Os pólos da Cultura de Massa

A partir do modelo de sociedade observado nos diferentes instantes da história da humanidade foi possível esclarecer, por intermédio ou por conceitos ainda que esquivados de profunda análise e conteúdo de senso comum, o porquê de tornar a cultura uma manifestação socializada. No sentido de amplificação de um termo, outrora (pensava-se) monopolizado e “mimetizado” pelos mais letrados de uma comunidade, sobre o qual as ações de cunho altamente popular se instalaram e aperfeiçoaram uma nova proposta para a arte. Uma vez que se pensava que a mesma englobaria territórios restritos, agora, contraditoriamente, vê-se que existe quase que uma antropologia da cultura, como que divisões ou tipografia de acordo com o repertório de ações de cada civilização.

O motivo pelo qual importantes acontecimentos – como a invenção da imprensa, ou mesmo a metamorfose da linguagem oral à adoção da escrita – foram alicerçados consoante o comportamento do homem, transformando-o em atos universais, é que se tem a marca para o conceito mais democrático de cultura. Neste caso, revela-se o da chamada “cultura de massa”, então “quimerizada” de forma especulativa por dois grupos prestigiadores, críticos ou aproveitadores de sua repercussão.

Umberto Eco cria conceitos de acordo com os termos apocalípticos e integrados para ressaltar os efeitos da discussão em trono da “cultura de massa” e da indústria cultural. Ao demonstrar que existem diferentes âmbitos para cada realidade conceitual e, portanto, diferentes visões da cultura, sendo esta um elemento determinador de uma sociedade, diz-se que existem os que acreditam que a cultura popular ou de massa é uma anticultura e os que defendem que na verdade ocorre um crescimento do raio da área promovedora desse fenômeno cultural. Desta forma é que surgem os termos acima, haja vista sua grande discussão.

Apocalípticos seriam os que acreditam estarem dentro de uma massificação, onde só é salvo aquele que possui a proeza de conhecer a cultura em sua forma pura e dissociável do popular. Os integrados sabem submeter à multidão a sapiência de alguma manifestação que esteja já banalizada, ou seja, deixar que todos tenham acesso ao suposto e superficial entendimento do ato-fetiche informativo.

A definição corrobora os efeitos da sistematização da tecnologia ao longo de sua evolução, seja no passado ou na era contemporânea. Para o passado, a análise da influência da indústria da cultura de massa nasce com a estrutura móvel de Gutenberg com a popularização da escrita, sendo esta, objeto de poder para muitos e que pôde ser integrada ainda mais com a sabedoria oriunda de sua constante adaptação. O limiar em torno dessa discussão, pois, é também erradicado para os meios televisivos, uma vez que não só a imprensa obtém reduto na forma impressa.

Tal como McLuhan afirmou que a televisão é o exemplo mais claro da ocupação da mente global por saberes triviais, assim também pode ser enfatizado o papel gerenciador dos demais meios de comunicação atuais – a internet seria o melhor colocado – nas ações humanas, capaz de lhes incutir a forma mais coerente do agir em sociedade, a ponto de se nortear através do que for a tendência. É assim que a “cultura de massa” envolve as relações numa rede simbiótica de ações universais. O fato é, mesmo havendo os termos apocalípticos e integrados, mesmo ocorrendo divisão quanto às formas de estudos de tal incorporação, utilizam-se possivelmente iguais condições dos termos. Não há o que negar: todos utilizam de fato a “cultura de massa” para difundir ou mesmo esclarecer a comunicação.

Afinal, o que o Movimento Modernista de 1922 quis apresentar senão uma maneira de adaptação da arte um tanto parnasiana em arte mais ao gosto e entendimento do público, sob a revolução de critérios academicistas em algo mais acessível? O próprio Oswald de Andrade e outros autores remetiam seus poemas e prosas a linguagens populares e com pontuações que familiarizavam o texto à fala corriqueira das pessoas. A “antropofagia” de várias culturas sem que se perdesse a identidade brasileira. Ainda um prelúdio à exaltação da cultura que cada país possui e que sua herança deve ser resgatada, como uma máxima para se afirmar que todo e qualquer povo é dotado de cultura, não há restrição da mesma. Uma verdadeira “orgia intelectual”, tal como Mário de Andrade soube caracterizar o ocorrido na Semana de Arte Moderna.

Isso foi apenas uma pequena demonstração de que a intelectualidade tem sido fundida a várias educações artísticas e às suas tradicionais manifestações populares. Ao longo da história, pôde-se direcionar perfeitamente essa idéia: os integrados aderem à revolução como forma de referências culturais, o que contribui assim para o surgimento de mais trivialidades. Isto é, torna-se banal a operante transformação revolucionária de um povo para com a vida, a fim de seu melhor entendimento. O apocalíptico recusa qualquer tipo de manifestação que modifique a ordem cultural, uma vez que a ação das massas compromete o fator culto e íntegro da singular cultura.

Providos desse consenso, deve-se levar em conta a noção que Umberto Eco traz, a despeito de tal divisão, da massificada cultura. Levando-se em consideração ser inevitável sua forte influência o suficiente para se ter uma grande representação dentro do contexto social. Mesmo assim, o que dizer dos que não simpatizam com essa cultura e que a tolhem enquanto maquinadora de artífices de opiniões?

O argumento fora muito bem articulado pelos principais teóricos da Escola de Frankfurt, Theodor Adorno e Max Horkheimer, os quais analisaram que os bens da “cultura de massa” distribuem um falso entretenimento e que, na verdade, causam alienação de uma realidade superficial, que é de interesse apenas para quem controla tal maquinaria. Em outras palavras, a indústria cultural tem conseqüências ideológicas, as quais instrumentalizam ou aprisionam o raciocínio livre do homem para uma razão instrumental.

“[...] a indústria cultural surge quando a cultura se mercantilizou, através do desenvolvimento tecnológico e da capacidade de reprodução. Os dois autores substituíram a expressão cultura de massa pela de indústria cultural (1978: 287). Para eles, não é uma cultura que surge ‘espontaneamente das próprias massas, em suma, da forma contemporânea da arte popular’, mas é ‘a integração deliberada, a partir do alto, de seus consumidores’. [...]” (SANTOS, Rogério. 2005. s/p).

Consumidora da cultura, eis o que a essência da capacidade crítica do homem está fadada a se tornar. Um argumento defensor da expressão “Estrutura do mau gosto” utilizada por Eco a fim de contornar a discussão a respeito das preferências do sujeito, uma vez que consumirá a cultura, digamos, remanescente. A escolha está ligada à sabedoria do próprio sujeito ou às qualidades do objeto? Como identificar se algo é de responsabilidade do analista ou da natureza do analisado? Tratar da arte como absoluta forma e perfeita dentro das condições clássicas (mesmo não sendo seguro afirmar que a arte clássica é a mais perfeita, porém, pode ser tida como referência) é extremamente preconceituoso, em virtude do caráter universal que a arte apresenta, devido à multiplicidade das “tribos” humanas. Visto que o ser humano constitui-se de aspectos heterogêneos, portanto, a questão de mau ou bom gosto para a cultura, a despeito de ser amplamente usada, é apenas uma questão didática.

Essa forma de pensar fora consolidada em torno do século XX, conforme visto, dado ao levante modernista de pensar a arte como a forma mais democrática possível. Assim é que a “cultura de massa” tem explodido para a contemporaneidade. Tida como iguaria, a mesma tem uma abertura à arte de acordo com o chamado gosto com que é vista, isto é, se lhe é intrínseca a leitura, por vez, analítica, seja ela otimista ou não, já é de se considerar o efeito artístico (talvez popular) aguçado. Como afirma Eco em Apocalípticos e Integrados: ela “poderá estar empapada de habilidade artística a maneira pela qual torno apetecível uma iguaria, mas a iguaria, efeito de artisticidade, não será arte no sentido mais nobre do termo, enquanto não fruível pelo puro gosto de formar que nela se manifesta, mas sim desejável pela sua comestibilidade”.

A principal característica da “cultura de massa” é o fato de fazer parte da lógica de mercado capitalista e que detém mensagens hibridizadas, portanto, ao alcance de uma gama de ensaístas globais, ao quais são contados como público considerável e contribuinte da “máfia” do capital, em que até uma possível manifestação artística seja objeto de controle. Aí está a famosa Teoria do Agendamento da mídia, a qual a opinião dos espectadores são pautadas, consoante a mostra de temas ou o seu destino de serem preteridos pelos poderosos desse meio de informação. Tem-se, então, um perfeito estudo dos indivíduos, os quais são compreendidos com suas reações aos estímulos recebidos, essa idéia parte de mais outra Teoria, a da Agulha Hipodérmica. Enfim, variados são os suportes para análise da cultura mediada pela mídia, o que a torna massificada (imprensa, rádio, televisão, internet).

“A busca desse difícil equilíbrio entre agradar o público, obtendo sucesso comercial, e preservar a complexidade, a dimensão crítica da obra, vai levar os autores contemporâneos a trabalharem com uma multiplicidade de códigos, que se entrecruzam no texto, permitindo diferentes níveis de leitura, atendendo-se às exigências de um público variado [...]” (FIGUEIREDO, Vera Lúcia F de. s/d .Pg 09).

O que dizer da censura que é feita aos meios considerados subversivos de todo esse trâmite cultural? Países como os Estados Unidos, principalmente à época da Guerra Fria, quando do infindável jogo contra os que fossem aparentemente contra o governo, estipulado pelo Mccarthismo, mostraram-se, de uma forma singular, contra a diversidade da manifestação do homem, enquanto artista de si mesmo e do povo. No corpo da Legião da Decência – Instituição que fazia as censuras - filmes como Monsieur Verdoux (CHAPLIN. 1947) e Frankenstein (WHALE. 1931) foram alvo de tamanha aculturação. Pois, não mais se via a mistura da arte, mas sim a sua imposição.

Tal intolerância cabe aos Apocalípticos de Umberto Eco, cuja alcunha é a de super-homens que vivenciam uma história marcada pelas propostas unilaterais da cultura, em que a passividade está longe de seus ditames.

É exatamente o que ocorre com o mundo da “cultura de massa”: a informação lúcida é restrita e as inter-relações hierárquicas no ramo artístico são constantes, esteja o indivíduo esclarecido ou não do nível de abertura da cultura, isto é, dos níveis de cultura. O nivelamento depende, portanto, do grau de pragmatismo embutido na filosofia de uma sociedade. Quanto mais envolvida com o resultado ou com o efeito causado pela tradição da empresa midiática, mais contextualizada com as características dos integrados, em virtude do grande reflexo da mente prisioneira dessa indústria estar associada a esse termo. Envolvida demais ou não, o fato é que a “cultura de massa” sempre será o meio termo entre os dois lados debatidos por Eco e sempre será um discurso aberto, em que surgirão inúmeras interpretações para a Indústria Cultura de massa.

Referências:

-ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. São Paulo: Perspectiva, 1987;

-FIGUEIREDO, Vera Lúcia Follain. Trocas, apropriações e pilhagens: estética e cultura de massa. s/d;

-SANTOS, Rogério. Blog: Indústrias Culturais. 2005.