Cem Anos de Solidão

O livro Cem anos de solidão, de autoria do genial escritor Gabriel José García Márquez, foi lançado em 1967, mas, teve sua base inicial em um rompante ousado, para não dizer iluminado, no início do ano de 1966, quando finalmente colocou em ordem todos os fragmentos dos personagens do livro, que já habitavam sua mente pra mais de 10 anos. Gabo, como era chamado pelos amigos, nasceu em Aracataca (Colômbia) em 1928, foi criado na casa de seus avós maternos. Terminou os primeiros estudos em Barranquilla e Zipaquirá, onde teve um professor de literatura, Carlos Julia Calderón Hermida, que o inspirou na sua decisão de se tornar um escritor e a quem dedicaria seu romance "O Enterro do Diabo" de 1955.

“Cem Anos de Solidão” é um livro fantástico, forte, e ouso dizer que chega a ser misterioso. Conta a saga de personagens também fantásticos, se passa em um lugar impar, quente, mágico e apaixonante chamado Macondo. Mesmo lendo as descrições das mazelas do local, não escapamos da vontade de nos mudar para lá, só para sermos vizinhos de gente como Úrsula Iguarán, José Arcádio Buendiá e todos os seus descendentes, parentes, amigos e inimigos. Macondo deveria existir, pena ser só um lugar mágico, criado no realismo fantástico de Gabriel José Garcia Márquez.

As minúcias de detalhes da estória são narradas com maestria sem igual e simplicidade tamanha, que somos arremessados diretamente para as cenas, nos fazendo ver, ouvir e sentir exatamente o que sente os personagens. Não tem como não se surpreender e se abalar, como se abalaram todos da casa, quando volta do mar após anos fora, o filho de Úrsula e José Arcádio Buendiá. Ele chega em uma tarde calorenta e calma, entra na casa e rompe um silêncio mortal com seus passos largos e fortes. “ As colunas estremeceram com tal força nos cimentos que todos achavam que a casa estava desmoronando. Chegava ali um homem descomunal. Os seus ombros quadrados mal cabiam nas portas. .... Braços e peitos completamente bordados de tatuagens enigmáticas... Tinha o couro curtido pelo sal da intempérie, o cabelo curto e parado como a crina de uma mula.... Usava cinturão duas vezes mais largo que a barrigueira de um cavalo..... Sua presença dava a impressão trepidante de um abalo sísmico. Atravessou a sala de visitas e a sala de estar, carregando na mão uns alforjes meio arrebentados, e apareceu como um trovão na varanda das begônias, onde Amaranta e suas amigas estavam paralisadas, com as agulhas no ar.....”

Chega a ser constrangedor, mas inevitável não nos excitarmos junto com Rebeca, quando ela vê José Arcádio, o recém chegado do mar, que tem o mesmo nome do pai, olhar seu corpo “com atenção descarada” e dizer: “ Maninha, você é muito mulher”. Rebeca “perdeu o domínio de si mesma. Voltou a comer terra e cal das paredes com a avidez dos outros tempos.” Não satisfeito, com as fantasias sexuais que nos levam a imaginar Rebeca, um bichinho frágil, sendo despojada na sua intimidade virginal por aquele homem másculo, o autor continua a usar habilmente as palavras para nos leva ao clímax, junto com Rebeca. “Uma tarde, quando todos dormiam..... Encontrou-o de cuecas, acordado, estendido na rede que pendurara nos ganchos com os cabos de amarrar navio. Impressionou-a tanto a sua enorme nudez sarapintada que teve ímpeto de retroceder. ....... “Vem cá”, disse-lhe ele. Rebeca obedeceu. Deteve-se junto da rede, suando gelo, sentindo que formavam nós nas tripas enquanto José Arcádio lhe acariciava os tornozelos com a polpa dos dedos, e depois a barriga das pernas e depois as coxas, murmurando: “Ah, maninha; ah maninha”. Ela teve que fazer um esforço sobrenatural para não morrer quando uma potência ciclônica, assombrosamente regulada levantou-a pela cintura e despojou-a da sua intimidade com três patadas e esquartejou-a como a um passarinho....”

O humor sutil de que se serve o autor é outro detalhe que faz a diferença da estória. Muitas vezes no decorrer do livro, uma frase pequena no final ou no meio de um parágrafo, dá um toque de humor na cena, que vinha sendo narrada de forma, que outros pobres mortais escritores não saberiam dar a sutil pincelada humorística em meio a tragédias e ou coisas de alcova.

“Cem Anos de Solidão” é leitura obrigatória, diferentemente dos outros livros do autor, que também são ótimos, mas não são fantásticos como este que narra o mundo e a vida dos moradores de Macondo. Bendito seja o rompante iluminado de idéias, que no longínquo ano de 1966, acometeu o futuro Premio Nobel de Literatura de 1982, Gabriel José Garcia Márquez, o Gabo.