Resumo do Livro "O que é Educação", de Carlos Rodrigues Brandão - 1

Aprender com o índio

Somos sujeitos à educação todos os dias, seja na igreja, no trabalho, na escola; não há escapatória. Seja para aprender, ensinar ou ambos, todos nós sintetizamos vida com educação, ou até mesmo, educações. Os índios, uma vez expuseram seu pensamento sobre educação, passaremos a pensar sobre ela, diante disso.

Há alguns anos atrás, nos Estados Unidos, um tratado de paz com os índios foi assinado. Após isso, governantes mandaram cartas aos índios propondo que eles enviassem alguns jovens de sua aldeia para estudar na escola dos brancos, porém, a proposta foi recusada através de uma carta. Anos mais tarde, Benjamim Franklin decidiu divulga-la:

"... Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós e agradecemos de todo o coração.

Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa ideia de educação não é a mesma que a nossa.... Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltavam para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros. Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão oferecemos aos nobres senhores de Virgínia que nos enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos, deles, homens."

Através dessa carta, assuntos pertinentes são expostos. Não existe apenas um modo de educar. Escola não é o único lugar em que a educação pode ser ensinada, e o professor profissional não é o único que exerce o papel de ensinar.

Em culturas e lugares diferentes, a educação se mistifica. Professores são substituídos por pastores, agricultores, caçadores, de acordo com a necessidade e costume de uma cultura.

O ato de educar existe de povos para povos, ou dentro de um povo só, e ele evolui, de acordo com a necessidade. No início, não havia livros, e sequer professores especialistas e profissionais, sem a organização de classe; hoje, existem métodos pedagógicos, escola e professores profissionais.

A educação é parte de um modo de vida dos grupos sociais, é através dela que leis são entendidas e cumpridas, regras são seguidas, trocas são propostas, condutas são praticadas dentro da sociedade é onde a educação se faz presente, e é reproduzida e reformulada de geração em geração.

Os índios compreendiam que a educação dos “povos brancos” condiz com o modo de vida deles em particular, porém não convém para os índios receberem o mesmo tipo de educação. Os educadores ensinam os homens a se tornarem guerreiros ou burocratas, de acordo com o que é necessário para sua cultura, sendo possível assim, dividir os tipos existentes de homem.

A força da educação se aplica na produção de ideias, valores, crenças, especialidades, onde o entendimento e a troca de símbolos são entendidos, assim, se constrói tipos distintos de sociedade.

A fraqueza da educação abrange a manipulação do ensino, onde o educador pensa que age por si próprio, porém sem saber, que está servindo à pessoa que o instituiu professor, ou seja, ele foi apenas um instrumento usado para moldar a sociedade em que é imposto.

O objetivo da educação é transformar as pessoas a serem melhores, baseada na imagem que se tem de outros, ela existe no imaginário das pessoas e na ideologia dos grupos sociais. Porém, na prática, a educação que ensina também pode deseducar, obtendo um resultado oposto do esperado, como é possível observar no trecho da carta “(...) eles eram, portanto, totalmente inúteis”.

Quando a escola é a aldeia

Em lugares onde a educação existe sem a escola centralizada, as pessoas são educadas através da transferência de experiência das gerações, afinal, a vida ensina cada tipo de espécie a sobreviver e evoluir. Os animais aprendem com o instinto, e com a observação de animais da mesma espécie, repetindo os seus atos, até obterem a mesma conduta, criando um modo de vida.

Os homens, através da consciência, necessidade e trabalho, transformam partes da natureza que julgam ser necessárias para estruturar melhor sua vida de acordo com a sua cultura. Na vida humana, a educação, além de dar continuidade ao trabalho da vida, insere um padrão de trocas (de padrões de cultura, domínio, intenções, símbolos), tornando a evolução possível.

É a partir do momento em que o estágio de organização de sociedade e cultura de um povo é alcançado por ele, e problemas como divisão social são enfrentados, que a consciência da educação aflora e a função de educar acrescenta a sociedade.

Muitas vezes, a educação passa despercebida pelo motivo de não ter uma placa em uma porta denominando o que ocorre. Quando antropólogos saíram ao redor do mundo buscando por “culturas primitivas” de sociedade tribais da Ásia, África, Oceania e Américas, conseguiram descrever ações cotidianas, em que as crianças recebem aprendizado e os jovens são impostos no mundo dos adultos, porém, nenhum deles utiliza a palavra “educação”.

Os antropólogos não citam educação, pois na cultura de alguns povos como os maori, apaches e xavantes, não há nenhuma situação propriamente escolar, ainda que seja identificado processos sociais e culturais de aprendizado, desde a fabricação de arco e flecha desde o ensinamento de regras sagradas aos deuses da tribo. Os ensinamentos ali impostos, nãos e tratam de convívio escolar, pois não há aulas propriamente ditas, o aprendizado é absorvido através de várias situações onde há troca entre pessoas, através do convívio. O corpo e a consciência são os artifícios os quais possibilitam essa troca.

Os momentos de aprendizado em aldeias tribais mais simples se consistem no contato da criança com a natureza munida da supervisão de um adulto conhecedor, onde a criança vê, entende e aprende com a sabedoria do adulto, ao fazer determinada coisa; em trocas de serviços ou bens materiais; na brincadeira de meninas e meninos, nas cerimônias religiosas, etc.

“Sob regime tribal, a característica essencial da educação reside no fato de ser difusa e administrada indistintamente por todos os elementos o clã. Não há mestres determinados, nem inspetores especiais para a formação da juventude: esses papéis são desempenhados por todos os anciãos e pelo conjunto das gerações anteriores.” - Émile Durkheim.

As meninas costumam adquirir conhecimento com as mães, avós, irmãs mais velhas, já os meninos, aprendem entre brincadeiras, com os pais, avós, guerreiros ou velhos em volta de fogueiras. Todos os responsáveis pela educação na aldeia criam passo a passo, como devem ser as atividades e situações que indiretamente ou diretamente propiciam as iniciativas de aprendizagem ou treinamento. Quase nunca a aprendizagem é imposta, é sempre feita naturalmente, em meio ao lazer, ou o cotidiano da vida.

De acordo com um antropólogo, as crianças estão onde é necessário aprender habilidades especiais, através da ansiedade em saber o que seus pais conhecem. Elas precisam de pouco estímulo para procura-los pro si mesmas.

Ocasiões mediadas por regras, valores culturais, tem em menor ou maior escala a sua dimensão pedagógica. Todos que convivem, aprendem através da sabedoria do grupo social e dos costumes culturais, é o saber que determina a aptidão social do ser.

A seguir, temos algumas situações pedagógicas, que ocorrem em grupos humanos mais simples, através de trocas sociais que socializam crianças e adolescentes.

- Treinamento direto de habilidades corporais, através da prática de atos que acarretam o corpo ao hábito.

- Estimulação dirigida, com intuito de que o aprendiz faça e repita os atos que ignora, até o acerto.

- A observação livre e dirigida daqueles que sabem, feita pelos aprendizes.

- A correção interpessoal ou familiar, quando práticas são feitas de forma errada, por meio de punição.

- Assistência para cerimônias e rituais, e a seguir, a participação destas cerimônias, como dança, rituais, etc.

Deste modo, tudo o que incita o fato “saber”, tem um modo de ser aplicado. Ainda em lugares onde a escola não exista, existem meios, recursos e situações empregados com o intuito de ensinar às crianças e adolescentes, que com o tempo e a sabedoria adquirida, um dia, se tornarão modelos de homem e mulher de uma sociedade, ou ainda, de um grupo dentro da sociedade, de acordo com o que a cultura de cada um idealiza.

Devido às diversas formas de educação, é comum que o processo global de educação, se chame de socialização. Através dela, cada um de nós passa por etapas sucessivas de saber e habilidade. Elas ajudam na criação de identidade, ideologia e do modo de vida de cada grupo social. A socialização realiza as necessidades e projetos da sociedade, realizando grande parte do que eles precisam para existirem dentro dela.

No interior dos contextos sociais coletivos, o processo da formação do adulto de uma cultura, que provoca uma situação pedagógica, pode ser chamado de endoculturização. Dentro da cultura e sociedade, aprender da forma menos consciente, através da mente, afetividade, troca entre os homens, é parte do processo pessoal de endoculturização, e também parte da aventura humana do “tornar-se pessoa.”

Não é nada raro que tanto na cabeça de um índio quanto na de um de nossos educadores ocidentais, a melhor imagem de como a educação se idealiza seja a do oleiro que toma o barro e faz o pote. O trabalho cuidadoso do artesão que age com o tempo e sabedoria sobre a argila vive que é o educando. A argila que resiste às mãos do oleiro, mas que se deixa conduzir por elas a se transformar numa obra feita: O adulto educado. Quando o educador pensa na educação, acredita que, entre homens, ela é o que dá forma e o polimento. Mas ao fazer isso na prática, tanto pode ser a mão do artista que guia e ajuda o barro a que se transforme, quanto a forma que iguala e deforma.

Tudo o que existe transformado na natureza pelo trabalho do homem e significado pela sua consciência é uma parte de sua cultura. Desde o pote feito de argila ao estilo da pesca e caça, e situações que induzem ou transmitem o saber. Tudo que se aprende da convivência com o outro, através da experiência pessoal ou do mundo, faz parte do processo de endoculturização.

A educação existe quando um pai ensina um filho sobre conduta ou um guerreiro ensina como deve caçar, quando uma mãe corrige o filho para que ele fale a língua do seu povo de forma correta e ensina uma menina a como ser mulher. Ela se propaga cada vez que surgem novas formas de aprender e ensinar. O ensino formal ocorre quando a educação se sujeita à pedagogia, ou seja, a teoria da educação; define horário, produz métodos e regras. É nesse momento que a escola surge.

Ana Citenali
Enviado por Ana Citenali em 04/04/2015
Reeditado em 04/04/2015
Código do texto: T5194915
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