Rubem Braga nas entrelinhas

Aqui em Brasília não pega a TV Cultura. Foi por isso, e só por isso, que eu não tomei conhecimento da matéria do programa Entrelinhas sobre o Rubem Braga. Foi há duas semanas. E isso quer dizer pouco tempo, considerando que eu achei por mero acaso. A descoberta não poderia ser melhor, pois não são muitas as matérias sobre a crônica, e menos ainda aquelas em que o Rubem fala – foi a primeira vez que o ouvi.

http://www.youtube.com/watch?v=zBEYnWplQLc

Antes de tudo, preciso dizer que Rubem é o meu autor favorito. Aos 17 anos, eu li “A Borboleta Amarela”, e achei tão diferente de tudo que havia lido, e fiquei tão cheio de amor pela vida, e vinha tão a calhar com minhas melancolias, que logo se tornou o meu autor favorito – e mais: foi o que me fez achar que devia escrever também.

De lá pra cá, li todos os livros e boa parte daquilo que se escreveu a seu respeito. Cheguei até mesmo a fazer a minha monografia de jornalismo sobre ele – ocasião em que tentei livrá-lo de alguns lugares-comuns da crônica. Acho que não tenho amigo a quem não tenha feito propaganda dos seus textos. Sou eu, inclusive, o dono do seu perfil no Twitter.

Foi então com felicidade que assisti a uma matéria tão bem feitinha sobre ele. É verdade que não destaca a importância do jornalismo para a produção dos seus textos. Mas vá lá. Em termos literários, é uma matéria bastante simpática. Diz que o Braga andava “meio sumido das discussões literárias”, o que certamente acontece porque o tipo de texto que fazia não era propriamente literatura – por isso mesmo, não pode ser um gênero menor.

Destaca-se ainda a simplicidade do cronista e a sua habilidade em falar de coisas da natureza e das “tristezas e perturbações da condição do bicho homem”. E o vídeo tem o mérito de trazer o próprio Rubem falando em 1982 sobre a sua infância, classificada como normal – apesar das exaltações em seus textos. “Depois é a que gente vê que foi feliz”, justifica. Tomava banho de rio, roubava fruta, jogava futebol e nas férias de fim de ano ia pra praia. O cronista também lembrava com alguma ironia sobre o seu único livro de poesias: “É um titulo muito original, chama-se Livro de Versos”. Essas são algumas das poucas frases que ouvi até hoje da boca do próprio Braga.

São lembradas exaltações feitas por Manuel Bandeira e Antônio Cândido, e há um trecho de Paulo Autran interpretando “Aula de Inglês”, uma das crônicas mais conhecidas e deliciosas do Braga, que nos deixa o gosto de assistir a versão na íntegra. Ao final da matéria, uma bela interpretação de “Procura-se”, quando o cronista procurava um caderninho azul, “escrito a lápis e tinta e sangue, suor e lágrimas, com setenta por cento de endereços caducos e cancelados e telefones retirados e, portanto, absolutamente necessários e urgentes e irreconstituíveis. Procura-se e talvez não se queira achar”. Linda!

Acho que falta muita leitura crítica ao Braga ainda. Diria, inclusive, que falta muitas leituras não-críticas, como essa do Programa Entrelinhas – que tem o mérito de trazer à memória um escritor que problematizou os gêneros do jornal e da literatura. Mas hoje eu não quero pensar em nenhum problema, em nenhuma teoria. Estou feliz porque se lembraram do Braga. Estou feliz porque achei esse vídeo.

E também porque hoje é sábado, eu acabei de almoçar e meus amigos vão bem.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 03/12/2011
Reeditado em 03/12/2011
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