CULTURA: UM CONCEITO ANTROPOLÓGICO

A discussão proposta pela obra intitulada Cultura: um conceito antropológico de autoria do professor emérito da UnB, Roque de Barros Laraia, prevê uma leitura introdutória e didática sobre o conceito antropológico de cultura. Com essa proposta, a obra é dividida em duas partes: a primeira preocupa-se pela investigação da cultura a partir das manifestações iluministas e, a segunda destinada ao reflexo da manifestação cultural no comportamento social.

Por antropologia, entende-se a ciência preocupada em estudar o homem e a humanidade de maneira totalizante. Por seu caráter generalizado, é comum encontrar uma divisão clássica entre a “Antropologia Cultural” e “Antropologia Biológica”, também conhecida como “Antropologia Física”, nesse estudo, ficaremos restrito a investigação da Antropologia com base cultural.

Desde a antiguidade, foram comuns as tentativas de explicar as diferenças de comportamento entre os homens, a partir das variações dos ambientes físicos, conforme exemplificado pelas passagens de Heródoto (sociedade matriarcal), de Marco Pólo (costumes dos tártaros em relação à traição), do Pe. José de Anchieta e de Montaigne (sobre a antropofagia dos índios Tupinambás). Tais diferenças não são exclusividades de sociedades esdrúxulas, basta para isso, centralizar a atenção nos costumes dos nossos contemporâneos, são exemplos: (a) A carne bovina (hábito de grande apreciação em nossa cultura) é proibida aos hindus, na mesma proporção da carne suína para os muçulmanos; (b) O devedor no Japão praticava suicídio na véspera do ano-novo para honrar seu próprio nome e de sua família; (c) O nudismo é aceito em certas praias, tanto na Europa, quanto aqui no Brasil, já nos países islâmicos, de orientação xiita, só é liberada a inocente revelação da face.

Tamanha diversidade cultural se percebe entre os povos, como alternativa de desvendar tais diferenças, aparecem alguns conceitos, como o do determinismo biológico e o do determinismo geográfico. O primeiro associa aspectos culturais com as características genéticas de um povo (hipótese desconsiderada pelos antropólogos), “não existe correlação significativa entre a distribuição dos caracteres genéticos e a distribuição dos comportamentos culturais [...] qualquer criança humana normal pode ser educada em qualquer cultura, se for colocada desde o início em situação conveniente de aprendizado”, conforme descrito por Felix Keesing apud Laraia (2004:17). Já o segundo, associa os diferentes ambientes físicos como condicionantes da diversidade cultural (hipótese também refutada). Mesmo em condições geográficas de verossimilhança, diferentes povos, executando as mesmas tarefas ou atividades, reagem de maneira divergente, ou seja, realizam as mesmas atividades de sua própria maneira, com seu próprio hábito (subjetivamente). Essa maneira “própria” ou subjetiva é entendida como cultura e foi definida prematuramente por Edward Tylor apud Laraia (2004:25) como “[...] todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábito adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”. Posteriormente, Alfred Kroeber apud Laraia (2004:48) amplia a definição de cultura e sua atuação sobre o homem, destacando alguns pontos: (a) A cultura, mais do que a herança genética, determina o comportamento do homem e justifica suas realizações; (b) A cultura é o meio de adaptação aos diferentes ambientes ecológicos; (c) O homem foi capaz de romper as barreiras das diferenças ambientais a transformar toda terra em hábitat.

No contínuo evolutivo, vale destacar mais duas passagens significativas para uma concepção mais moderna de cultura. A primeira pela afirmação de Leslie White, ao considerar a passagem do estado animal para o humano com a capacidade de gerar e interpretar símbolos e depois pela contribuição de Roger Kessing que divide sua abordagem em: (a) Cultura como sistema cognitivo; (b) Cultura como sistema estruturalista e, (c) Cultura como sistemas simbólicos. Os dois autores destacam a capacidade de comunicação do homem, sobretudo por meio da linguagem.

A aplicabilidade da cultura nota-se rotineiramente, o riso, por exemplo, exprime quase sempre um estado de alegria, todos os homens riem, mas o fazem de maneira distinta; na gastronomia não chama só a atenção o prato em si, mas também pela maneira que o homem age a mesa. A cultura também é capaz de provocar curas de doenças, reais ou imaginárias, essas curas são depositadas nos agentes culturais, como é o caso do pajé entre os índios Tupi, que realiza uma sessão de cantoria, dança e defumação, efetivando assim a cura.

Além dessa atuação constante e recorrente da cultura em nossa sociedade, convém destacar sua característica dinâmica, de alteração, modificação, atualização. Para exemplificar, aproprio uma passagem de Machado de Assis, no clássico Dom Casmurro, diz o autor: “E vimos passar com suas calças brancas e engomadas, presilhas, rodaques e gravata de mola [...] a gravata de cetim preto, com um arco de aço por dentro, imobilizava-lhe o pescoço; era então moda”, fica, portanto, evidenciado a mudança da vestimenta masculina na sociedade carioca, se comparado a cultura da sociedade carioca de cem anos passados.

Conclui-se, portanto, que cada sistema cultural está sempre em mudança.

A compreensão desse fluxo dinâmico minimiza qualquer choque entre diferentes gerações e comportamentos, além de ser o único procedimento que prepara o homem para enfrentar as constantes e certas evoluções em sociedade.