Resenha: As vozes e seu tempo

SOUZA, Florentina da Silva. As vozes e seu tempo. In: _____. Afro-descendência em Cadernos Negros e Jornal do MNU. Belo Horizonte: Autêntica, 2005 p. 31-49

Esta resenha consiste em uma análise sucinta do texto supracitado, cuja autoria cabe à Florentina da Silva Souza, a qual possui graduação em Letras Vernáculas com estrangeira, Licenciatura pela Universidade Federal da Bahia (1978), mestrado em Letras pela Universidade Federal da Paraíba (1985) e doutorado em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais (2000). Atualmente é professora associada da Universidade Federal da Bahia e atua no Programa de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos (CEAO-UFBA)*.

No texto em epígrafe, a autora discorre acerca da produção textual adotada pelos editores dos periódicos Cadernos Negros e do Jornal do MNU (Movimento Negro Unificado) os quais, sob o influxo das mudanças no ambiente político-cultural das décadas de setenta e oitenta do século XX, adotaram uma tradição textual alternativa, tendo por objetivo colocar em circulação textos, jornais e revistas produzidas por negros e mestiços em algumas cidades do Brasil.

Numa tentativa de desmistificar a tese da democracia racial brasileira, Florentina Souza instiga uma discussão referente aos espaços sociais ocupados pelos afro-descendentes na História de nosso país. Para tanto, compõe um jogo semântico onde a visibilidade “concedida” aos negros no Brasil restringe-se a escassos momentos de manifestações culturais. Em contrapartida, a autora ressalta que a invisibilidade imposta aos afro-descendentes torna-se evidente na incapacidade de enxergá-los externamente aos papéis sociais inferiorizantes que lhes foram impostos pela sociedade. Desta forma, evidencia-se a tentativa de controle autoritário e indevido de uma elite dominante que procura coibir a circulação dos afro-brasileiros em espaços ou momentos que não lhes são permitidos.

Para fundamentar suas ideias, Florentina Souza faz uso da teoria de Fanon e outros estudiosos do processo de construção da identidade e auto-estima do negro, os quais defendem a opinião de que a introjeção de estereótipos inferiorizantes torna-se obstáculo à construção de uma auto-estima positiva. Além disto, a escritora ressalta que no âmbito da produção textual canônica, bem como no campo das letras, também impera a invisibilidade imposta aos afro-descendentes, com a proliferação dos rótulos atribuídos aos negros.

Em consonância com a autora supracitada, cabe à crítica institucional avalizar, eleger e legitimar os textos considerados (por ela, a crítica) canônicos, bem como atribuir estigma e excluir de seus registros os considerados não-canônicos. Com efeito, apesar da consolidação de uma vertente da literatura anti-establishment ter provocado mudanças no critério de valor, a produção textual de dicção negra é registrada de modo superficial nos arquivos institucionais da literatura brasileira, sendo destinada à margem do circuito editorial, restrita tão somente a círculos de militantes.

Pode-se inferir que isto ocorre devido ao fato de que os textos da literatura brasileira não cedem espaço aos discursos de marcas identitárias negras, pois estes não atendem às necessidades e interesses da tradição ocidental etnocêntrica e hegemônica. Isto porque as instituições brasileiras nomeadas para permitir a exploração e circulação dos textos eleitos como representantes da literatura do país, têm como critério de valor eleger temas menos “traumáticos” e linguagem que tendem ao mais formal para compor nossa literatura. Por isto, recusam-se “discretamente” a discutir assuntos ligados a questões étnico-raciais, evitando a exposição das tensões e contradições existentes, para não dimensionar o seu significado social.

A partir do exposto, pode-se afirmar que os Cadernos Negros e o Jornal do MNU são publicações onde estes segmentos da sociedade tidos por “minoritários”, buscam espaço, através de sua expressão nas diversas esferas socioculturais, objetivando desnudar os véus das representações de origem européia que coloca o seu modelo fenotípico e cultural como padrão absoluto no exame das expressões negras/afro-descendentes presentes no discurso acadêmico e na arte institucionalizada em nosso país.

Os espaços ocupados atualmente pelos negros, nos meios de comunicação, nas academias, na política, entre outros, foram resultados das incessantes lutas que movimentos negros travaram e ainda continuam, em busca da quebra desses espaços reservados pelas classes hegemônicas. Diante disto, tais publicações apresentam-se como resultado da atividade de grupos que optam por uma produção que modifica o sistema brasileiro de produção cultural, pois sendo partícipes da construção do país, reivindicam a inscrição de seus corpos e de suas vozes como parte se sua textualidade cultural.

O conjunto de textos eleitos por um determinado grupo, em cada época, para serem apresentados e institucionalizados, representam a expressão do simbolismo e imaginário de um povo, contribuindo para a construção de sua identidade, compondo a literatura nacional. Diante disto, o texto resenhado fornece-nos subsídios relevantes à temática da literatura e cultura afro-brasileira, pois perpassa um discurso histórico de como essa literatura, “as vozes” negras, se constroem e se apresentam através do tempo.

Com sólidos conhecimentos em torno da temática analisada, a Florentina Souza delineia as circunstâncias em que a literatura negra circula nos escassos espaços a ela destinados pela tradição da sociedade ocidental, possuidora de uma maquinaria discursiva impregnada de conceitos preconceituosos e estereotipados em relação às minorias, em geral e com o negro, em particular. Além disto, o estudo deste texto fornece-nos suprimento para analisarmos os critérios estabelecidos pela crítica brasileira ao eleger os cânones, além dos espaços socio-político-culturais ocupados, ou não, pelos negros e sua literatura.

O texto resenhado apresenta fundamentos necessários para acadêmicos e pesquisadores da Literatura afro-descendentes, a fim de que possam construir suas próprias concepções, contribuindo para o desenvolvimento de sua análise crítica, acerca desta temática. Por isso, recomendamos a leitura do texto aqui resenhado a todos os que desejam ter uma visão mais ampla sobre os conceitos essenciais para a esse campo das ciências sociais.

*Conteúdo disponível em: <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do;jsessionid=170A7F04AC9D2478AEB85B4F3633F977.node2>. Acesso em: 06 ago. 2011.

Eliana M Pereira e Iolanda Santos Barreto
Enviado por Eliana M Pereira em 08/02/2012
Código do texto: T3488062