TORREL, Jean-Pierre, OP. Santo Tomás de Aquino. Mestre Espiritual. 2ª edição. São Paulo: Loyola, 2008, 502p.

     Santo Tomás de Aquino é retratado aqui, nessa profunda obra de Jean-Pierre Torrel, como o místico e mestre espiritual. Como diz Torrel: “o autor da Suma de Teologia é conhecido como um intelectual de grande porte, mas não como um místico” (p. 9). É um grande engano achar que o teólogo mendicante, da Ordem dos Pregadores, tenha sido apenas um comentador da Sagrada Escritura. Torrel nessa obra segue bem a máxima do historiador latino Tácito: “Todas as coisas que hoje se crêem antiqüíssimas já foram novas” (Omnia quae nunc vetustissima credentur, nova fuere). No caso aqui, o autor vai além de Tácito e mostra com sagacidade que o Aquinate é novíssimo e pertinente.
     O autor, Jean-Pierre Torrel, nasceu em 1927. Atuou como membro da prestigiosa Comissão Leonina para a edição crítica das obras de Santo Tomás. Professor ordinário de teologia dogmática de 1981 à 1997 na Universidade de Fribourg (Suiça). Desde 1990 é curador da biblioteca filosófica e teológica do Albertinum, além de um profícuo estudioso de seu confrade do séc. XIII. Torrel redige essa obra a partir de duas grandes partes com seus respectivos capítulos.
     Na primeira, “Uma espiritualidade trinitária” (p. 41-270) apresenta as idéias em outros oitos capítulos que ele intitula do seguinte modo: “Além de tudo” (p. 41-72); “Deus e o mundo” (p. 73-102); “Imagem e Bem-Aventurança” (p.103-126); “O Caminho, a Verdade, a Vida” (p. 127-154); “A imagem do Filho Primogênito” (p. 155-186); “Falar do Espírito Santo” (p. 187-212); “O coração da Igreja” (p. 213-240), e, “O Mestre Interior” (p. 241-265). Torrel, ao falar primeiramente de uma espiritualidade trinitária em Santo Tomás, mostra que o “o teólogo cristão não pode tratar de Deus em sua unidade ou de sua criação e abstrair-se de sua vida em três pessoas sem mutilar o mistério” (p. 41).
     O Mestre Espiritual é aquele que reconhece o primado existencial de Deus em sua vida. Não é mera pretensão racionalista, mas seguindo a inspiração de Jacques Maritain (Les degrés du savoir, in Oeuvres completes, Fribourg/Paris, 1983, t. 4, p. 669), é uma “atitude de adoração natural e de admiração inteligente” (p. 43). É em Deus-Trindade que Tomás de Aquino enraíza sua experiência espiritual, contudo, conduzida pelo Espírito. Para ele, o Espírito é liberdade e “seu primeiro dom é a liberdade na alma do crente” (p. 243). É o Espírito que, no cotidiano da vida do homem de fé, ilumina a inteligência para que ela veja o bem a fazer e a moção da vontade para que ele a cumpra. Os dons do Espírito Santo se tornam fundamentais, pois, “ajudam as virtudes a atingir o seu fim último, aperfeiçoando as potências da alma conforme são conduzidas pela razão” (p. 258). Na segunda parte, “O homem no mundo e diante de Deus” (p. 273-438), o autor a subdivide em outros cinco capítulos: “Uma idéia da criação” (p. 273-302); “Uma idéia do homem” (p. 303-330); “Sem amigos, quem quereria viver?” (p. 331-368); “O que há de mais nobre no mundo” (p. 369-404), e, “Caminhos para Deus” (p. 405-438). Aqui o frade dominicano explicita que “falar de Deus é certamente também falar do homem” (p. 273). Isso se fundamenta no pressuposto de que Deus, falando ao homem, pelos profetas, apóstolos e Jesus, não pode utilizar senão palavras humanas.
     O realismo tomasiano é apresentado aqui de modo singular. Há uma profunda sinergia entre estas tríplices dimensões. Diz Torrel: “em nenhum lugar Tomás representa o homem ou o mundo de maneira idealista, como se o mundo representasse apenas uma vida do espírito e como se o mundo representasse apenas uma matéria sem nenhuma relação com ele. Ele os vê sempre em suas relações mútuas tais como Deus os fez, com uma natureza que o pecado não pode destruir e que a graça pode retornar sem aboli-la” (p. 274). Santo Tomás situa o homem no vasto conjunto do universo, pois após ter falado de Deus em si mesmo, ele trata de Deus em sua relação com a criação e o modo pelo qual a criação procede de Deus. Trata do homem em suas múltiplas dimensões: corpo, alma, paixões, natureza, cultura e virtude.
     Jean-Pierre diz que se “encontra uma das peças mais originais da teologia espiritual em Santo Tomás: sua doutrina das virtudes” (p. 316). Ainda sobre o homem, o autor nota que na espiritualidade tomasiana “oxigenava” uma visão muito positiva de pessoa, pois para ele significa “o que há de mais perfeito em toda a natureza” (p. 370), já que o Criador comunicou à sua criatura intelectual a capacidade de poder conhecê-lo e amá-lo. Dentro da estrutura humana se destaca a consciência em Santo Tomás chamada de sindérese, isto é, “o habitus que apreende e formula os dois grandes princípios da vida moral que trazem em si mesmos a sua evidência: deve-se fazer o bem e evitar o mal” (p. 377). Em Tomás a consciência não é uma faculdade nem um habitus, mas um ato da razão prática. É a consciência que necessita se identificar sempre com a voz de Deus para que os atos possam adquirir moralidade. Habitualmente, diz Torrel, os mestres espirituais propõem um caminho da alma para Deus.
     A questão que se põe a nós é saber se encontra alguma coisa análoga em Santo Tomás. O autor afirma que “o conjunto da segunda e terceira partes da Suma se apresenta a nós como a descrição do movimento da criatura racional para Deus no seguimento de Cristo que é para nós em sua humanidade a via que leva para Deus” (p. 405 e cf. 1ª q.2 Prol. S.Theol.). Aí se encontram grandes ensinamentos valiosíssimos para nós até hoje, tais como: maneira de ver o homem como um ser de desejo e inacabado ao ponto de não alcançar o objeto de seu amor; sua concepção de bem-aventurança, além de tudo o que pode ser ambicionado e que se deve aprender a discernir de tudo o que não é ela; sua idéia mesma de criatura nova, cujo crescimento é comparável ao de um organismo corporal, chamado a se desenvolver ultrapassando no seguimento de Cristo os degraus que conduzem à caridade perfeita.
     A vida espiritual, em Santo Tomás, se dá nesse ardoroso processo de educar o desejo, deixado no mais profundo do ser, para alcançá-lo, pois “o homem não pode ser perfeitamente feliz se não lhe resta alguma coisa a desejar e a procurar” (p. 407). O desejo, como todas as dimensões do agir humano, necessita ser submetido à atração da bem-aventurança. O caminho do mestre espiritual se dá nesse longo confronto do desejo, pelas virtudes, à bem-aventurança (o próprio Deus). Ainda mostra que, pela caridade, Santo Tomás fundamenta a sua vida espiritual: “a vida espiritual consiste principalmente na caridade; se alguém não a tem, se pode considerar que ele é nada espiritualmente” (p. 423), tendo esta, vários graus, segundo a evolução de cada pessoa: os incipientes, os proficientes e os perfeitos.
     Enfim, de Santo Tomás, podemos também aprender a “beber” de algumas fontes da vida espiritual, como: a Sabedoria Antiga; a Sagrada Escritura; a Liturgia; os Padres e especialmente Santo Agostinho, e, a herança dominicana.
André Boccato
Enviado por André Boccato em 29/07/2011
Código do texto: T3126167
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