A SAGA DOS CÃES PERDIDOS - JORNALISMO

Por Ulisflávio Evangelista

Professor da Escola de Comunicação e Artes da USP Ciro Marcondes Filho em seu livro intitulado “A saga dos cães perdidos” contextualiza o jornalismo em sua essência mais crua e direta, traçando desde os primórdios, a atuação deste profissional até o tempo atual, apontando os caminhos seguidos e a serem seguidos por está prática.

A informação sempre se constituiu como forma de força e de poder. Tal apontamento, pode ser confirmado pela hegemonia exercida pela Igreja e Universidades na ânsia de proteger o saber. Com a invenção dos tipos móveis de Gutenberg esta hegemonia passou a ser quebrada, dando oportunidade da informação e do saber de se propagarem. O período de proliferação das informações constituiu a primeira etapa ou fase do que hoje conhecemos como jornalismo. Coube a estes, a função de abastecer esse mercado tão escasso e de necessidades crescentes de informações. E no primeiro jornalismo (de 1789 à metade do século XIX) que o jornal se profissionaliza, dando espaço ao surgimento e ebulição do jornalismo político-partidário. Este período também ficou conhecido como de “iluminação”, a burguesia inverte o processo, agora tudo é superexposto.

Dando seqüência a linearidade histórica do jornalismo, a segunda fase chega trazendo novidades. A primeira delas é decorrente do re-conhecimento do poder instaurado pela imprensa. Ela era agora disputada por partidos políticos na intenção de buscar e ganhar novos adeptos a sua ideologia. A segunda e talvez a mais importante desta fase, é justamente a mudança nos moldes de “fazer” jornalismo. Através de inovações tecnológicas – rotativas e composição mecânica por linotipos – o que antes se constituía por calorosas discussões ideológicas ou emocionais, deu espaço a um novo negócio: o empreendimento jornalístico. Como qualquer negócio comercial, a sua auto-sustentação é vital. Esta necessidade obrigou a venda de espaços publicitários, mantendo a sua tendência de um amontoado de comunicações publicitárias permeado de notícias.

Empreendimentos jornalísticos ganharam uma nova definição: monopólios em virtude de seu crescimento através das tiragens-monstro. A ameaça veio com as grandes guerras e pelos governos autoritários do século XX. O foco dos jornais é alterado. Filho destaca que esta mudança se refletiu através da crise da cultura ocidental, desencanto, sem ideais. “Não havendo mais bandeiras por que lutar...”

A fase é marcada também pelo surgimento de novas formas de comunicação para competir com o negócio jornalismo. Como reação, floresce o jornal de massa que passa a receber mais investimentos, na tentativa de aprimorar o seu valor estético e como conseqüência, a sua vendagem.

A quarta e atual fase do jornalismo é caracterizada pela incorporação da era tecnológica que interfere diretamente na produção do jornal, da notícia, do fato. O profissional de jornalismo, então acostumado com o processo físico – em máquinas de escrever – que podia acompanhar a produção da matéria, passo-a-passo, de modo palpável, hoje se depara com um novo ambiente informatizado. Novas palavras começam a ser incorporadas – on line, redes, cibernético, Internet. O seu trabalho aumenta, a nova tecnologia imprime um novo ritmo, um novo conteúdo, mas que ainda chamamos de jornalismo. O impacto visual tem maior influência nesta fase, o conteúdo tende a ser menos importante, porém mais dinâmico. Agora quem dita as regras, ou melhor, quem define as manchetes do próximo dia nos jornais impressos são outras mídias: Televisão e Internet. Os impressos foram obrigados a especializar-se em novas formas: opinativas e interpretativas.

A televisão e a mais nova mídia Internet se concentram em outras características. A informação ganha uma nova roupagem na transmissão televisiva, assume uma postura simples e mastigada, dinâmica imagética, apelando para fatores emotivos e de sedução. A fabulosa caixa onírica chama a atenção do seu público – agora telespectadores – através da tecnologia utilizada em sua produção, agora chamada de show-jornalismo. Recursos plásticos como o de videografismo, assumem um importante papel nesta nova fase.

Essas constantes mudanças impostas ao jornalismo alteraram não só o formato, o ritmo, as prioridades, a sua produção. Alterou também, e talvez com uma força muito maior as pessoas ou profissionais que “fazem esse jornalismo”, independentemente do tipo de veículo ou mídia. Ciro Marcondes Filho retrata a triste realidade destes profissionais. É cada vez mais crescente o declive na qualidade destes, aliás, que devem repensar a sua forma de atuação, a produção de conhecimento não é função ou cargo exclusivo do jornalista. O desinteresse, a falta de rumo, “exatamente como cães perdidos, sem bússola”, está infelizmente se tornando o estereotipo deste profissional. Fatores importantes neste processo como o da formação universitária – estudantes descompromissados – e também da visão incorreta do empresário de mídia que sempre questiona a não necessidade de teorias – “profissionais” facilmente influenciados, caracterizam o triste jornalismo atual.

É discutida pelo autor a diferenciação entre a ”comunicação” – interação subjetiva – e a “informação” – exclui o comentário ou a intrusão do sujeito à mensagem – , sua origem e o seu destino. Com a atual tecnologia imposta aos veículos de comunicação de massa, esses dois signos, que num primeiro momento se assemelham, na verdade possui grandes diferenças. No campo do jornalismo, a “comunicação” passou a ser a técnica de “fabricar fatos”, seduzindo jornalistas para fatos originalmente não-jornalísticos mas suficientemente atraentes para cativá-los e fazê-los transformar em notícia . Em contrapartida, informação seria aquilo que os jornalistas buscam por si mesmos, que não ganham de graça, que dá trabalho e que se torna notícia pela sua própria natureza . O excesso de comunicação é tamanho, que se perdeu a noção do que é ou não notícia, informação. Não se trata agora de lamentar, ou recusar, a tecnologia propicia essas ferramentas, cabe agora ao jornalista desenvolver a sua habilidade inicial, a de interpretar, filtrar, o que é relevante.

Por último, mas não menos importante, a ética do jornalista é ponderada, discutida. A liberdade de imprensa – luta por sinal conquistada com muito suor – hoje, se tornou expressão usada em função da defesa de um trabalho medíocre, onde se publica qualquer coisa. Segundo esses mesmos “produtores de mediocridade” a falsa informação, o “furo” inexistente é fruto da pressão do público, de sempre querer saber mais. Fatos mal apurados, o “suspeito” virá “culpado”, sensacionalismo é notícia, perdeu-se o respeito com a invasão da privacidade, agora tudo é informação. Técnicas suspeitas – câmeras e microfones ocultos – para conseguir a projeção social, a verdade cedeu lugar a mentira. Esse é o caráter do jornalista, e infelizmente, isso é a vanguarda do jornalismo.

Ulisflávio Evangelista
Enviado por Ulisflávio Evangelista em 13/05/2006
Reeditado em 13/05/2006
Código do texto: T155425