Francisco Dantas e sua Cartilha do Silêncio

Cartilha do Silêncio ( Companhia das Letras, 346 páginas) é o terceiro romance de Francisco J. C. Dantas, publicado nos primeiros meses de 1997. Os anteriores, Coivara da Memória (Estação Liberdade, 1991) e Os Desvalidos (Companhia das Letras, 1993) já consagravam o autor como uma das grandes revelações da última década do século. Há uma unanimidade ao classificar seu texto como “o mais pessoal, mais rico de invenções, de maior repertório, metáforas mais poderosas, mais fortes lembranças” . Sua obra o aproxima de Graciliano Ramos, João Guimarães Rosa, Raduan Nassar e Faulkner, numa mistura de inovação lingüística recheada de pessimismo, nostalgia e meditação. O cenário é o mundo nordestino universalizado a partir de Aracaju. Há passagens por Rio-das-Paridas, Varginha, Palmeiras dos Índios e Maceió. O romance está dividido em cinco partes, cada uma correspondendo a cada personagem protagonista: Dona Senhora, Arcanja, Cassiano Barroso, Mané Piaba e Remígio. Tudo começa em 1915, centrando o enredo na relação Dona Senhora (ou Rosário) X Romeu. Na segunda parte há o relato Arcanja x Barrosinho (Cassiano Barroso), sobrinha distante e filho do primeiro casal, com tempo assinalado em 1951. Quatro anos depois é a vez de Remígio ter voz na condição de filho de Arcanja. O relato de Mané Piaba aparece no ano de 1964 e o relato final é de Cassiano Barroso, dez anos depois.

A obra em análise põe o enredo no campo da reflexão. Cada personagem revive fatos enquanto caminha para a morte ou para planos narrativos significadores da degeneração do ser, da inaptidão para viver, do infortúnio. É inevitável o logotipo de saga familiar. Até mesmo a parte dedicada ao Mané Piaba, agregado que vive na fazenda Varginha, propriedade da família, é uma tática para configurar o mundo de solidão e miserabilidade humana. Há de se destacar na obra a fortaleza exuberante da criação de cada personagem. São amplos, quase infinitos, de formação psicológica surpreendente. É Mané Piaba o mais representativo dos personagens masculinos e o único a caminhar por todo o tempo da narrativa. Mas são as personagens femininas que concentram dramaticidade, a ponto de até fazer com que o leitor leia as partes dedicadas a Remígio e Cassiano Barroso com mais interesse.

São as personagens e a linguagem os elementos primordiais da narrativa de Dantas. Não poderíamos aceitar a idéia contida no comentário do Sr. Ivan Angelo, na resenha de lançamento do livro em VEJA. Lá, diz o comentarista, falta ao livro uma história. Foi uma infelicidade fazer confusão entre literatura comercial, voltada para as aventuras, seguidora de Hollywood, maquiada por cenas mirabolantes. Francisco Dantas não fez uma obra para ser consumida vorazmente pela mercado. Há história, afinal? Não. Há histórias, inúmeras, cada uma formando um leque maior que é a própria história da vida.