MIETH, Dietmar. Pequeno estudo de ética. Aparecida: Idéias & Letras, 2007, 287 p.

Muitas pessoas acham que não vale a pena agir com ética, porque tanta gente se dispõe a mentir para obter vantagens pessoais. De fato, a ética muitas vezes se contrapõe a interesses e vantagens. Mas mesmo assim a consciência acusa quando achamos que não nos conduzimos corretamente. Algumas vezes também ocorre que simplesmente não sabemos o que é correto numa determinada situação. Nesse caso, há duas tendências frequentes: entrar por um rigorismo moral ou então escolher uma direção do tipo “tanto faz...”. O autor, Dietmar Mieth, talvez não muito conhecido entre nós, indica neste livro caminhos para a construção de decisões éticas. Com sistematizações teóricas e com exemplos colhidos na prática cotidiana, ele descreve a aplicação de critérios para o agir ético. Mieth, nascido em 1940, em Berlim, estudou teologia, filosofia e germanística. A partir de 1981, professor de ética teológica e ética social na Faculdade de Teologia Católica da Universidade de Tübingen. Fundador do Centro de Ética da Universidade de Tübingen, durante muitos anos foi membro da Comissão de Ética da União Européia, é professor de Ética Teológica. Presta assessoria em questões de ética interdisciplinar.

O presente livro de sua autoria, traduzido em nossa língua, não quer ser uma “introdução à ética científica” (p.7) e nem uma “instrução didática sobre algum sistema de fundamentação no âmbito da ética” (p.8). O termo “estudo”, aludido no título, assume o tom mais genérico, associado com o termo “formação”: por um lado, a formação de uma postura pessoal; por outro, a inclusão de experiências e conhecimentos pertinentes na abordagem do tema. Com este objetivo e outros que se descobrirão em sua própria leitura, Mieth trata do tema em nove capítulos: 1. Experiência com a moral, reflexão sobre a ética; 2. Processos “imorais” de aprendizagem; 3. Princípios adequados, argumentação correta, decisões sábias; 4. Modelos de bem-viver; 5. Normas e valores; 6. Política e moral; 7. O ser humano imperfeito; 8. O que significa a religião para a ética?; e, 9. Dez Mandamentos – fórmulas de memorização da moral.

O autor constata, de início, que “as boas pessoas não precisam de moral, as más não se importam com ela” (p.11). Muitas pessoas ao se engajarem pelo bem conduzem suas vidas e ideais neste bem, não se importando muitas vezes com o seu entorno. No fundo, esta constatação evidencia a polêmica: a aceitação dos valores éticos externos para o interno sem muita reflexão. Vivemos numa era do mínimo esforço; isso se projeta no campo da ética. A ética “necessita de tempo e espaço, porque ela tem algo a ver com ponderação” (p.13). A ponderação pressupõe a dúvida a respeito do que é bom e correto ou, dito de outro modo, se nós mesmos somos bons e corretos. Deixamos a dúvida de lado, pois já possuímos a certeza do que somos e temos que fazer, e, também nos deixamos levar pela plural concorrência das possibilidades éticas no cotidiano de nossas vidas. Já não conseguimos nem ao menos nos perguntar: quem é o meu próximo? De quem eu sou o próximo? Quem foi o próximo daquele que caiu na mão dos salteadores? (Lc 10,36). Não conseguimos nem nos enxergar corretamente e assim, somos cegos diante dos outros. A pessoa má se confunde com a boa. Há uma divisão no “interior da pessoa que quer ser boa e é obrigada a ser má” (p.17). O mercado e a livre concorrência atual levam o ser humano a se tornar frágil e dividido. Já sem ética, ratifica a antiga máxima “os fins justificam os meios”. A gravidade da ética se avoluma quando percebemos que se ecoam dos ricos aos mais pobres a fórmula “reaganiana”: “todo o mal praticado contra o mal absoluto é relativo” (p.19), causando na consciência das pessoas o seguinte impacto: o mal que eu faço é o bem, porque o mal que com ele combato é o mal absoluto. Dito em outras palavras: “a absolutização do mal do outro, em função da relativização do meu próprio mal, constitui um jogo de propaganda muito apreciado” (p.20). Estas visões aplicadas em todos os setores da vida humana causam uma reviravolta na consciência ética humana em seu processo de internalização. Há também a da tentativa de conciliação entre a eficiência, rapidez tecnológica atrelada às exigências do mercado, com a moral. Mieth se pergunta: é possível a ética? E a moral? Para ele a ética ou moral só pode ser a da responsabilidade, pois “se a moral se refere à responsabilidade própria do indivíduo, então ela não é o mesmo que as normas socialmente impostas” (p.26). Neste sentido, a ética é o autocomprometimento livre; é o senso para as noções que dão sentido à vida. A ética é a internalização comprometida e responsável dos valores “ponderados” como inteligentes e importantes para viver a vida. A consciência é a competência para a esta configuração. Nossa vida, nossa consciência ética necessita da autodeterminação, mas também de instrução para “sensibilizar-se” pelo outro (cf. p.36). Não basta nos sentirmos livres e felizes com isso; precisamos do equilíbrio entre o autocomprometimento e a necessidade do próximo que nos impacta. Precisamos aprender a superar alguns processos “imorais” para sermos, segundo o autor, éticos: “como você age comigo, assim eu ajo com você - a sedução da retribuição” (p.53); “Isso é tudo culpa sua – a transferência das minhas próprias agressões para os demais” (p.64); “Malevolência ou inveja?” (p.72); “Por que mentir é tão bom e ainda assim tão condenável” (p.81); e, “Os interesses determinam a moral” (p. 95);

Não são só os processo morais que precisamos superar; necessitamos aprender os princípios adequados para ter argumentações e vivências corretas que geram decisões sábias (p.101). Precisamos sempre, segundo Mieth, nos questionar acerca das motivações que regem nossa vida. Somos mais movidos pelo que os outros dizem? Pelo que nossa consciência assimilou como sendo o “valor”? Simplesmente pelas necessidades imediatas externas? Não basta mais hoje em dia cobrarmos dos outros a responsabilidade por meio de objeções de consciência. “Quem se deixa interpelar eticamente, quer viver bem e corretamente: para si mesmo, nas suas relações e nos seus âmbitos de responsabilidade profissional e civil” (p.151). Temos que investir na formação do sujeito pelas virtudes, isto é, pelas disposições comprometidas com o bem viver. Esta ajuda-nos a buscar a felicidade em toda a sua totalidade num lento processo de amadurecimento. Neste sentido as normas morais, comuns em todas as sociedades, são modos pragmáticos de salvaguardar os valores éticos mais fundamentais (cf. p.195-196).

O poder dentro desta configuração ética acaba se configurando com o exercício responsável das autonomias em diálogo com a solidariedade e co-solidariedade. Mesmo que o ser humano se esforce por viver e agir conforme uma ética coerente a sua vida, “por mais que na ética se trate reiteradamente do ser humano, cujo valor absoluto, a dignidade humana, representa o critério moral por excelência, não se pode alimentar ilusões a respeito dele” (p. 245). A ética deve contar com a imperfeição do ser humano e com a debilidade de sua moral. Mieth nos diz que diante de um ser humano imperfeito resta refletir em três questões sempre importantes: compreender a própria consciência (p. 248); lidar adequadamente com a culpa pessoal (p. 255), e, nunca absolutizar nenhuma moral (p. 261). Por fim, os dez mandamentos, para Dieth, precisam ser compreendidos em sua positividade e não negatividade ética. Ao sujeito ético contemporâneo convém apresentar as exigências da Revelação enquanto enraizamento no “ethos” de cada pessoa que se propõe a busca um fim ético.

Portanto, este “pequeno estudo de ética” quer ser uma indicação de caminhos para a construção de decisões éticas. Mais que saídas se propõe a ser um atrativo ao ser humano perdido entre os inúmeros pluralismos éticos que ora se camuflam de moralismos ora de imoralismos.

André Boccato
Enviado por André Boccato em 29/07/2011
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