Cômica Inocência

Cheguei a demonstrar sozinha, um leve sorriso em público. Ou melhor, em companhia de Zé-do-Burro e Macabéa e suas falas que carregam a pureza de uma criança. Isso me ocorria enquanto lia. Senti então, grande vontade de dedicar parte de meu tempo a comparar estas personagens. Inocência! Eis a primeira delas e mais forte característica que faz parte dos dois seres inventados. Inocência! Repetidas vezes possa ser que este adjetivo por aqui apareça, já que não encontro um mais ideal para defini-los.

Apresento-lhes de imediato, sem mais delongas! São nordestinos, até o mesmo espaço físico ocuparam nas diferentes narrativas. Um é Zé-do-Burro, o famoso “O Pagador de Promessas” da cidadezinha de solo árido, personagem principal da peça teatral de Dias Gomes. A outra é Macabéa, personagem de “A hora da Estrela”, desenhada por Clarice Lispector.

Zé-do-burro era um pobre coitado. Toda a história se desenvolve graças a seu fiel companheiro e melhor amigo, que por falta de sorte, sofre um acidente. Uma árvore cai e atinge a cabeça de Nicolau, ferido, jorrava sangue. Zé do Burro não encontrou outra saída, havia de fazer uma promessa á Santa Bárbara, caso esta fosse cumprida carregaria uma cruz durante léguas até a Igreja na cidade. Nicolau foi curado, mas o que se diz no desenrolar da história, é que se tratava de um burro, um animalzinho de 4 patas que lhe ajudava no roçado de cada dia. Este não é o fato principal, há a intolerância da igreja católica, que queria impedir-lhe de pagar sua promessa, apenas porque o coitado havia frequentado um terreiro de candomblé a fim de curar seu amigo. Ele não entendia as diferenças entre as religiões e além dessa não entendia muitas questões... A imprensa aproveitou-se da situação e viu na história uma oportunidade de aumentar sua audiência. Ficou conhecido na cidade e a partir daí, cada um que se aproximava era para tirar-lhe um proveito. Primeiro tiraram seu direito de cumprir a promessa, após isso sua esposa que permanecia em seu lado durante todo o trajeto. E no fim de tudo, enquanto acontecia toda a briga entre as religiões e a imprensa transmitia o espetáculo, Zé- do burro foi morto atingido por balas. Sua ignorância e inocência fez com que lhe tirassem também a vida.

A vez agora é da personagem de Clarice Lispector, a pobre Macabéa órfã de pais e migrante da Bahia que foi até o Rio de Janeiro para tentar a vida. Era magra, muito magra. Tivera uma infância sem amor e sem cuidados, criada por uma tia que só sabia lhe castigar. Após a morte dessa tia, passou a dividir um quarto com quatro balconistas de uma loja. Mal se alimentava, era mal paga com o emprego de datilógrafa que conseguiu após fazer um curso. Quando recebia seu salário, gastava no cinema e lá ia sonhar em também ser uma artista. Tinha uma mania: enquanto suas colegas estavam em sono profundo, Macabéa colocava-se a ouvir seu rádio relógio. Um dia pra escapar de sua rotina falta no trabalho e conhece Olímpico. Um namorado que logo se tornou um ex. Esse era ambicioso e mau-caráter, também vinha do nordeste, mas fugido porque havia matado alguém. Após conhecer Glória, amiga de Macabéa decide terminar o namoro. Acontece que Glória tinha mais carne, se alimentava mais e ele interessava-se em sua situação financeira. Macabéa ia de mal a pior, perdeu o emprego, seu namorado, e descobrira que estava com tuberculose, mas não entendia a gravidade da doença, assim como não entendia muitas coisas. Por conselhos, decide fazer uma visita á cartomante. E esta mulher, lhe enche de esperanças. Estava tão iludida com todas as coisas boas e tão ansiosa para que elas acontecessem que atravessa a rua sem olhar para os lados e é atropelada por uma Mercedes-Benz. Foi a Hora da estrela.

Obras lúcidas, com personagens que encantam. Apesar de toda a tragédia em que vivem há o lado cômico e leve no decorres das histórias. Macabéa e Zé-do-burro encantam por sua pureza, por sua aparente inocência e grande falta de informação sobre as questões que lhes cercam. De tudo o que lhes ocorria , mal podiam ver metade. Eram complexas indagações religiosas e sociais. Foram ambos, vítimas do sistema. E morreram, pela própria ignorância e inocência. Válido para se ler e viajar.

Bibliografia: “O pagador de promessas” (Gomes, Dias) e

“ A hora da estrela” (Lispector, Clarice).

Tatiana Espíndola
Enviado por Tatiana Espíndola em 28/08/2012
Reeditado em 28/08/2012
Código do texto: T3853195
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