A incompetência dos gêneros

“Quarta-feira” estava na prateleira de crônicas – apesar de tudo, elas existem em algumas bibliotecas. Mas isso não significa que o livro de Eric Nepomuceno seja necessariamente desse gênero – ou, que se limite a ele. Depois de ler o primeiro texto, o acachapante “Dizem que ela existe”, a tendência natural é achar que se trata de um livro de contos. A impressão é em parte reforçada pelo segundo texto, “A Incompetência do Destino”, mas deixa uma dúvida no ar diante da citação de personagens reais. Afinal, isso é ficção ou não?

A partir de então, o leitor começar a notar mais algumas referências ao mundo real nos textos seguintes, até que Eric passa a assumir de fato a primeira voz da narrativa. Está fazendo crônica. E vez ou outra faz isso de tal maneira que ninguém mais consegue dizer até que ponto está falando a verdade. É bem provável que esteja. Poucas vezes a verdade ganhou tratamentos ficcionais tão bonitos. E poucas vezes foi tão difícil classificar um texto.

Mas Eric também esteve sujeito à memória pessoal – essa sina que persegue todo cronista. Estão lá histórias com gente como Tom Jobim, Arthur Moreira Lima, Darcy Ribeiro, Fernando Morais, Chico Buarque. Muitas com um toque de humor que se aproxima do “causo” mesmo. Mas também há tristes gemidos de quem escreveu crônicas-necrológio na partida dos que morreram.

Como homem bem relacionado na América Latina, Eric não deixa de escrever sobre episódios envolvendo escritores locais. Onetti, por exemplo. Faz isso também em “O Exercício da Solidão”, que não é crônica nem conto, mas ensaio – se é que os gêneros servem para algo nesse livro. Nesse texto, Eric cita declarações de diversos escritores, muitos deles latinos, sobre os seus rituais e suas preocupações no momento de escrever.

O livro também conta até com mini-reportagens típicas da crônica (sobre o “profissional do adeus”, um homem que vivia acompanhando velórios, por exemplo). Tem uma ou outra brincadeira também, como umas piadas escritas em forma de conto. Na parte final, um conto (conto?) mais longo (“Os Amigos”), outros dois um pouco menores (todos acabam mal), e por fim mais um relato triste, até terminar com uma metáfora da natureza.

Pouca gente levou tão a sério à indiferença aos gêneros como Eric Nepomuceno. Mas seus textos estão aí, todos escritos com uma prosa bem talhada, acessível, particularmente bonita, embora volta e meia triste.

É o tipo de livro que, na dúvida, vou logo reivindicando para a crônica.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 15/01/2013
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