Resenha: A escravidão no Brasil - Jaime Pinsky

As raízes da desigualdade social

Júlia Marssola Loures

A vida em sociedade tem exigido, gradualmente, o reconhecimento das origens que regem nosso atual sistema social, bem como o conhecimento de sua evolução. Fator fundamental para compreender a divisão social é o antigo regime da escravidão, que tem suas origens na Antiguidade, em civilizações que, para aquela época, eram bastante desenvolvidas, como Egito, Mesopotâmia, Grécia e Roma. O príncipio básico que sustenta esse modelo é o de caracterizar um indivíduo como propriedade de outro, mais especificadamente, o escravo como objeto de seu senhor. Tomando ciência de sua importância, vários autores o tem utilizado como temática principal, é o que ocorre no livro de Jaime Pinsky, A escravidão no Brasil, no qual adentra profundamente a essência, classificação e vida cotidiana dos escravos.

Pinsky inicia a narrativa através de uma descrição verídica de sua introdução no Brasil, que se dá com a chegada dos portugueses como uma compensação pela perda populacional, uma vez que fora necessário deslocar trabalhadores para outras áreas conquistadas. Diante de uma situação emergencial, viram-se obrigados a explorar o trabalho dos índios. Logo que o problema foi sanado e os navios negreiros desembarcavam no território, fez-se uso dos escravos negros. O tráfico somente foi possível porque os colonizadore utilizaram da religião para persuadir os negros, oferecendo-lhes proteção jesuíta. O autor posiciona-se claramente contra alguns filósofos neste instante da obra, uma vez que, para ele, diferentemente de Aristóteles, a escravidão não era inerente áqueles seres, e sim fruto das condições histórias então em vigor: desorganização política, econômica, demográfica e sociocultural. Trazidos em condições muito precárias, muitos contraíam doenças. A diversidade étnica dificultava a integração, fato visto de bom grado pelos senhores.

O sofrimento do escravo é algo inquestionável. Viva indefinido entre humano e mercadoria, ao possuir vontade própria e não poder executá-la. Trabalhavam nas mais diversas atividades, principalmente nas lavouras de café e cana. As jornadas exorbitantes de 15 a 18 horas diárias não correspondiam com a pouca quantidade de comida recebida, baseada em alimentos simples ou rejeitados pelos superiores.As estalações nos engenhos intensificavama a desigualdade. Enquanto o senhor e sua família viviam na casa grande com alguns escravos domésticos, o restante deles abrigava-se nas deploráveis senzalas, com ilumnação e ventilação praticamente insignificantes e com esteiras espalhadas por todo o compartimento.

A questão da sexualidade é outro ponto fortemente discutido no decorrer da narrativa. Casais de escravos eram por vezes separados e a proporção de homens para mulheres era de 5 para 1. Logo, as ligações afetivas transitórias eram explicitamente incentivadas e as cerimônias religiosas eram vistas como formalidade desagradável. Desta forma, as mulheres tinham inúmeros filhos de diferentes homens, e corriqueiramente se relacionavam com os senhores garotos de quem cuidaram toda a infância. Tal postura feminina nao deve ser vista como promiscuidade, mas sim como fruto de sua condição e esperança por ascensão social e econômica. Por conta dessas relações, criou-se todo um mito em relação às mulatas e negras como sendo "fruto do pecado". As mulheres brancas, por sua vez, desempenhavam função estritamente reprodutória, instruídas até a não demonstrar prazer no sexo. Não eram raros ataques de tortura a escravas por sinhás enfurecidas.

Quanto à repressão, havia um choque de interesses e concepções, pois não havia regras para intermediar a relação escravo e senhor, pois nunca existiu devidamente um código que estipulasse castigos e penalizasse infratores, tudo era muito genérico. Castigos comuns eram aplicados friamente pelos capitães do mato, como açoite, calabouço, utilização da máscara de flandres e em situações mais extremas a pena de morte. Para expressar sua insatisfação, desenvolviam cantigas repetitivas e enfadonhas que cantavam durante o trabalho. Os mais rebeldes, aspirando liberdade, organizavam fugas e refugiavam-se em quilombos, outros cometiam atentados contra os senhorese os incrédulos, suicídio.

O intrigante desfecho propõe ao leitor um período de profunda reflexão sobre a genialidade da obra, minuciosamente desenvolvida com um possível intuito de instrução social. Escrita com maestria, é um estudo aprofundado do cruel regime escravocrata, contribuindo consideravelmente para a ampliação do conhecimento histórico. É inundada de preciosos relatos sutilmente apresentados com a perceptível finalidade de aguçar o senso crítico da maioria ao retratar o período com o sentimento de seus personagens. Com grande simplicidade lexical e estrutural, é de fácil compreensão e público-alvo mais abrangente. Logo, seria interessante a leitura de jovens a partir de 12 anos, cuja maturidade e experiência já permitem compreender a importância do assunto tratado na narrativa, a fim de auxiliar em sua construção intelectual e compreensão do presente.

Excelente, é também uma ótima opção para educadores e amantes do brilhante desenvolvimento histórico.