A Revolução Francesa da historiografia: a Escola dos Annales

Peter Burke através do seu livro faz um estudo do movimento ou escola dos Annales, tentando compreender o mundo francês e explicar desde a década de 20, até as gerações posteriores, a teoria e a prática do historiador, fazendo uso da interdisciplinaridade e, principalmente, para com outros cientistas sociais. De acordo com a obra do autor, os Annales foi um movimento dividido em três fases: a primeira apresenta a guerra radical contra a história tradicional, a história política e a história dos eventos; na segunda, o movimento aproxima-se verdadeiramente de uma “escola”, com conceitos e novos métodos dominada pela presença de Fernand Braudel; a terceira, traz uma fase marcada pela fragmentação e por exercer grande influência sobre a historiografia e sobre o público leitor, através da Nova História ou História Cultural. È proporcionada ao leitor uma viagem através da “história da história”, seus principais escritores, métodos e finalidades de sua escrita, partindo da contribuição antiga até chegar ao século XX, ou seja, trata-se da História da Historiografia na sua longa duração.

Considera o autor que, a partir da “Revolução Copernicana” na história, com Ranke, a história sociocultural foi re-marginalizada. Foi dada uma grande ênfase nas fontes dos arquivos, numa época em que os historiadores buscavam se profissionalizar e a história não política foi excluída. O século XIX, foi palco de diversas discordâncias entre historiadores, a exemplo de Michelet e Burckhardt que propõem uma visão mais ampla da história. Outro exemplo que podemos citar trata-se de como Fustel de Coulanges e Marx ofereciam um paradigma histórico alternativo ao de Ranke. Historiadores econômicos foram os opositores mais bem organizados da história política, enquanto os fundadores da Sociologia - Comte, Spencer e Durkheim - expressavam pontos de vista semelhantes.

No início do novo século, um movimento lançado por James Harvey sob a bandeira da “Nova História” defende que a história inclui qualquer traço ou vestígio das coisas que o homem fez ou pensou, desde o seu surgimento sobre a terra. Na França, a natureza da história tornou-se objeto de intenso debate e alguns historiadores políticos tinham concepções históricas mais abrangentes. Portanto, é inexato pensar que os historiadores desse período estivessem exclusivamente envolvidos com a narrativa dos acontecimentos políticos, como, por exemplo, Simiand, um economista seguidor de Durkheim, que promove um ataque a Seignobos, símbolo de tudo a que os reformadores se opunham. Tratava-se, na verdade, de um ataque aos três ídolos da tribo dos historiadores: político, individual e cronológico. Ao mesmo tempo Henri Berr, um grande empreendedor intelectual, lança o ideal de uma psicologia construída com a cooperação interdisciplinar, o que teve ressonância em Febvre e Bloch.

De acordo com Burke, no final da Primeira Guerra, Febvre idealizou uma revista internacional dedicada à história econômica, mas o projeto foi abandonado. Em 1928, Bloch tomou a iniciativa de ressuscitar os planos da revista, com sucesso. Originalmente chamada Annales d´histoire économique et sociali, pretendia ser a difusora de uma abordagem nova e interdisciplinar da história, exercer uma liderança intelectual nos campos da história social e econômica, e preocupava-se com o problema do método no campo das ciências sociais. Os Annales começaram como uma revista de seita herética, contudo, depois da guerra, se tornou oficial. Aos poucos se converteu no centro de uma escola histórica que foi transmitida para escolas e universidades.

A segunda geração dos Annales foi protagonizada por Fernand Braudel que sucedeu Febvre como diretor efetivo da revista. Para Braudel, a contribuição especial do historiador às ciências sociais é a consciência de que todas as “estruturas” estão sujeitas a mudanças, mesmo que lentas. Ele desejava ver as coisas em sua interação, não concordando com as fronteiras, separando regiões ou ciências. Quando prisioneiro, durante a Segunda Guerra, Braudel teve a oportunidade de escrever sua tese. Seus rascunhos eram remetidos para Febvre, de quem recebeu forte influência. A obra com o título “o Mediterrâneo e Felipe II”, de grande dimensão, era dividida em três partes, cada uma exemplificando uma diferente forma de abordagem do passado: primeiro, uma história “quase sem tempo” da relação entre o “homem” e o ambiente; segundo, a história da estrutura econômica, social e política e, terceiro, a história dos acontecimentos, corresponderia à idéia original de uma tese sobre a política exterior de Felipe II. O Mar é o herói do épico braudeliano. Ele divide o tempo histórico em geográfico, social e individual, realçando a longa duração.

Nesse período a história das mentalidades foi marginalizada, tanto por Braudel não ter interesse por ela, quanto porque um número de historiadores franceses acreditava que a história social e econômica era mais importante do que outros aspectos do passado, como também, porque a nova abordagem quantitativa não encontrava no estudo das mentalidades a mesma sustentação oferecida pela estrutura socioeconômica.

Ainda conforme o texto de Burke, a terceira geração dos Annales foi marcada por mudanças intelectuais. O centro do pensamento histórico estava em vários locais e permitiu a abertura para idéias vindas do exterior e a inclusão de novas temáticas. A ausência de um domínio temático fez com que alguns comentadores falassem numa fragmentação. Burke abordará três temas maiores: a redescoberta da história das mentalidades, a tentativa de empregar métodos quantitativos na história cultural e a reação contrária a tais métodos.

A mudança de interesses dos intelectuais dos Annales, da base econômica para a “superestrutura” cultural – reação contra Braudel e contra qualquer determinismo - foi intitulada por Burke como um movimento “do porão ao sótão”.

No interior do grupo dos Annales alguns historiadores sempre estiveram envolvidos com os fenômenos culturais e com a mentalidade. A nova abordagem quantitativa não encontrava no estudo das mentalidades a mesma sustentação oferecida pela estrutura socioeconômica. Um artigo de Febvre mostra a importância do estudo das séries de documentos na longa duração, a fim de mapear mudanças.

Nos anos 70 surge uma reação contrária à abordagem quantitativa, ao domínio da história estrutural e social, defendida pelos Annales, o que resulta na mudança antropológica, no retorno à política e no ressurgimento da narrativa. A conhecida crítica aos Annales é a sua pressuposta negligência ao tema político, mas ela não procede em relação a todos os componentes do grupo. A volta à política está também ligada ao ressurgimento do interesse pela narrativa dos eventos: história dos eventos e narrativa histórica.

O livro de Peter Burke tem o mérito de apresentar sinteticamente e de maneira satisfatória a imensurável elaboração e contribuição das gerações dos Annales, numa só obra, servindo de partida indispensável para historiadores e historiadores da educação, que se ampararam em teorias advindas da História Cultural.

Bibliografia:

BURKE, Peter. A Revolução Francesa da Historiografia: A Escola dos Annales, 1929-1989,

Tradução Nilo Odália. São Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista, 1991.