A NEGAÇÃO DO PRINCÍPIO DO BEM E DO MAL PELA TEORIA ESTRUTURAL-FUNCIONALISTA DO DESVIO E DA ANOMIA.

BARRATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do Direito Penal: Introdução à sociologia do Direito Penal. TRADUÇÃO: Juarez Cirino dos Santos. 3ª ed. Rio de Janeiro. Editora Revan: Instituto de criminologia. 2002.

O autor divide o assunto sobre a teoria estrutural-funcionalista, do desvio e da anomia como negação do principio do bem e do mal, em quatro pontos: 1) A virada na sociologia contemporânea por Durkheim; 2) A superação do dualismo indivíduo e sociedade, os fins culturais, o acesso aos meios institucionais e a anomia, por Robert Merton; 3) A relação entre fins culturais e meios institucionais e os cinco modelos de “adequação individual”; e, a criminalidade do colarinho branco segundo Merton.

No primeiro ponto, Baratta recapitula a teoria estrutual-funcionalista de Duekheim da anomia e da criminalidade que colocou em dúvida o princípio do bem e do mal no âmbito das teorias sociológicas e a desenvolve situando-a numa profunda reflexão crÍtica dessa criminologia, constituindo-se em uma “alternativa clássica à concepção dos caracteres diferenciais biopsicológicos do delinquente”. Tal teoria afirma que as causas do desvio não devem ser pesquisadas nem em fatores bioantropológicos e naturais, nem em uma situação patológica da estrutura social. O desvio é um fenômeno normal de toda estrutura social e somente quando ultrapassa certos limites, passa a ser negativo. Tais idéias são acompanhadas por uma teoria dos fatores sociais da anomia que se caracteriza por uma transformação da estrutura econômico-social quando esta sofre depressão ou expansão rápida e imprevista. No segundo ponto o autor explica que Merton desenvolveu a teoria funcionalista da anomia e que esta representa uma etapa essencial no caminho da sociologia criminal contemporânea, pois se opõe como Durkeim à concepção de patológica do desvio. Assim interpreta o desvio como um produto absolutamente normal como comportamento conforme às regras que a sociedade, num efeito tanto repressor quanto estimulante, imprime sobre o comportamento individual. Assim a anomia seria a discrepância entre os fins culturais que estimulam e oprimem e os meios institucionais escassos, cada vez mais que se desce na escala social. Dessa forma continuando o seu raciocínio, Baratta, no ponto três, afirma que a estrutura social não disponibiliza na mesma proporção a todos os membros da sociedade os meios institucionais para se atingir os fins culturais e isso provoca tipos de respostas individuais (conformistas ou desviantes) das quais derivam cinco modelos de “adequação individual” tais quais: a conformidade, a inovação, a apatia, o ritualismo e a rebelião. O comportamento criminoso corresponde ao segundo modelo, o qual é impulsionado pela desconexão entre os meios institucionais e os fins culturais. Assim as classes inferiores são submetidas à maior pressão nesse sentido. Partindo dos dados de diversas pesquisas, Merton constata que “determinadas infrações (...) são uma reação inteiramente ‘normal’ a uma situação na qual existe uma acentuação cultural do sucesso econômico”. Assim o que possibilitara que um indivíduo torne-se um criminoso não são suas características bio-psicológicas, mas “a pertinência a um ou outro setor da sociedade”. No quarto e último ponto, Baratta expõe as pesquisas de Merton sobre a criminalidade do colarinho branco como na tentativa de compreender esse tipo de desvio cometido por indivíduos que geralmente pertencem a classes abastadas e são conhecedoras dos meios institucionais. Merton o coloca como representante da delinqüência inovadora que corresponde à adesão aos fins culturais, sem o respeito aos meios institucionais. Também adverte a sugestão de duas perspectivas criminológicas contemporânea que tratam “de um lado, das pesquisas sobre a criminalidade do colarinho branco e das teorias de E. H. Sutherland e, por outro lado, das pesquisas e teorias de A. k. Cohen, e de outro sobre subculturas criminosas”. As primeiras apontam discrepância entre as estatísticas oficiais da criminalidade e da criminalidade oculta dentre a qual esta o crime do colarinho branco. Dessa forma a questão é: “até que ponto ( este desvio) pode explicar-se como a inconexão entre fins culturais e acesso aos meios institucionais”. Sutherland projeta a esse respeito uma teoria alternativa: a de”associação diferencial” em que “como qualquer outro tipo de comportamento se aprende conforme contatos específicos aos quais está exposto o sujeito, no seu ambiente social e profissional”. O autor, no entanto, conclui fazendo duas observações: a primeira de que ao tentar integrar a criminalidade de colarinho branco no esquema do desvio inovador, “Merton foi constrangido a acentuar a consideração de um elemento subjetivo individual (a falta de interiorização das normas institucionais), em relação a de um elemento estrutural-objetivo (a limitada possibilidade de acesso aos meios legítimos para a obtenção do fim cultural, o sucesso econômico). Assim esse último elemento não pode ter igual condicionamento tanto para as classes inferiores quanto para as classes superiores onde é praticado o crime do colarinho branco. E ainda, Merton não percebeu, segundo Baratta, o nexo funcional objetivo desse tipo de crime à estrutura do processo de produção e do processo de circulação do capital. A segunda consideração é que essa espécie de criminalidade parece ter ficado como um “corpo estranho” na construção original de Merton, “pois algumas de suas expressões permaneciam num nível superficial de análise, se posicionando ou dando uma impressão de crítica da sociedade capitalista, tendo assim um fundo ideológico estabilizador no qual se consolidaria a imagem tradicional da criminalidade, como prova do comportamento e do status típico das classes pobres na nossa sociedade, e o correspondente recrutamento efetivo da “população criminosa” destas classes”.

Contudo, observando estas análises e reflexões de Baratta, ficam-nos questões que parecem permanecer suspensas ainda no nível de reflexão: o desvio é um fenômeno considerado normal de toda estrutura porque é comum ou porque é provável? Considerando-se a sociedade como um corpo e a criminalidade “um elemento funcional da fisiologia e não da patologia social” não se estaria uniformizando a criminalidade como se seus graus fossem os mesmos, e assim uniformizando o ininformizável? Até que ponto o delito pode ser considerado como uma “antecipação da moral futura”? Não se estaria confundindo delito com conflito? Será que o que deve reger as pesquisas não seria o consenso na universalização das sociedades do mundo, olhando o todo e não apenas a parte, o geral e não exclusivamente o particular, o todo complexo e não somente o especifico?