RESUMO DO LIVRO “A LITERATURA EM PERIGO” DE TZVETAN TODOROV

José Flávio Nogueira Guimarães

Mestre em Letras: Estudos Literários pela UFMG

Qual o perigo no qual a literatura se encontra hoje? Todorov aponta uma saída para tirar o ensino da literatura das mãos do formalismo-estruturalismo, nas quais ele se encontra, e contrariamente ao que é feito na atualidade, analisar o texto literário através de conexões deste “com o mundo real e com a vida contemporânea”. As obras literárias deveriam ser lidas e discutidas antes de serem classificadas e periodizadas. Para os jovens de hoje a literatura é antes de tudo uma disciplina institucional a ser aprendida em sua periodização, uma matéria escolar, e jamais “um agente de conhecimento sobre o mundo, os homens, as paixões, enfim, sobre sua vida íntima e pública”.

O búlgaro Tzvetan Todorov nasceu em 1939 e vive na França desde 1963. É atualmente diretor de pesquisas honorário do “Centre National de Recherche Scientifique” (CNRS). Nesse seu livro ele dá um testemunho pessoal do que a literatura fez e faz na sua vida. Dentre outras coisas ele menciona o fato dela abrir ao infinito a possibilidade de interação com os outros e, portanto, nos enriquecer infinitamente. “Ela nos proporciona sensações insubstituíveis que fazem o mundo real se tornar mais pleno de sentido e mais belo. Longe de ser um simples entretenimento, uma distração reservada às pessoas educadas, ela permite que cada um responda melhor à sua vocação de ser humano.”

No formalismo-estruturalismo “os estudos literários têm como objetivo primeiro o de nos fazer conhecer os instrumentos dos quais se servem. Ler poemas e romances não conduz à reflexão sobre a condição humana, sobre o indivíduo e a sociedade, o amor e o ódio, a alegria e o desespero, mas sobre as noções críticas, tradicionais ou modernas. Na escola, não aprendemos acerca do que falam as obras, mas sim do que falam os críticos.” Todorov questiona o ensino de literatura nas escolas e pergunta se ao ensiná-la “a ênfase deve recair sobre a disciplina em si ou sobre seu objeto”. Pois o que ocorre em nossas escolas hoje é uma ênfase sobre a disciplina (como no ensino da física) e não uma ênfase sobre o objeto (como na história). “Ensina-se História, e não um método de investigação histórica entre outros.” No caso da literatura, ensinamos teoria acerca de “uma obra em vez de abordar a própria obra em si mesma”.

Tzvetan Todorov apela à vocação dos professores de literatura quando afirma não ter dúvidas “de que concentrar o ensino de Letras nos textos iria ao encontro dos anseios secretos dos próprios professores, que escolheram sua profissão por amor à literatura, porque os sentidos e a beleza das obras os fascinam; e não há nenhuma razão para que reprimam essa pulsão”. O autor não descarta a utilidade da análise estrutural da obra e se opõe a um juízo puramente subjetivo do texto literário por parte do aluno; no entanto, “em nenhum caso o estudo desses ‘meios’ de acesso pode substituir o sentido da obra, o que é o seu ‘fim’”. Quando o leitor encontra um sentido na obra literária, ele / ela compreende melhor o homem e o mundo, descobre uma beleza que enriquece sua existência; “ao fazê-lo, ele compreende melhor a si mesmo. O conhecimento da literatura não é um fim em si, mas uma das vias régias que conduzem à realização pessoal de cada um”.

Todavia, como que as nossas escolas chegaram a essa concepção de ensino da literatura? O nosso sistema educacional é grandemente influenciado pelo francês. Na França essa mutação ocorreu primeiramente no ensino superior nos anos 1960 e 1970 sob a bandeira do “estruturalismo” e o reflexo sobreveio, posteriormente, sobre o ensino médio e fundamental. À época “o estudo do sentido [...] era considerado com muita suspeita. Esse estudo era criticado por nunca poder se tornar científico o bastante, sendo então abandonado a outros comentadores, desvalorizados, a escritores ou a críticos de jornais. A tradição universitária não concebia a literatura como, em primeiro lugar, a encarnação de um pensamento e de uma sensibilidade, tampouco como interpretação do mundo. [...] Decide-se neste momento (para citar apenas uma entre mil formulações) que ‘a obra impõe o advento de uma ordem em estado de ruptura com o existente, a afirmação de um reino que obedece a suas leis e lógicas próprias’, excluindo uma relação com o ‘mundo empírico’ ou a ‘realidade’ (palavras que só passam a ser usadas entre aspas). Dito de outra forma, a partir de agora, a obra literária é representada como um objeto de linguagem fechado, auto-suficiente, absoluto. Em 2006, na universidade francesa, essas generalizações abusivas ainda são apresentadas como postulados sagrados. [O mesmo ainda ocorre nas universidades brasileiras em 2011.] Sem qualquer surpresa, os alunos do ensino médio aprendem o dogma segundo o qual a literatura não tem relação com o restante do mundo, estudando apenas as relações dos elementos da obra entre si.”

O autor sugere que no ensino superior ensinem-se as abordagens, os conceitos postos em prática e as técnicas. Entretanto, no ensino médio, que não se dirige aos especialistas em literatura, mas a todos, deve-se ensinar apenas as obras; o que se destina a todos é a literatura, não os estudos literários.

A idéia de que “a literatura não mantém ligação significativa com o mundo, e que, por conseguinte, sua apreciação não deve levar em conta o que ela nos diz do mundo” não é uma invenção recente; repousa na Antiguidade, em pensamentos de Aristóteles, Horácio e outros.

“Os tempos modernos vêm abalar essa concepção de duas maneiras distintas, ambas ligadas ao novo olhar que incide sobre a progressiva secularização da experiência religiosa e uma concomitante sacralização da arte. A primeira maneira consiste em retomar e revalorizar uma antiga imagem: o artista criador, comparável ao Deus criador, engendra conjuntos coerentes e fechados em si mesmos. O Deus do monoteísmo é um ser infinito que produz um universo finito; ao imitá-lo, o poeta se assemelha ao deus que fabrica objetos finitos (a comparação mais freqüente é feita com Prometeu). Ou ainda, o gênio humano, sublunar, imita o Gênio supremo, origem de nosso mundo. [...] O cardeal Nicolau de Cusa, teólogo e filósofo, escreve em meados do século XV: ‘O homem é um outro Deus [...] enquanto criador de pensamento e das obras de arte’. [...] Dir-se-á paralelamente que Deus é o primeiro dos artistas: ‘Deus é o poeta supremo, e o mundo é o seu poema’, afirma Landino, neoplatônico florentino.”

Cria-se a “estética”, e o próprio termo, “em 1750, num tratado de Alexander Baumgarten dedicado à nova disciplina. O que há de revolucionário nessa abordagem é que ela conduz ao abandono da perspectiva do criador para adotar a do receptor, que, por sua vez, só tem um único interesse: contemplar belos objetos. Essa mutação tem várias conseqüências. Primeiramente, separa cada ‘arte da atividade da qual era apenas um grau superlativo. [...] Segunda conseqüência: as artes, que até então se ligavam cada uma à sua prática de origem, passam a ser reunidas em torno de uma mesma categoria. Poesia, pintura e música só podem ser unificadas se as situarmos na ótica da recepção, correlativa à mesma atitude desinteressada chamada a partir deste momento de estética. [...] A ‘arte’ passa a ser definida como a aspiração do belo. [...] A partir de então, a preocupação passa a ser a descrição do processo de percepção, a análise do juízo de gosto, a avaliação do valor estético.”

Em 1791 o Louvre reúne num só local quadros “destinados originalmente a assumir funções as mais diversas nas igrejas, palácios e residências particulares, e os reserva para um único uso: o de serem contemplados e apreciados apenas por seu valor estético. [...] Para que seja disparada a percepção estética, basta que o objeto seja exposto num desses lugares. O encadeamento automático entre esse gênero de local e essa forma de percepção impôs-se com evidência desde que Marcel Duchamp colocou seu famoso mictório num lugar destinado às obras de arte: apenas pelo local em que se encontra, ele se tornou obra de arte, ao passo que seu processo de fabricação de modo algum corresponde ao de uma escultura ou de um quadro.”

“Numa palavra, os dois movimentos que transformam no século XVIII a concepção de arte, isto é, a assimilação do criador a um deus fabricante de microcosmo e a assimilação da obra a um objeto de contemplação, ilustram a progressiva secularização do mundo na Europa ao mesmo tempo em que contribuem para uma nova sacralização da arte. [...] Cada um dos movimentos consolida o outro: a beleza se define como aquilo que, no plano funcional, não tem fim prático, e também como o que, no plano estrutural, é organizado com o rigor de um cosmo. A ausência de finalidade externa é, de algum modo, compensada pela densidade das finalidades internas, ou seja, pelas relações entre as partes e os elementos da obra. Graças à arte, o ser humano pode atingir o absoluto.”

“Quando passamos da perspectiva da produção para a da recepção, aumentamos a distância que separa a obra do mundo do qual fala e sobre o qual age, já que se quer percebê-la a partir de então em si mesma e por si mesma. [...] O que estava reservado a poucos se torna acessível a todos; o que estava submetido a uma hierarquia rígida, a da Igreja e a do poder civil, põe em pé de igualdade todos os seus consumidores.”

A primeira ocorrência conhecida em francês da expressão “a arte pela arte” encontra-se no diário íntimo de Benjamin Constant. Em 1807 ele afirma: “’A literatura refere-se a tudo. Não pode ser separada da política, da religião, da moral. É a expressão das opiniões dos homens sobre cada uma das coisas. Como tudo na natureza, ela é ao mesmo tempo efeito e causa. Imaginá-la como fenômeno isolado é não imaginá-la.’ Por conseguinte, ‘poesia pura’ não existe: toda poesia é necessariamente ‘impura’, pois necessita de idéias e valores; ora, tanto um quanto outro não lhe pertencem propriamente.”

A estética dos iluministas diverge, por um lado, das teorias clássicas. “Ela desloca o centro da gravidade da imitação à beleza, afirmando a autonomia da obra de arte; por outro, essa estética nunca ignora a relação que liga as obras ao real: elas ajudam a conhecê-lo e agem reciprocamente sobre ele.”

“Aos olhos dos primeiros românticos [...] a arte continua a ser um conhecimento do mundo. Se novidade há, essa está no juízo de valor que eles atribuem aos diferentes modos de conhecimento. Aquele ao qual se ascende através da arte parece-lhes superior ao da ciência: por renunciar aos procedimentos comuns da razão e tomar o caminho do êxtase, esse conhecimento dá assim acesso a uma segunda realidade, proibida aos sentidos e ao intelecto, mais essencial ou mais profunda do que a primeira. Deve ser lembrado, no entanto, que é nesse mesmo momento que o prestígio da ciência começa a crescer vertiginosamente; é sem surpresa que se vê a reivindicação romântica não encontrar nenhum eco favorável na sociedade contemporânea.”

“A própria doutrina da ‘arte pela arte’, que se desenvolve então na Europa como resposta às idéias provenientes da Alemanha, não deve ser tomada em sentido literal. Poder-se-ia crer, por exemplo, que Baudelaire – que toma para si o papel de porta-voz dessa tendência na segunda metade do século – se recuse a considerar a poesia como caminho para o conhecimento do mundo, já que declara: ‘A poesia (...) não tem como objeto a verdade, ela não tem senão a Si mesma. Os modos de demonstração de verdade são outros e estão em outro lugar. A Verdade não tem nada a fazer com as canções. [...] Se a poesia não deve se submeter à procura da verdade e do bem, é porque ela é em si mensageira de uma verdade e de um bem superiores àqueles que podemos encontrar fora dela. Baudelaire permanece fiel a Kant ao afirmar (numa carta a Toussenel): ‘A imaginação é a mais científica das faculdades, porque apenas ela pode compreender a analogia universal’, ou quando escreve: ‘A imaginação é a rainha do verdadeiro’. A obra do artista participa do conhecimento do mundo. É por essa razão que Baudelaire aplaude sua capacidade de ‘conhecer os aspectos da natureza e as situações do homem.’ É também por isso que ele exige que seus contemporâneos, pintores e poetas, sejam ‘modernos’, que eles nos mostrem poéticos ‘em nossas gravatas e nossas botas envernizadas’; e ele próprio anseia realizar esse programa em suas obras poéticas.”

“Nem por isso Baudelaire se contradiz. A arte e a poesia se referem à verdade, mas a verdade da arte não tem a mesma natureza que aquela aspirada pela ciência. [...] A ciência enuncia proposições as quais descobrimos serem verdadeiras ou falsas quando confrontadas aos fatos que procuram descrever.”

“A arte interpreta o mundo e dá forma ao informe, de modo que, ao sermos educados pela arte, descobrimos facetas ignoradas dos objetos e dos seres que nos cercam. [...] O mesmo acontece na literatura: Balzac ‘cria’ mais suas personagens do que as descobre, mas, uma vez criadas, elas se introduzem na sociedade contemporânea e, a partir daí, não cessamos de cruzar com elas pelas ruas. A vida em si é ‘terrivelmente desprovida de forma’. Dessa ausência, resulta o papel da arte: ‘A função da literatura é criar, partindo do material bruto da existência real, um mundo novo que será mais maravilhoso, mais durável e mais verdadeiro do que o mundo visto pelos olhos do vulgo.’ Ora, criar um mundo mais verdadeiro implica que a arte não rompe sua relação com o mundo. [...] É apenas no começo do século XX que se produz a ruptura decisiva.” Elimina-se toda questão referente à relação que a obra mantém com o mundo. Defini-se a obra de arte por sua submissão exclusiva às exigências do belo. “Com esse procedimento, os teóricos recaem no monismo característico da estética clássica, que desejava tudo explicar a partir de um só princípio, a imitação, salvo que o princípio único novo se chama beleza. [...] Desse momento em diante, cava-se um abismo entre a literatura de massa, produção popular em conexão direta com a vida cotidiana de seus leitores, e a literatura de elite, lida pelos profissionais – críticos, professores e escritores – que se interessam somente pelas proezas técnicas de seus criadores. De um lado, o sucesso comercial; do outro, as qualidades puramente artísticas. Tudo se passa como se a incompatibilidade entre as duas fosse evidente por si só, a ponto de a acolhida favorável reservada a um livro por um grande número de leitores tornar-se o sinal de seu fracasso no plano da arte, o que provoca o desprezo ou o silêncio da crítica. Parece findar-se assim a época em que a literatura sabia encarnar um equilíbrio sutil entre a representação do mundo comum e a perfeição da construção romanesca.”

“Eis-nos de volta ao presente. As sociedades ocidentais do fim do século XX e início do século XXI se caracterizam pela coexistência mais ou menos pacífica de ideologias diferentes, e logo também de concepções concorrentes da arte. Encontram-se sempre aí os partidários do utopismo, assim como todos os fiéis à estética humana do Iluminismo. [...] Os representantes da tríade formalismo-niilismo-solipsismo crêem que a relação aparente das obras com o mundo é apenas um engodo. [...] Admitindo-se que uma obra fala do mundo, exige-se dela, em todo caso, que elimine os ‘bons sentimentos’ e nos revele o horror definitivo da vida, sem o qual ela se arrisca a parecer ‘insuportavelmente ingênua’. Ou, ainda pior, que ela pareça com a literatura ‘popular’, aquela cuja reputação é feita muito mais pelos leitores do que pelos críticos.” Ou seja, a qualidade da obra deve ser questionável.

“A literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando estamos profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros seres humanos que nos cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos ajudar a viver. Não que ela seja, antes de tudo, uma técnica de cuidados para com a alma; porém, revelação do mundo, ela pode também, em seu percurso, nos transformar a cada um de nós a partir de dentro. [...] O leitor comum, que continua a procurar nas obras que lê aquilo que pode dar sentido à sua vida, tem razão contra professores, críticos e escritores que lhe dizem que a literatura só fala de si mesma ou que apenas pode ensinar o desespero. Se esse leitor não tivesse razão, a leitura estaria condenada a desaparecer num curto prazo.”

“Como a filosofia e as ciências humanas, a literatura é pensamento e conhecimento do mundo psíquico e social em que vivemos. A realidade que a literatura aspira compreender é, simplesmente (mas, ao mesmo tempo, nada é assim tão complexo), a experiência humana. Nesse sentido, pode-se dizer que Dante ou Cervantes nos ensinam tanto sobre a condição humana quanto os maiores sociólogos e psicólogos e que não há incompatibilidade entre o primeiro saber e o segundo.”

“A literatura tem um papel particular a cumprir nesse caso: diferentemente dos discursos religiosos, morais ou políticos, ela não formula um sistema de preceitos; por essa razão, escapa às censuras que se exercem sobre as teses formuladas de forma literal. As verdades desagradáveis – tanto para o gênero humano ao qual pertencemos quanto para nós mesmos – têm mais chances de ganhar voz e ser ouvidas numa obra literária do que numa obra filosófica ou científica.”

“Todos participam do que Kant, no famoso capítulo da ‘Crítica da Faculdade do Juízo’, considerava como um passo obrigatório no caminho para o ‘senso comum’, ou seja, para nossa própria humanidade: ‘Pensar colocando-se no lugar de todo e qualquer ser humano.’ Pensar e sentir adotando o ponto de vista dos outros, pessoas reais ou personagens literárias, é o único meio de tender à universalidade e nos permite cumprir nossa vocação. É por isso que devemos encorajar a leitura por todos os meios – inclusive a dos livros que o crítico profissional considera com condescendência, se não com desprezo, desde ‘Os Três Mosqueteiros’ até ‘Harry Potter’: não apenas esses romances populares levaram ao hábito da leitura milhões de adolescentes, mas, sobretudo, lhes possibilitaram a construção de uma primeira imagem coerente do mundo, que, podemos nos assegurar, as leituras posteriores se encarregarão de tornar mais complexas e nuançadas.”

“Num relatório estabelecido pela Associação dos Professores de Letras, podemos ler: ‘O estudo de Letras implica o estudo do homem, sua relação consigo mesmo e com o mundo, e sua relação com os outros.’ Mais exatamente, o estudo da obra remete a círculos concêntricos cada vez mais amplos: o dos outros escritos do mesmo autor, o da literatura nacional, o da literatura mundial; mas seu contexto final, o mais importante de todos, nos é efetivamente dado pela própria existência humana. Todas as grandes obras, qualquer que seja sua origem, demandam uma reflexão dessa dimensão.”

“O que devemos fazer para desdobrar o sentido de uma obra e revelar o pensamento do artista? Todos os ‘métodos’ são bons, desde que continuem a ser meios, em vez de se tornarem fins em si mesmos. [...] Aquilo de que nos damos conta, gradualmente, é que todas essas perspectivas ou abordagens de um texto, longe de serem rivais, são complementares – desde que se admita de início que o escritor é aquele que observa e compreende o mundo em que vive antes de encarnar esse conhecimento em histórias, personagens, encenações, imagens, sons. Em outros termos, as obras produzem o sentido, e o escritor pensa; o papel do crítico é o de converter esse sentido e esse pensamento na linguagem comum do seu tempo – e pouco nos importa saber quais os meios utilizados para atingir seu objetivo.”

“Sendo o objeto da literatura a própria condição humana, aquele que a lê e a compreende se tornará não um especialista em análise literária, mas um conhecedor do ser humano. Que melhor introdução à compreensão das paixões e dos comportamentos humanos do que uma imersão na obra dos grandes escritores que se dedicam a essa tarefa há milênios? E, de imediato: que melhor preparação pode haver para todas as profissões baseadas nas relações humanas? Se entendermos assim a literatura e orientarmos dessa maneira o seu ensino, que ajuda mais preciosa poderia encontrar o futuro estudante de direito ou de ciências políticas, o futuro assistente social ou psicoterapeuta, o historiador ou o sociólogo? Ter como professores Shakespeare e Sófocles, Dostoievski e Proust não é tirar proveito de um ensino excepcional? E não se vê que mesmo um futuro médico, para exercer o seu ofício, teria mais a aprender com esses mesmos professores do que com os manuais preparatórios para concurso que hoje determinam o seu destino? Assim, os estudos literários encontrariam o seu lugar no coração das humanidades, ao lado da história dos eventos e das idéias, todas essas disciplinas fazendo progredir o pensamento e se alimentando tanto de obras quanto de doutrinas, tanto de ações políticas quanto de mutações sociais, tanto da vida dos povos quanto da de seus indivíduos.”

REFERÊNCIA:

TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Trad. Caio Meira. Rio de Janeiro: Difel, 2009.

José Flávio Nogueira Guimarães
Enviado por José Flávio Nogueira Guimarães em 20/11/2011
Reeditado em 26/08/2014
Código do texto: T3346001
Classificação de conteúdo: seguro
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