Q & A

Sua resposta vale um bilhão




        Comprei o livro nem sei por que. Não estava interessada em lê-lo e nem em ver o filme. Foi aí que li uma resenha sobre o filme: o autor, de reputado bom gosto, começou a resenha assim: ”Adjetivos concernentes ao filme: colorido, inteligente, dolorido, profundamente inteligente”.* Já bastaria para que eu lesse o livro – nenhum filme baseado em livro consegue ser mais inteligente que o livro. Ainda não vi o filme, por isso não posso fazer comparações. Mas posso repetir: dolorido e profundamente inteligente. O colorido eu não vi porque o livro não é ilustrado. Mas deu para imaginar.
          
         
Foi a minha grande surpresa literária deste ano. É um sério candidato ao prêmio que concedo anualmente – “o melhor livro que li este ano”. Seria uma grande honra para quem o recebe, caso ficasse sabendo.

          A trama é simples: um favelado indiano se inscreve para responder a perguntas que, caso ele ganhe, o transformará em um milionário. Mas o recheio dessa trama é de uma extrema inteligência. O autor consegue montar uma história profundamente coerente (em se considerando o país em que ambienta a trama) em ordem não cronológica, mas perfeitamente clara e compreensível, sem uma falha e sem mentir ao leitor.

          A história começa com a prisão do protagonista: Ram Mohammad Thomas é preso e torturado para confessar como um garçom que nunca leu um livro e mora em uma favela miserável conseguiu responder a todas as perguntas que lhe foram feitas em um Programa de Prêmios (Um bilhão de rúpias). Os produtores do programa o denunciaram e a polícia o levou para que confessasse a fraude. Bem, é aí que a mocinha aparece: uma advogada. E se propõe a ajudá-lo. A condição é que não minta para ela e conte como sabia todas as respostas. Ele topa e seguindo a ordem das perguntas vai contando a sua vida. Cada episódio por ele relatado o levou a realmente saber a resposta para cada pergunta.

          O desenvolvimento da trama é amarrado de tal forma que não aparece nenhuma falha. Tudo, mas absolutamente tudo é coerente e explicável. O autor não nos engana, nós nos deixamos ser enganados. Por exemplo: eu pensei – o que levou uma pessoa assim a se inscrever em um programa de perguntas as quais provavelmente não saberia responder? Já no fim ele nos dá a dica e eu penso: foi o desespero. Mas não foi o desespero – foi a vingança. E a vingança tornou a ação coerente. Não há mal nenhum em dizer isso – não estou tirando a graça da leitura: provavelmente outro leitor, mesmo conhecendo esse detalhe, vai se surpreender.
É um retrato real e cruel da Índia onde a extrema pobreza convive com a extrema riqueza. A vida de Ram (ele também usa outros nomes) em pouco espaço de tempo sofre modificações que só um espírito forte aguentaria. E ele passou por tudo mostrando que de certa forma a gente já nasce o que é, independente do meio em que vivemos. Vale à pena ler, esse realmente eu recomendo.

* Bernard Gontier Neto, no Recanto das Letras