As Crônicas de Artur - Volume 1 - O Rei do Inverno (autor: Bernard Cornwell)

Artur. O bastardo filho de ninguém; o protetor do reino; o senhor da guerra; o homem que sonhava com a paz.

Conhecer a história de Artur pela ótica de Derfel nos dá uma nova perspectiva sobre a mitologia Artuniana. Cornwell nos presenteia com uma obra fluida, escrita com maestria e mostrando os fatos de forma realista.

A narrativa começa com o velho saxão Derfel, cristão e com uma deficiência anatômica, escrevendo a história de Artur tal qual como ele a conheceu e viveu, à rainha Igraine. Com a desculpa de converter a Bíblia para os saxões, a jovem e bela rainha consegue esconder a verdade dos textos, que seriam considerados pagãos, do Bispo Sansum.

Derfel começa sua narrativa em uma noite fria de inverno, onde um futuro rei está nascendo e o jovem Derfel, uma criança criada por Merlin e de anatomia perfeita, assiste o Pedragon Uther.

Essa introdução deixa claro que o objetivo de Cornwell não é necessariamente causar o impacto na descoberta dos fatos e sim deixar a curiosidade guiar o leitor pelas estradas da Britânia.

Em várias partes do livro, Derfel nos informa o que aconteceu logo no início dos seus textos, mas rapidamente muda a narrativa e deixa na imaginação do leitor a pergunta de como tal fato ocorreu. Aos poucos, vamos descobrindo o "como" e entendendo o "o quê" dos fatos levantados.

Assim, com sutilezas e, muitas vezes, bastante explícito, Bernard larga as pontas da história e as deixa solta por um longo tempo, fazendo o suspense causado pela informação crescer no leitor que busca, sedento, a resposta de como as coisas aconteceram.

Como Derfel ganhou seu problema anatômico? Como resolver o problema da invasão dos Saxões? Como sobreviveram a determinada batalha?

Mas a maestria da narrativa está em mesclar com perfeição o nível de informação ao leitor. Quando necessário, Bernard deixa os fatos serem revelados no tempo correto, tal como a descoberta na biblioteca de um reino em decadência.

A violência é grande, apesar de ser exibida de forma sutil. Derfel é direto quando apenas cita que os soldados estupravam as escravas enquanto matavam os filhos das mesmas. Aliás, medo e estupro eram moedas constantes. Existe uma história de uma mulher que passou tanto tempo em cativeiro sendo brinquedo dos homens, que passou a dormir com qualquer homem que se aproximasse apenas pelo medo de não fazê-lo e das consequências do que poderia ocorrer. Esse fato faz o leitor imaginar como deve ter sido a vida dessa mulher durante o inverno nas mãos de seus raptores. A cena já é forte por si só, e Bernard deixa que o leitor preencha as lacunas com sua própria imaginação.

Por outro lado, as batalhas são narradas de forma real. Sentimo-nos fazendo parte da parede de escudos, empurrando e golpeando com nossas lanças. Os detalhes são precisos sem serem maçantes. Os movimentos são narrados de forma natural, onde ataques de lanças são desviados por escudos e contra-atacados por espadas ensanguentadas. Sentimos o chão tremer quando os cavaleiros de Artur passam com suas lanças em riste.

As batalhas são um atrativo a parte, e elas são muitas. E com elas, vamos acompanhando o desenvolvimento do jovem pagão Derfel. Desde sua primeira luta pela vida e proteção de seu povo à batalha no vale de Lugg, onde Cornwell deixa claro o porquê das fortes relações de amizade entre os soldados. Vencer ou morrer depende do sucesso da parede de escudos, e tal parede só sobrevive se confiarmos plenamente nos nossos companheiros. O que nos leva a uma rica gama de personagens.

Somos apresentados aos lanceiros com caudas de lobo nos elmos, defensores do distante palácio de Ynys Trebes, em Benoic; a bela Guinevere e suas ambições; Ceinwyn, a estrela de powys; Gorfyddyd, Rei no norte; Tristan, Edling de Kernow; O rei Gundleus e seu drúida Tanaburs, da Silúria; aos cavalos de guerra e seus cavaleiros com lanças pesadas; ao excêntrico Merlin; a jovem e selvagem Nimue; a misteriosa Morgana; ao Rei Aelle e sua horda de saxões; Lancelot com seus poetas e bardos; Galahad e sua espada voraz.

Os personagens são ricos em detalhes e características, que, apesar da quantidade e dos nomes complicados em um primeiro instante, torna-se fácil reconhecê-los quando estes reaparecem e são reapresentados com o uso de adjetivos e descrições rápidas.

Um exercício interessante ao ler o livro é associar os personagens das lendas como normalmente são apresentadas com as suas versões interpretadas por Cornwell.

Descobrimos a magia e como ela funciona; o poço da morte; As barreiras-fantasmas; a briga dos deuses antigos com o deus novo; a eterna luta entre os pagãos com os cristãos; acompanhamos o culto de Mitra; e conhecemos Artur, o que nunca foi rei.

Inicialmente temos o olhar de um jovem sobre os feitos de um herói de guerra. O velho Derfel nos narra a história de Artur a partir do que o jovem Derfel ouvia de outros guerreiros, e é impossível não admirar o herói Bretão.

Com o tempo, vamos entendendo e acompanhando o conceito de moral e justiça de Artur. Seus impulsos e as consequências de suas escolhas. A influência de Merlin, através do poder de Caledfwlch, nas Pedras, na formação do homem e líder pacificador da Britânia.

Em uma passagem do livro, entendemos o dilema do Artur:

"Aprendi que um rei só é tão bom quanto o homem mais pobre sob o seu governo" - Artur.

"Não foi uma lição que o próprio rei aprendeu" - Derfel.

"Alguns homens são melhores em saber do que em fazer, Derfel. Eu preciso ser as duas coisas" - Artur.

Essa cobrança pessoal em busca do saber e fazer nos leva às estratégias e acordos, assim como os fardos e culpas, do líder Bretão.

No final, descobrimos que heróis são feitos por caráter e bravura, sangue e suor e, principalmente, pelas canções dos bardos.

Um livro de leitura fácil e que nos apresenta um bom vocabulário sem ser cansativo.

Ao terminá-lo, principalmente com alguns "comos" ainda não esclarecidos, ficamos com aquele gostinho de querer mais.

Pelo menos ainda temos mais dois volumes pela frente.

Boa leitura.