CÃO COMO NÓS - MANUEL ALEGRE
(leitura indicada por João Videira Santos)
“Sei muito bem que as pessoas saem dos retratos, sei isso desde pequeno, ma tu não, estás proibido de voltar a fazer o que fizeste esta noite, não posso entrar na sala e ver outra vez a tua moldura vazia.”
Cão como nós, novela do escritor português Manuel Alegre, publicada pela Editora Dom Quixote, é um relato comovente da relação do homem com o cão Kurika. O vínculo construído sem palavras e com forte simbologia. A personalidade do cão se forma com os liames afetivos, sua inserção dentre da família e os papéis que assume.
O narrador, dono do cão, intercala memórias muito vívidas com o vazio deixado com a ausência do animal. Durante muito tempo, acreditou que o cão era cão e deveria ser convencido disto, mas com a sua morte, compreendeu que o cão era um personagem definitivo no enredo da família. Era o olhar atento, a alegria, a aproximação silenciosa, o corpo entre os pés, as manifestações durante as apresentações musicais, a empatia, a solidariedade, a presença...
Era um cão que acreditava não ser cão e se comportava como filho e irmão. Para o cão, não havia porta fechada ou ordens que não pudessem ser descumpridas, mas existia a fidelidade e o incondicional amor.
As percepções do cão são reveladas na narrativa. Uma confissão amorosa que imortaliza o dia a dia do cão, que não sendo humano, era cão como nós.
“Sinto calor aos pés, aposto que estás aí enroscado, vamos de carro a caminho de Moura e um poema começou a esboçar-se dentro de mim, pego num pedaço de papel, é uma conta de cartuchos, não importa, serve, começo a escrever, quando ficamos sós eu leio-te, é para ti.”