Resenha: Do Deus do teísmo ao Deus cruscificado

GEFFRÉ, Claude. Do Deus do teísmo ao Deus crucificado. In: Como fazer teologia hoje. São Paulo: Paulinas, 1989. p. 145-169

Resenha: “Do Deus do teísmo ao Deus crucificado”

Geffré, no texto “Do Deus do teísmo ao Deus crucificado”, explicita que no nosso contexto histórico ou Deus é desconhecido ou é muito conhecido, ou seja, os nomes divinos do ateísmo clássico são usados, o que levou muitos crentes a guardar silêncio sobre Deus. Ao passo que muitos crentes e não crentes fazem a experiência de Deus ou sentem dolorosamente o contraste entre a injustiça do mundo e a experiência de um Deus que é onipotência e amor. Portanto, nos é louvável dizer o nome de Deus para que ele apareça como sempre novo, vivo, atual de modo a ter uma história na própria consciência do homem; desse modo, a história dos nomes divinos é a história das imagens de Deus, no entanto, isso pode ocorrer visando interesses particulares. Resulta daí que o papel da teologia é criticar as imagens e procurar nomes menos impróprios, nomes que sejam ao mesmo tempo a expressão do que Deus nos disse de si mesmo e da situação histórica do homem diante dele.

Em particular, no cristianismo, a teologia dos nomes divinos depende, por sua vez, do papel de Jesus na qualificação da imagem privilegiada de Deus. Oscilando em duas orientações: Deus compreendido em continuidade com o absoluto do pensamento filosófico e das grandes religiões, ou Deus compreendido a partir de sua manifestação em Jesus de Nazaré. Outra questão é a de que as teologias seculares e as teologias da morte de Deus são resultados de duas contestações: a do Deus da metafísica e a da função social de Deus.

A contestação do Deus da metafísica deve ser compreendida a partir da mudança de nossa conjuntura cultural, de nossa nova imagem do mundo e do homem, e a da crise da linguagem filosófica sobre Deus. A linguagem tradicional sobre Deus, estava ligada a uma visão do mundo como cosmos estabelecido e hierarquizado, dependente de um Deus causa primeira e fundamento absoluto. O homem ocupa seu lugar nesse universo hierarquizado. Hoje, por sua vez, difere a imagem do mundo. Temos sobretudo como história, como devir, como campo ilimitado da ação humana. Isso remete em primeiro lugar a liberdade transformadora do homem e não a um princípio transcendente, causa explicativa do mundo. Para reparar essa imagem de Deus, utilidade suprema do homem a teologia moderna, segundo Karl Bart, acentuou a distância entre o Deus da religião e o Deus da fé. Temos também, a crise dos fundamentos metafísicos da teologia. Segundo Kant, o pensamento metafísico sobre Deus, recebeu um golpe mortal: a vida do entendimento está denunciada como ilusão transcendental.

Em Heidegger, a sua crítica da ontologia, sobre a morte do Deus da metafísica, está inscrita no próprio destino da metafísica desde sua origem. Nessa teologia invertida do humanismo ateu, o homem substitui Deus como ser supremo, e, em Nietzsche, temos a morte de Deus pela vontade de poder. Para Santo Tomás, embora seja um modelo de epistemologia teológica, mostra os limites de uma teologia enquanto ciência rigorosa de Deus. A teologia dos nomes divinos de Tomás, interpreta o Deus da revelação em termos de ser e identifica-o com o fundamento dos seres; a teologia-ciência explica o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, a partir de alguma coisa interior, de experiência humana do divino, a saber, da idéia de Deus concebido como ser absoluto. Uma teologia cristã dos nomes divinos, revelado em Jesus, trazem de específico para as propriedades transcendentais do ser, transpostas para Deus.

O destino da teologia cristã seria então verificar a palavra profética de Feuerbach: Deus é um termo, cujo único sentido é o homem. Contrariamente a certas interpretações um pouco curtas do ateísmo Nietzscheano, pode-se compreender o grito: Deus está morto. Como uma recusa ao Deus ídolo metafísico. Portanto, a morte de Deus para Nietzsche, é a morte do Deus moral e ideal, a morte de um conceito de Deus que o humaniza e não respeita a necessidade da distancia entre o homem e ele. A contestação do funcional social do Deus do teísmo, não tem só causas filosóficas, mas também causas sociais e políticas. As teologias seculares em sua recusa ao Deus todo-poderoso e imutável, o Deus metafísico e mesmo o símbolo da paternidade divina, aparecem como a garantia ideológica de uma ordem social conservadora, a qual se opõe o movimento moderno de emancipação.

A crítica marxista das ideologias nos ajuda a conhecermos a função ideológica que a teologia pode exercer em dado momento histórico. Desse modo, não existe discurso teológico desinteressado. O marxismo nos dá a idéia de que a história das imagens sobre Deus e, portanto, dos nomes divinos, tem ligação com a história da produção, com o desenvolvimento da base material de uma sociedade. Uma das funções sociais mais importantes do teísmo consiste em explicar as desigualdades de poder e de privilégio na sociedade, função essencialmente teológica, sob o signo do teísmo metafísico, consiste em justificar a ordem social existente e em manter certa institucional particular. Na modernidade, a teoria de Deus como justificativa das desigualdades, já não existe mais, os instrumentos essenciais, graças aos quais o homem deve procurar o sofrimento e o mal. Isso nos leva a falar sobre Deus depois de Marx, um discurso que escape à crítica marxista da religião como ideologia. As novas teologias políticas ou as teologias da libertação tomam a sério a eficácia histórica que não faça concorrência com a ação transformadora do homem. Daí, que o discurso sobre Deus não pode servir para sacralizar ou manter uma visão determinada e fatalista da história e prática de suas deficiências e contradições.

Falaremos das dimensões da crise do discurso tradicional sobre Deus: o sim a Jesus e o não a Deus, que estão se tornando moda para alguns cristãos, comprometidos com as grandes religiões não cristãs e desencorajam os agnósticos que estão à procura de Deus. A fidelidade ao novo testamento nos é conveniente, pois, constatamos que é impossível conhecer Deus fora de Jesus, pois, a função de Jesus foi também de libertar os homens de falsas imagens de Deus, para ensinar-lhes novamente o verdadeiro nome de Deus. Ao passar a crise do teísmo metafísico, a teologia cristã do mistério de Deus, se encontra, portanto, em face à nova tarefa de respeitar mais seriamente a originalidade de Deus de Jesus. Antigamente era o Deus da Bíblia que criava dificuldades para o teólogo especulativo, hoje é o discurso racional da teologia natural.

É-nos pertinente conservar o objetivo da teologia especulativa, mas aproveitando outros recursos conceituais. Nesse sentido, duas vias de pesquisa podem nos ajudar: Cristo como universal concreto no cerne da razão teológica seria o caso de iniciar um movimento de pensamento que aprenda a verdade a partir de seu lugar próprio, em vez de justificar o nome oculto de Deus a partir de seu fundamento prévio, seja ele Deus entendido como ser absoluto ou o homem em sua auto-compreensão; há, portanto, um lugar próprio no qual a verdade originária de Deus se deixa apreender que por sua vez é Cristo em sua proximidade do Pai. Desse modo, além da redução cosmológica e da sua teologia teológica que parte da confissão de que Deus é amor, revelado no evento Cristo. O desejo de designarmos Deus pode levar a dois perigos: ou nos contentamos com um conceito metafísico de um Deus além do mundo, fora da realidade, Deus esse que é estranho ao que os homens vivem, ou o desejo de atingir melhor o homem, não ousamos falar de Deus e guardamos do cristianismo só a sua dimensão ética de serviço ao homem. Sendo assim, se falamos de Deus, é um discurso antropológico, isto é, um discurso indireto sobre o homem. Nesse contexto só um realismo cristológico é que nos permite conjurar, ao mesmo tempo, o perigo do pensamento metafísico, ou seja, um Deus fora da realidade, e a tentação do antropocentrismo moderno. A dissolução de Deus diante da crítica atéia, de um Deus além do mundo e da crítica da religião como alienação do homem. Devemos esforçarmos por pensar Cristo como universal concreto. Se formos até o fim no realismo da encarnação como se tornar homem-de-Deus do homem, deveríamos poder compreender como a realidade de Deus se mostra como realidade do homem inversamente. Como universal concreto, Cristo é o lugar no qual se articulam misteriosamente a diferença entre Deus velado e Deus revelado, entre a revelação como sentido universal e como evento histórico particular, entre Deus e o homem.

Inquestionavelmente, o discurso teológico só evita cair na idolatria se não apagar a diferença entre o que lhe é dado pensar na revelação judaico-cristã e a de se revelar-se numa história, na contingência, no concreto. Ao pensar a revelação entre logos eterno e o evento particular, Jesus Cristo complica a compreensão para os racionalistas, além de trazer dificuldade no entendimento contemporâneo.

De certo, o pensamento cristão sempre teve muita dificuldade em tomar a sério, a positividade do mistério cristão. Assim, a teologia metafísica, enquanto procura justificar os mistérios da encarnação, isto é, os atos mais livres de Deus, preocupa-se, sobretudo, em salvaguardar a transcendência de Deus, identificando-o com a imutabilidade do ser absoluto. Na impossibilidade de Deus, que, como ato puro, não é afetado por essas obras contingentes que são a criação e a encarnação. Hegel auxilia os teólogos cristãos a suportar especulativamente a idéia de um Deus encarnado. Para ele, a universalidade verdadeira só existe em concreto.

Depois de Hegel, sabemos melhor que o concreto, o histórico, o positivo, o contingente, não são necessariamente rebeldes à inteligibilidade e à universalidade. Como teólogos cristãos deveríamos, portanto, ser capazes de pensar o nome próprio do Deus histórico, sem nos impressionarmos demasiadamente com o fosso horrível entre o universal e o histórico do qual falava Lessing. Sem nos refugiarmos numa pura teologia bíblica teríamos uma alternativa em relação a uma teologia natural que se mostra incapaz de valorizar o universal concreto, isto é, de articular a historicidade e a inteligibilidade, a contingência e a racionalidade. Karl Rahner esforçou-se por repensar o mistério da encarnação, escapando à lógica da identidade da filosofia aristotélico-tomista. A transcendência do Deus de Jesus se manifesta no fato de ele ultrapassar a oposição que, em uma metafísica do ser, colocamos entre a imutabilidade e o tornar-se. Em síntese, não basta repetir a confissão oficial da feda Igreja, é necessário designar a Deus de tal forma que venha à consciência do homem como boa nova. Precisamos recorrer a um Deus único contra os ídolos atuais, contra o que se vive no absoluto, quer seja o poder, o dinheiro, o Estado, quer seja a liberdade individual. É preciso cuidado para que Jesus não se torne um ídolo ou um fetiche.

Contudo, invocamos Deus como anti-destino e como aquele que está conosco. Invocar a Deus como anti-destino é sublinhar a originalidade do Deus bíblico em relação aos deuses pagãos. Enquanto os deuses pagãos impunham ao homem o fardo de uma fatalidade insuperável, a revelação do Deus bíblico coincide com a boa nova de libertação dessas falsas fatalidades. Deus deve ser chamado, esperado, como aquele que desfataliza a história em geral e a nossa história pessoal. A criação não deve ser entendida como uma coisa em tudo acabada. Ela é o campo das possibilidades do homem como co-criador em nome de Deus; e este é o sentido da história humana. Podemos ainda dizer que a liberdade humana é o ligar da ação divina no mundo. Sendo assim, Deus nos aparece como aquele que desfataliza a história. E também que o Deus anti-destino é o Deus conosco, o Deus solidário. Contudo, é necessário praticar Deus em vez discorrer sobre ele, pois ele é aquele que vive silenciosamente o serviço aos homens como forma privilegiada de nosso culto a ele, que invoca-lo com os nomes que lhe convém.

Apreciação textual

No decorrer da história, a teologia mantém uma vasta luta para conciliar o agir teológico bem como situar o pensar teológico de maneira correta. Para isso é necessário se servir do conhecimento metafísico acerca de Deus, a fim, de relacionar e de fazer uma experiência de Deus, verdadeira. Além disso, Deus sempre continua agindo na história do ser humano para que possa encontrar-se com o homem. No entanto, para que isso ocorra é preciso levar em conta a realidade de cada um para que de fato, Deus não seja anunciado fora do contexto das pessoas. Na vida de um cristão, ainda podem existir ídolos como aqueles que o povo de Israel adorava. Tudo o que amamos mais que Jesus Cristo e que tem maior valor que ele é ídolo. Esses podem ser nossos pais, nossos filhos, as coisas que possuímos. Podemos amá-los, mas somente depois que Jesus tiver ocupado o primeiro lugar em nosso ser. Em particular no cristianismo,, a teologia dos nomes divinos depende, por sua vez, do papel de Jesus na qualificação da imagem privilegiada de Deus.

Oscilando em duas orientações: Deus compreendido em continuidade com o absoluto do pensamento filosófico e das grandes religiões, ou Deus compreendido a partir de sua manifestação em Jesus de Nazaré. Entre os filósofos que se destacam na tematização da morte de Deus estão Hegel, Nietzshe e Heidegger. Num certo sentido, poder-se-ia incluir também Feuerbach, mas ele aparece no máximo como um elo, só negativamente importante, da questão da morte de Deus. Feuerbach se assume como pensador de um humanismo que já está mais além da colocação hegeliana de uma dialética entre espírito finito e infinito, dialética captada pelo conceito que supera a razão finita. Ora, esta colocação hegeliana apresenta-se como reinvenção da metafísica, após a operação crítica de Kant. Quanto a Nietzshe e Heidegger, ambos se colocam além do humanismo em geral, muito embora nos dois o discurso sobre o infinito de novo se tenha tornado problemático, e apesar do fato de que nos dois, o ser humano, como quer que agora seja reinterpretado, esteja decididamente a sós no começo da filosofia, tanto como ser de projeto e expectativa, quanto como ser de promessa, convocado à auto-superação. De igual modo, em ambos não se superou a definição da filosofia como atividade que implica uma relação necessária com a metafísica, mesmo que nos dois a necessidade desta relação conforme um vínculo mais de ódio que amor. Neste sentido, talvez, somente pode-se dizer que ambos ainda filosofam contra o registro de Hegel, mas à sua sombra, ainda que tenham dito adeus àquela definitiva formulação da razão metafísica e àquela proximidade penosamente re-conquistada entre infinito e finito, divindade e humanidade.

O cristianismo é uma realidade relativa, não por oposição ao absoluto, mas em relação ao que existe de verdade nas religiões. A teologia judaico-cristã tem como uma das marcas distintivas, a idéia de revelação. Deus é em si, incognoscível, podendo ser conhecido apenas por auto-revelação. Assim, o termo significa a comunicação da verdade divina de Deus para o homem, ou seja, a sua manifestação de si mesmo e sua vontade. A revelação normalmente é discriminada como geral ou universal e especial ou particular.

Marcos Paulo

Marcos Paulo Rodrigues
Enviado por Marcos Paulo Rodrigues em 03/06/2009
Código do texto: T1629955
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