Michel Foucault e a análise de discurso

Michel Foucault e a análise de discurso

Foucault influenciou as ciências sociais e as humanidades, e a popularização do conceito de discurso e de análise de discurso como método. Suas contribuições são a abordagem da análise de discurso como modelo para os cientistas sociais, pois representa uma importante teoria social do discurso em áreas como a relação entre discurso e poder, a construção discursiva de sujeitos sociais e do conhecimento e o funcionamento do discurso na mudança social.

Foucault optou por enfocar as práticas discursivas num esforço para ir além dos dois principais modelos alternativos de investigação disponíveis na pesquisa social: o estruturalismo e a hermenêutica. Preocupou-se com as práticas discursivas como constitutivas do conhecimento e com as condições de transformação do conhecimento em uma ciência, associadas a uma formação discursiva. Existe um contrate principal entre uma análise de discurso textualmente (lingüisticamente) orientada (ADTO) como a do Fairclough e a abordagem abstrata de Foucault.

As principais diferenças entre análise de discurso de Foucault e a ADTO estão na preocupação com um tipo de discurso bastante específico – o discurso das ciências humanas, como a medicina, a psiquiatria, a economia e a gramática. A ADTO está preocupada, em princípio, com qualquer tipo de conversação, discurso de sala de aula, discurso da mídia, e assim por diante. A análise de textos de linguagem falada ou escrita é a parte central da ADTO, El anão é uma parte da análise de discurso de Foucault. O foco de Foucault é sobre as condições de possibilidade do discurso sobre as regras de formação que definem possíveis objetos, modalidades enunciativas, sujeito, conceitos e estratégias de um tipo particular de discurso. A ênfase é sobre os domínios de conhecimento que são constituídos por tais regras.

Fairclough cita Courtine que propõe que se deve pôr a perspectiva de Foucault para funcionar dentro da ADTO. A noção de perspectiva de Foucault pode ser enganadora, dadas as mudanças de ênfase dentro do seu trabalho. Em seu trabalho arqueológico inicial, o foco era nos tipos de discursos como regra para a constituição nas áreas de conhecimento. Em seus últimos estudos genealógicos, a ênfase mudou para as relações entre conhecimento e poder. E nos últimos anos de Foucault, a preocupação era com a ética, ou “como o individuo deve constituir-se ele próprio como um sujeito de suas próprias ações” Embora o discurso permaneça uma preocupação ao longo de toda obra seu status mudou, e assim mudou também as implicações para a ADTO.

Fairclough explica e avalia as concepções de discurso nos estudos arqueológicos de Foucault e, discuti como o status do discurso se altera no trabalho genealógico dele. O objetivo é identificar algumas perspectivas valiosas acerca do discurso e da linguagem no trabalho de Foucault, que devem ser integrada à teoria de ADTO e operacionalizada em sua metodologia quando for adequado. Aponta as fragilidades no trabalho de Foucault, as quais limitam seu valor para a ADTO e como ela poderá contribuir para a análise social, até mesmo dentro da tradição foucautiana.

Os estudos dos trabalhos de Foucault (1972) incluem duas principais contribuições teóricas sobre o discurso que precisam ser incorporadas à ADTO. A primeira é uma visão constitutiva do discurso, que envolve uma noção de discurso como ativamente constituindo ou construindo uma sociedade em várias dimensões: o discurso constitui objetos de conhecimento, os sujeitos e as formas social do “eu”, as relações sociais e as estruturas conceituais. A segunda é uma ênfase na interdependência das práticas discursivas de uma sociedade ou instituição: os textos sempre recorrem a outros textos contemporâneos ou historicamente anteriores e os transformam (intertextualidade), e qualquer tipo de prática discursiva é gerado de combinações de outros e é definido pelas relações com outras práticas discursivas (interdiscurso de Pêcheux). Embora o foco de Foucault seja as formações discursivas da ciência humana, sua percepção é transferível para todos os tipos de discurso voltados para a análise de enunciados. A análise de enunciados é uma série de formas de analisar desempenhos verbais. A análise discursiva de enunciados não substitui outros tipos de análises, mas pode também ser reduzida a eles.

Para Foucault a análise de discurso não pode ser equiparada à análise lingüística, nem o discurso à linguagem. A análise de discurso diz respeito à especificação sociohistoricamente variável de formação discursiva, sistemas de regras que tornam possíveis a ocorrência de certos enunciados, de determinados tempos, lugares e localizações institucionais. A perspectiva de Foucault é muito diferente de qualquer uma encontrada na sociolingüística.

Uma formação discursiva consiste de regras de formação para o conjunto particular de enunciados que pertenças a elas, e de regras para a formação de objetos, de regras para formação de modalidades enunciativas e posições do sujeito, de regras para a formação de conceitos e de regras para a formação de estratégias. As regras são constituídas por combinações de elementos discursivos e não-discursivos anteriores; e o processo de articulação desses elementos faz do discurso uma prática social.

Os objetos do discurso são constituídos e transformados em discurso de acordo com as regras de uma formação discursiva específica. Por objetos, Foucault entende objetos de conhecimento, as entidades em que as disciplinas particulares ou as ciências reconhecem dentro de seus campos de interesse e que elas tomam como alvos de investigação. São exemplos: a constituição da loucura como um objeto no discurso da psicopatologia, a constituição de nação e raça, ou liberdade e empresa, no discurso contemporâneo da mídia e da política, ou de letramento no discurso educacional. Foucault sugere que a unidade de um discurso é baseada não tanto na permanência e na singularidade de um objeto quanto no espaço no qual, vários objetos emergem e são continuamente transformados.

A visão de discurso como constitutiva, contribuindo para a produção, a transformação e a reprodução dos objetos têm uma relação ativa com a realidade, pois esta visão referencial do relacionamento entre a linguagem e a realidade é pressuposta pela lingüística e pelas abordagens da análise de discurso baseada na lingüística.

O espaço é uma dada formação discursiva em termos de relação; uma relação entre instituições, processos sociais e econômicos, padrões de comportamento, sistemas de normas, técnicas, tipos de classificação, modos de caracterização especifica; uma relação que constitui as regras de formação para os objetos.

Foucault sugere que uma formação discursiva constitui objetos de forma altamente limitada, na qual as restrições sobre o que ocorre dentro de uma formação discursiva são uma função das relações interdiscursivas entre as formações discursivas e das relações entre as práticas discursivas e não-discursivas que compõem tal formação discursiva. A ênfase nas relações interdiscursivas tem importantes implicações para a análise do discurso, já que se poe no centro da agenda a investigação sobre a estruturação ou articulação das formações discursivas na relação umas com as outras, o que Fairclough denomina “ ordens de discurso institucionais e societárias – que é a totalidade de práticas discursivas dentro de uma instituição ou sociedade e o relacionamento entre elas.”

A visão de que a articulação de ordens de discurso é decisiva para a constituição de qualquer formação discursiva, deve ser o foco central na análise de discurso. (Pêcheux).

A tese de Foucault com respeito à modalidade enunciativa é a de que o sujeito social que produz um enunciado não é uma entidade que existe fora e independentemente do discurso. É uma função do próprio enunciado, Istoé, os enunciados posicionam os sujeitos - aqueles que o produz, mas também para aqueles que são dirigidos – não consiste em analisar a relação entre o autor e o que ele diz, mas em determinar que posição pode e deve ser ocupada por qualquer indivíduo para que ele seja o sujeito dela.

A relação de sujeito e enunciado é elaborada a por meio da modalidade enunciativa, que são tipos de atividades discursivas como a descrição, formação de hipóteses, formulação de regulações, ensino, e assim por diante. Cada uma das quais tem associadas suas próprias posições de sujeito. Exemplo: o ensino como atividade discursiva posiciona o professor ou o aluno. Como no caso de objetos, as regras de formação para as modalidades enunciativas de uma forma discursiva particular são constituídas por um complexo grupo de relações.

A modalidade enunciativa é especifica e aberta à mudança histórica, atenção às condições sociais sob as quais tais articulações são transformadas e os mecanismos de sua transformação são uma parte da pesquisa sobre a mudança discursiva em relação à mudança social.

O trabalho de Foucault é uma grande contribuição para o descentra mento do sujeito social nas recentes teorias sociais para a visão do sujeito constituído, reproduzido e transformado na prática social por meio dela, e para a visão do sujeito fragmentado.

No presente contexto, Foucault atribui um papel fundamental para o discurso na constituição dos sujeitos sociais . Por implicação , as questões de subjetividade, identidade social e domínio do eu devem ser do maior interesse nas teorias de discurso e linguagem, e na análise discursiva e lingüística . As disciplinas acadêmicas têm mantido o tipo de visão pré-social do sujeito social, o que tem sido rejeitado em recentes debates sobre subjetividade. Nessa visão, as pessoas entram na prática e na interação social com identidade sociais que são pré-formadas, as quais afetam sua prática, mas não são afetadas por ela. Em termos de linguagem, é admitido que a identidade social da pessoa afetará a forma como ela usa a linguagem, afetando ou moldando a identidade social. A subjetividade e a identidade social são questões secundárias nos estudos de linguagem, não indo além de teoria de expressão e significado expressivo: a identidade de um falante é expressa nas formas lingüísticas e nos significados que ele escolhe.

Fairclough adota a posição de Foucault de localizar a questão dos efeitos da prática discursiva sobre a identidade social no centro da ADTO, teórica e metodologicamente falando. Essa visão tem conseqüências significativas para a reivindicação de a análise de discurso ser um método principal na pesquisa social. Ele afirma que a insistência de Foucault sobre o sujeito como um efeito das formações discursivas é pesadamente estruturalista, que excluiu a agência social ativa de qualquer sentido significativo.

Para Foucault conceitos é a bateria de categorias , elementos e tipos que uma disciplina usa como aparato para tratar seus campos de interesse.Exemplo: sujeito, predicado, substantivo, verbo e a palavra como conceito de gramática), mas como no caso de objetos e modalidades enunciativas, o quadro é de configurações mutáveis de conceitos em transformação. Ele propõe abordara formação discursiva por meio de uma descrição de como é organizado o “campo de enunciados” a ela associado, dentro do qual seus conceitos surgiram e circulam. Essa estratégia dá origem a uma rica explicação dos diferentes tipos de relação que podem existir nos textos e entre eles, útil no desenvolvimento de perspectivas intertextuais e interdiscursivas na ADTO, pois tem recebido pouca atenção na lingüística ou na análise de discurso orientada linguisticamente.

Foucault refere-se a várias estruturas retóricas, de acordo com as quais grupos de enunciados podem ser combinados por meio que dependem da formação discursiva. Tais relações intratextuais têm sido investigadas na lingüística do texto. Outras relações são interdiscursivas, referentes à relação entre diferentes formações discursivas ou diferentes textos. As relações discursivas podem ser diferentes conforme pertençam a campos de presença, concomitância ou memória. O campo de presença é todos os enunciados formulados noutro lugar e aceitos no discurso, reconhecido como verdadeiros, envolvendo uma descrição exata, um raciocínio bem fundamentado, ou uma pressuposição necessária, como também os que são criticados, discutidos e julgados; rejeitados ou excluídos, explicitamente ou implicitamente. Um campo de concomitância consiste em enunciados originados em diferentes formações discursivas e está ligado à questão das relações entre as formas discursivas. Um campo de memória consiste de enunciados que não são aceitos ou discutidos por meio dos quais relações de filiação, gênese, transformação, continuidade e descontinuidade histórica podem ser estabelecidas.

Foucault resume “não pode existir enunciado que de uma forma ou de outra não realize novamente outros enunciados”. Tem reminiscência nos escritos sobre gênero e dialogismo de Bakhtin (1981 1986), os quais Kristeva introduziu com o conceito de intertextualidade.

Segundo Fairclough, Foucault fornece a base para uma investigação sistemática das relações nos textos e nos tipos de discurso e entre eles. A interdiscursividade envolve as relações entre outras formações discursivas que constituem as regras de formação de uma dada formação discursiva.

Fairclough explica que ao discutir as relações dos campos de enunciados, Foucault faz comentários valiosos sobre a noção de contexto, e sobre o contexto situacional de um enunciado (situação social na qual ele ocorre) e seu contexto verbal (sua posição em relação a outros enunciados que o precedem e o seguem) determinam a forma que ele toma e o modo pelo qual é interpretado. O fato de que a fala de um participante apareça imediatamente depois de uma pergunta de outro pode constituir uma pista para tomar a fala como resposta à pergunta num interrogatório mais do que numa conversação casual. Não se pode, portanto apelar ao contexto para explicar o que é dito ou escrito ou como é interpretado, como muitos lingüistas fazem na sociolingüística e na pragmática: é preciso voltar atrás para a formação discursiva nas ordens de discurso para explicar a relação contexto-texto-significado.

As regras para a formação de estratégias determinam quais possibilidades são realizadas. Elas são constituídas por uma combinação de restrições interdiscursivas e não-discursiva sobre as possíveis estratégias.

Para Foucault relacionamentos entre discursos incluem analogia, oposição, complementaridade e relações de delimitação mútua. A prática discursiva tem primazia sobre a não-discursiva. A função não-discursiva é exercida pelo discurso econômico na prática do capitalismo emergente. Materialidade de um enunciado é o fato de ter um status particular em práticas institucionais específicas.

Fairclough fala da transição da arqueologia à genealogia e suas implicações para a concepção de discurso de Foucault. Discorre sobre a relação dual entre poder e conhecimento na sociedade moderna onde as técnicas de poder são desenvolvidas na base do conhecimento que é gerado; e as técnicas relacionadas ao exercício de poder na aquisição de conhecimento, surge o termo biopoder que trouxe a vida e seus mecanismos para o terreno dos cálculos explícitos e tornou o conhecimento/poder um agente da vida humana. Foucault enfatiza a entrevista, o aconselhamento, assim por diante, implica então maior poder na análise de discurso. Discursos de razão e loucura, entre discurso verdadeiro e falso, limites entre disciplinas, atribuição de status canônico para certos textos, restrições sociais ao acesso a certas práticas discursivas. “O discurso é a coisa para qual e pela qual a luta existe, o discurso é o poder a ser tomado” As principais tecnologias de poder : disciplina e a confissão.

A moderna tecnologia da disciplina é engrenada para produzir e adaptação às demandas das formas modernas de produção econômica. Tecnologia para lidar com as massas isola e focaliza cada indivíduo e todos e os sujeitam aos mesmos procedimentos normalizadores. O poder disciplinar produz o indivíduo moderno. Surge o exame para extrair e constituir conhecimento. Foucault define três propriedades distintas do exame:

• O exame transformou a economia da visibilidade no exercício do poder – poder feudal (visível) indivíduo ( sujeitos ao poder) poder disciplinar moderno ( cujo lugar era invisível,mas seus sujeitos destacados).

• O exame introduz a individualidade no campo de documentação – registro de pessoas: indivíduo como objeto descritível, analisável e manipulação de registros para a generalizações sobre as populações, médias,normas , etc.

• O exame faz de cada indivíduo um caso: objeto para o ramo de conhecimento e um suporte para o ramo do poder.

Assim o exame é tido como a técnica da objetivação das pessoas, logo a confissão é a técnica de sua subjetivação. A compulsão em mergulhar em si mesmo e falar. Para Foucault a confissão expõe a pessoa ao domínio do poder. Um ritual discursivo: sujeito da fala, sujeito do enunciado e a relação de poder entre os envolvidos. O exame e a confissão foram combinados no interrogatório, no questionário exato e na hipnose. A entrevista e o aconselhamento – gêneros de objetivação e subjetivação – e os modos de discursos manipularam as pessoas como objetos, por um lado, e os modos de discursos que exploram e dão voz ao eu parecem ser dois focos da ordem de discurso moderno.

Fairclough discorre sobre as fraquezas do trabalho de Foucault que tem a ver com as concepções de poder e resistência e com questões de luta e mudança. Insiste que o poder acarreta resistência, mas a resistência é contida pelo poder e não apresenta ameaça. O discurso reverso da homossexualidade – os discursos da psiquiatria e da jurisprudência no século XIX resultaram em que a homossexualidade começasse a falar e que fora desqualificada na medicina. Esse tipo de discurso que não vai além de sua formação discursiva. Talvez essa prática discursiva, nunca fora frutífera.

A ADTO reforçará a análise social para assegurar a atenção a exemplos concretos de prática e a formas textuais e a processos de interpretação associados a ela.

Fairclough Norman. Discurso e mudança social. Brasília UNB 2008

Capítulo 2

Ione Z
Enviado por Ione Z em 06/02/2010
Código do texto: T2072861