O reacionário continua o mesmo

Depois de Machado de Assis, só uns dois ou três nomes podem reivindicar para si o mérito de ser um estilo no gênero da crônica. Um deles, naturalmente, é o Rubem Braga. E outro fatalmente é o Nelson Rodrigues. O mesmo Nelson que é sempre reconhecido por seus contos e por suas peças merece ser incluído entre os melhores cronistas que tivemos. E não cronista esportivo. Cronista cronista mesmo, daqueles que escrevem uma coluna diária no jornal sobre o que lhe der na telha, normalmente abordando acontecimentos cotidianos, frequentemente recorrendo ao passado, geralmente dialogando com o leitor do jornal.

Nelson Rodrigues é um polemista, mas também é um humorista – daqueles que contam uma piada engraçadíssima sem esboçar um mísero sorriso. Não sei de outro cronista que tenha manejado tão bem a palavra escrita. Suas frases contém palavras precisas, como que escolhidas a dedo para causar um impacto no leitor – geralmente o exagero, que leva ao riso. A escolha, a disposição das palavras, e o tom contundente de Nelson dão às suas frases o ar de verdades eternas e inquestionáveis – e muitas vezes é pura galhofa.

A cadência entre essas frases também é de uma fluidez espantosa. Os temas dificilmente são os mesmos do início ao fim da crônica. “Mas não era isso que eu queria dizer” e “Por que é que estou falando nisso mesmo?” são expressões corriqueiras que fazem com que, repentinamente, o autor mude a direção do seu texto. O fluxo de ideias é constante, e não atrapalha a leitura – geralmente diverte.

Em “O Reacionário”, última coletânea de crônicas lançada em vida do autor, Nelson continua criticando Dom Hélder, os padres de passeata, o progressismo na Igreja, nos costumes, nas esquerdas, mas principalmente a ascensão do idiota – ele, que apenas fazia filhos, de repente começou a pensar: descobriu-se em superioridade numérica. Grande parte das suas posições seriam criticadas hoje com a mesma intensidade que foram no final dos anos 60. E, no entanto, não há um texto que não dialogue com o nosso tempo. É uma leitura que, no mínimo, dá o que pensar, principalmente se for feita livre de prisões ideológicas ou partidárias.

É preciso dizer que “O Reacionário” não tem a mesma força de “A Cabra Vadia” – provavelmente sua melhor coletânea. Na verdade, “O Reacionário” é um calhamaço de 700 páginas que faz uma colcha de retalhos de todas as crônicas do autor, e isso significa, inclusive, repetir e adaptar crônicas que já haviam sido publicadas em “A Menina Sem Estrela”, “O Óbvio Ululante” e “A Cabra Vadia”. E como Nelson faz da repetição o seu próprio estilo, até mesmo naquelas crônicas em que não há indicação de publicação anterior tem-se a impressão de já ter lido em algum lugar. Também não há uma ordem cronológica nas crônicas. Por vezes, há uma sequência de textos com temas semelhantes – um dos mais divertidos, e ausente nos outros livros, é a defesa frustrada que Nelson tentou fazer do Piauí.

Não é o melhor livro de crônicas do Nelson, mas é um que, sendo dele, também merece ser lido, e certamente trará algumas boas inquietações. Em tempos de Reinaldo Azevedo e Arnaldo Jabor, dá o que pensar ter um cronista de direita da envergadura do Nelson Rodrigues.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 28/02/2013
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