ELITE DA TROPA

(Luiz Eduardo Soares, André Batista e Rodrigo Pimentel)

Os três autores do livro que deu origem ao filme brasileiro mais badalado da década passada (Tropa de Elite, vencedor do Urso de Ouro de melhor filme no Festival de Cinema de Berlim/2008) estão plenamente qualificados para falar a respeito de violência urbana: Luiz Eduardo é antropólogo, e foi coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do Estado do Rio de Janeiro durante dois anos, enquanto André Batista e Rodrigo Pimentel fizeram parte do BOPE, a temida polícia especial carioca (legalmente Batalhão de Operações Policiais Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro). Através das páginas do livro, os três traçam um quadro, sobretudo sangrento, onde policiais e bandidos se confundem a tal ponto de termos de fazer a distinção entre “bandidos de farda” e “bandidos sem farda”.

Essa estranha combinação, aparentemente imiscível, é o resultado da favelização da cidade do Rio de Janeiro e acentuou-se após as décadas de 70/80, quando seguidos governantes populistas, no afã de manter os seus “currais eleitorais”, deixaram as populações das comunidades carentes nas mãos das “falanges”, embriões dos atuais “comandos”, chegando, inclusive, a proibir a polícia de fazer incursões nos morros cariocas. Com o tráfico de drogas se transformando em negócio altamente rentável, a disputa pelo poder foi se tornando cada vez mais acirrada, envolvendo bandidos de diferentes facções e a própria polícia.

O livro é dividido em duas partes distintas. Na primeira, o foco narrativo é a polícia e a sua relação com os criminosos. Acompanhamos o treinamento a que os policiais do BOPE são submetidos e como aprendem a se transformar em uma máquina de guerra pronta para matar. Se por um lado o aspecto moral da “elite da tropa” é irretocável, pois o maior valor desses policiais é o de não se deixar corromper diante das mazelas da politicagem e da tentação do dinheiro fácil, por outro eles não titubeiam em praticar a violência explícita em várias incursões pelas favelas, num cotidiano de tortura e morte que chocaria o leitor mais desavisado. Os criminosos não respeitam as leis, e para combatê-los, os policiais que deveriam obedecer a essas leis são os primeiros a desrespeitá-las, e sem nenhum peso na consciência. Para esses homens, os fins justificam os meios, como a fazer valer o bordão conhecido de um antigo político carioca: “bandido bom é bandido morto”. Realidade ou ficção? O leitor comum não consegue discernir o que é literatura do que é experiência pessoal dos autores, em um livro que mistura ambas as coisas.

A segunda parte do livro, já abordando um aspacto mais amplo da violência e da corrupção policial, amplia essa rede de intrigas e envolve os policiais com políticos, empresários, autoridades e os já conhecidos traficantes de drogas, em ações que fariam o próprio Rambo se sentir como um principiante: rebeliões em presídios, transporte clandestino, grampos telefônicos, ataques a ônibus, jogos eletrônicos, sequestros, dossiês, chantagens, atentados, fatos aparentemente isolados mas que seguem um fio condutor e fazem parte de uma tática premeditada: desviar a atenção das autoridades e do cidadão comum para encobrir as verdadeiras intenções dos criminosos e corruptos. Aqui, a opinião pública e aqueles que tentam manter a integridade em meio ao mar de lama são tratados como meros marionetes nas mãos dos verdadeiros donos do poder, uma realidade que já estamos acostumados a ver acontecer em nossos noticiários.

A narrativa pode não ter a qualidade literária de um clássico, mas a história que “Elite da Tropa” conta vale o papel em que foi impresso. Somente a discussão sobre a violência urbana e de como a corrupção atinge as camadas mais altas das lideranças políticas e policiais do país já valeriam a pena a leitura. A descrição pormenorizada do cotidiano de um policial, as intrigas de bastidores que a grande maioria das pessoas jamais chega a conhecer, tudo isso faz de “Elite da Tropa” uma boa pedida para quem quer entender as notícias que tem lido nos últimos anos em nossos jornais.