável pelo suporte da moda ou pelos seus estereótipos. O cabelo mais liso; o tipo de roupa; as maquiagens; os estilos dos homens e mulheres atraentes; tudo é agora ditado por esse veículo altamente controlador.

Sob esse veículo de midiatização, há, de forma intensa, um verdadeiro rol de especulações das identidades, no qual a liberdade individual, a justiça universal e a dignidade humana, estão muito atrás das tendências e “éticas” que buscam o próprio prazer, que se focam, unicamente, em uma felicidade sem linde, longe de se consolidar em valores de máxima confiabilidade, pois existe um mentor maior (onisciente), que manipula toda a imagem audiovisual. A mídia é o deus do mundo contemporâneo!

De fato, a comunicação diversificada condiz com os sacrifícios, cujos fins na manutenção da aparência se resumem de tal maneira:

“A aparência é a parte mais pública da pessoa. É o nosso sacramento, o ego visível que o mundo presume ser o espelho do ego invisível, interior. Essa suposição talvez não seja justa, nem corresponda à maneira como o melhor dos mundos morais se conduz”

(ETCOFF. 1999. Pg.15).

Certamente, não pode ser uma maneira justa, porém é a força maior deste meio social. Saber onde se encontra a beleza e como ela é expressada nas pessoas é o mínimo que os habitantes deste “ocidentalismo” devem apreender para si, pois não se é relatado o que é a beleza, mas sim como ela é vista e sentida enquanto signo pertencente a qualquer matriz – sonora, visual ou verbal.

Já antes, a beleza habitava nos objetos. Mas, a partir do século XX, principalmente com o advento da arte moderna, deu-se conta de que ela não reside apenas nos objetos, o ser individual (o sujeito) é capacitado pela análise crítica sobre o que vê e sente, portanto pode identificar e caracterizar instrumentos artísticos e dá-lhes a beleza necessária, de acordo com visões próprias. Uma noção perfeitamente subjetiva da origem da beleza.

A cultura atual se utiliza de artifícios para atingir o inatingível: uma beleza idealizada, a qual serve como agrado perfeito a quem se mostra. A influência mental também é uma questão majoritária quando se fala em aparência superficial, pois o belo imaginado extrapola os limites da carne. Na verdade, o protótipo de bonito e agradável em pura perfeição é algo extremamente figurado e fora da realidade, mesmo nas ocorrências um tanto fúteis de julgamentos de beleza – concursos ou teste de moda e tendências, ou em uma simples conversa acerca do que se acha em determinadas comparações – uma vez que não há, diante do reconhecimento natural do belo, um paradigma da beleza, ela é altamente pluralizada.

Contrariamente, os “cânones” ou modelos, exemplos e inspiração da aparência aceita pelo mundo, foram sintetizados em meio a uma herança grega, em específico a de Platão, o qual baseou a proporção do belo em medidas harmônicas e de extensões ideais: aquilo que possuísse simetria, cor marcante e caracterizadora, bem como harmonia de traçados, estaria composto pelos elementos essenciais na exigência do belo. Os chamados “cânones” físicos nasceram de medidas fixas das partes do corpo a que os artista de várias épocas acreditavam que seria a maneira mais deleitosa para a arte e aparência humana ocidentais, já que para eles “a beleza reside na simetria” ou residia.

A despeito de o homem almejar à forma corretíssima de seu corpo – na realidade, um intento de se inserir na obra de arte em si - e da própria ciência biológica corroborar com o fato da propensa atração ao mais agradável, em função da genética motivar o ser à hereditariedade de seus genes, já foi analisado que o movimento modernista tentou abolir as aparências agradáveis da arte pela arte, de cunho parnasiano , academicista, propondo a liberdade na exposição das idéias, fora das ornamentações, perspicácias e glamour artístico.

Fotografias alternativas demonstram esse “desgarramento” da boa e arrumada representação. Artistas, como Diane Arbus e Richard Avedon se utilizaram de fotos carentes de belos recursos e adaptações, em virtude de assimilarem que o verdadeiro potencial da arte está em sua espontaneidade, e não na modificação ou mascaramento da intenção original.

Mesmo assim, ainda persiste a tonalidade de boas ou más intenções; bom, bonito e mau, feio; agradável e desagradável; certo e errado; em outras palavras, como é possível se incumbir de uma analise que tenha como base tais conceitos? Se o mundo vive a ditadura do relativismo, como afirmar que isso é realmente harmonioso, belo, atraente, ou se aquilo é estupidamente grotesco? Algo que está fora dos padrões tradicionais artístico, devido a um protesto à “artificialidade” humana? Essas questões partem de uma ótica mais aguçada quanto aos dois lados de julgamentos do bem, bonito e do mal, feio; negativo e positivo; existência de certas determinações. A natureza humana não ajuda muito, em virtude da sua falta de identidade, pois não há como classificá-lo em síntese, já que ele possui atributos de ambos os lados:

“[...] o homem não é verdadeiramente ‘natural’ – provavelmente desde os primórdios da vida comunitária nesta terra – se ao seu corpo não se juntar algo que poderá, conforme os casos, a roupa, o uniforme, o ornato, a máscara, a tatuagem, a pintura corpórea e mesmo as várias mutilações e deformações rituais efectuadas pela humanidade primitiva (e mesmo pela atual) para diferenciar de algum modo o próprio eu do dos outros e desta maneira ‘personificar’ o seu corpo através de um elemento que ‘acrescente’ algo à pura e simples naturalidade do corpo”

(DORFLES. 1979. Pg.18).

Vê-se que o homem necessita desses adornos, ele quer se distanciar de sua própria consciência.

O distanciamento maior, talvez seja o alheio, isto é, a partir do momento em que se julga o comportamento pela aparência. Geralmente ao se deparar com uma pessoa considerada feia, esta é associada à má educação, ao desemprego e marginalizada pelo psicológico de outras pessoas. Ao contrário, quando é contemplada uma estética dentro dos padrões estabelecidos, aí, sim, é que o prazer se torna maior, em virtude da analogia que é feita à gentileza a que pode possuir, à bondade natural, e à boa condição de vida econômica. Prova de que a aparência pode modificar situações e gerar constrangimentos:

“Aparências diferentes podem ocultar irmãs sob a pele, e aparências similares podem cobrir personalidades extremamente divergentes. O racismo é real, a raça pode não ser”

(ETCOFF. 1999. Pg.55).

A idéia de a beleza ser condicionada ao status é comprovada no cotidiano e em várias pesquisas realizadas com relação à preferência em cargos, lugares e nas prioridades de atendimento, facilidade de angariar oportunidades para a vida, pois as pessoas bonitas possuem o carisma em seus gestos, são mais confiantes e inteligentes, além de muito bem expressarem o que querem ou que são decididas. Esses dados tratam resumidamente do elemento da beleza para todos os termos, o status é de fato reportado à beleza. Muitos encaram essa versão como um tipo de injustiça.

Com relação às crianças, o status diz respeito à maneira de como elas são tratadas pelos próprios pais ou demais parentes. De acordo com a maior ou menor graciosidade em bebês, o cuidado e a dedicação são balanceados a fim de contribuírem com a constatação da influência do belo até nessas situações. Mães com crianças prematuras, que aparentam sinais de patologia, ou as que são consideradas não belas, passam a maior parte do tempo preocupadas com o bebê e não lhes dão os mimos e carinhos que os bonitos recebem. Eles podem perceber tamanho tratamento, sim, até porque, quando ainda muito jovem um ser humano já possui os instintos para a rejeição ou aceitação das coisas, sentem prazer no que está fixado como agradável pela humanidade e, portanto podem ter conseqüências em um futuro próximo de como são cuidadas nesse momento.

É fato que a beleza pode alterar a personalidade. Então, isso significa que ela é algo ruim? Nos tempos medievais vivia-se o dilema da existência da beleza provinda do celestial, da virtude e a que se propaga pelo mundo através das tentações da carne, a satânica. Dependendo de como o ser alteraria a sua consciência – se para o mal ou para o bem – ele estaria voltado por completo a quaisquer uma dessas designações. O amor seria todo o embasamento da beleza divinizada, beleza eterna, perfeita e pura:

“Tarde Vos amei. Ó beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! [...] Disforme, lançava-me sobre estas formosuras que criastes [...] Brilhastes, cintilastes e logo afugentastes a minha cegueira! Exalastes perfume: respirei-o suspirando por Vós. Eu Vos saboreei, e agora tenho fome e sede de Vós. Vós me tocastes e ardi no desejo da Vossa paz. Confissões. Santo Agostinho”

(CHALITA. 2004. Pg.124).

Tudo o que fosse ligado aos prazeres carnais era maldoso e satânico, porém tinha sua beleza atraente e tentadora. O melhor para o homem era tentar conciliar suas vontades e partir para o que lhe fosse garantia de segurança, tanto para a vida eterna quanto para as punições desta.

Atualmente, sabe-se que a beleza pode favorecer inúmeras expectativas nos relacionamentos, não só humanos, como também entre os animais; no jogo das seduções, nos negócios, na família, enfim, o mundo é movido por ela, uma espécie de combustível universal, cujos padrões são seguidos à risca para que não haja exclusão por parte de grupos (mesmo sendo uma atitude paradoxal). Mostra-se como um paradoxo, em virtude de não poder haver paradigmas para a beleza, já que esta é construída nas diferentes personalidades do homem – cada um vê de um jeito; é o sujeito que confere boa parte dessa nomenclatura de feio ou bonito. Mesmo assim, o homem muitas vezes se deixa atrair por conceitos “padrões” os quais não condizem com sua personalidade; acaba sendo conivente com o superficial.

Não só existem padrões estéticos nas curvas e linhas do ser biológico, mas também, como já comentado, o objeto requer sua ornamentação, como as mercadorias:

“Se no mundo humano as gerações coexistem, o mesmo ocorre no mundo das mercadorias com os ‘estilos’, cada qual cobrindo respectivamente um segmento do mercado e no âmbito dos quais as gerações de mercadorias se sucedem”

(HAUG. 1997. Pg.126).

Por fim, ao longo de tantos anos de evolução, a natureza e o ser humano, apesar das diversidades, sempre permaneceram conformados dentro de regras e ciclos estabilizadores. Contudo, nem todos esses ciclos puderam estabilizar a consciência do homem, tampouco os relativos ao processo de atratividade. Devido a isso, as desiguais e injustas preferências interessadas no bem próprio e altamente narcisistas estiveram acima da verdadeira identidade cultural. Na verdade, o que houve foi a diminuição (e padronização) das distâncias entre as diferentes sociedades e suas peculiares visões de mundo, pois carrega-se no Ocidente, apesar de adventos contrários, a herança dos gregos antigos, pais da cultura ocidental.

É uma grande verdade o que o compositor Belchior quis expressar ao dizer que, “[...] apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmo e vivemos como os nossos pais”.

Referências:

• CHALITA, Gabriel. Vivendo a Filosofia. 2. – Ed. - São Paulo: Atual, 2004;

• CHAPLIN, Charles. Minha Vida. Rio de Janeiro, RJ. Ed. José Olympio, 2005;

• DORFLES, Gillo. Modas e Modos. Lisboa. Edições 70, 1990;

• ETCOFF, Mancy. A lei do mais Belo: A ciência da beleza. Rio de Janeiro, RJ.Ed Objetiva, 1999;

• HAUG, Wolfgang Fritz. Crítica da estética da mercadoria. São

Paulo: UNESP, l997